Abordagem

O diagnóstico é clínico, com base em uma história de ressecção intestinal com ou sem sinais de deficiência de fluidos, eletrólitos, nutricional ou de micronutrientes, mesmo com um consumo enteral adequado. Nem todos os pacientes com SIC apresentam insuficiência intestinal; os pacientes com doença leve continuam nutricionalmente autônomos, e a má absorção é superada com o aumento da ingestão oral. É importante que o cirurgião meça a quantidade de intestino residual, não a quantidade removida. No entanto, a capacidade do paciente de desenvolver e manter a autonomia nutricional não depende somente da quantidade de intestino residual, mas da saúde e da função do intestino. Deve-se reconhecer que os pacientes com doença de Crohn, apesar da SIC, podem desenvolver recorrência da doença.

O objetivo da avaliação é distinguir a SIC da insuficiência intestinal devida à doença de Crohn, câncer ou doença celíaca; identificar e avaliar profundamente as deficiências de fluidos, eletrólitos, nutrientes ou micronutrientes; e definir a anatomia e o comprimento do intestino. É particularmente importante distinguir a SIC da má absorção devida à doença de Crohn, já que o manejo dessas doenças é muito diferente. Também é importante se manter alerta quanto às complicações do uso de nutrição parenteral (NP) de longa duração.

História

Uma revisão detalhada da história cirúrgica do paciente é essencial para se obter informações sobre a anatomia intestinal. Também deve-se buscar os sintomas de possíveis complicações da SIC na história.

  • História de cirurgias: se o paciente tiver doença de Crohn, deve-se estabelecer a extensão da doença. Se tiver havido uma cirurgia, é importante saber o comprimento do intestino restante e quais segmentos foram removidos. A saúde do intestino residual é importante.

  • Dieta e peso: devem-se buscar informações detalhadas sobre a dieta e o cronograma da perda de peso. Muitas vezes, os pacientes precisam se esforçar para manter o peso, mesmo com a hiperfagia intencional e suplementação nutricional. O grau de perda de peso é diretamente proporcional à redução da capacidade de absorção do intestino.

  • Diarreia: a diarreia é resultado do aumento da osmolaridade dos conteúdos intestinais (principalmente, devido à má absorção de gordura), irritação do cólon induzida pelos sais biliares, diminuição de tempo do trânsito intestinal, aumento da produção de ácido gástrico e diminuição da superfície intestinal para reabsorção da água. Além disso, os pacientes com jejunostomia proximal podem ter uma resposta secretória para a ingestão de alimentos.

  • Depleção de volume: é importante determinar se houve internações prévias para hidratação intravenosa, uso doméstico de solução de reidratação oral ou sintomas de diarreia ou diminuição do débito urinário.

  • Fadiga: consequência direta de deficiência de vitamina, perda de peso e depleção de volume.

  • Sintomas da deficiência vitamínica: cegueira noturna (vitamina A), fraqueza muscular ou fraturas ósseas (vitamina D), sangramento excessivo (vitamina C ou K), fraqueza motora/alteração da marcha ou novos deficits neurológicos (vitaminas E e B12).

  • Sintomas de doença hepática relacionados à SIC/insuficiência intestinal os principais sintomas incluem prurido e confusão, sendo a icterícia um dos principais sinais.

  • Dor sugestiva de novos cálculos biliares (dor epigástrica pós-prandial ou dor abdominal no quadrante superior direito) ou nefrolitíase (disúria ou cólica renal).

  • Sintomas de acidose D-láctica: dificuldade de equilíbrio ou de visão, confusão, comportamento inadequado. Isso ocorre devido à sobrecarga de carboidratos orais, resultando em excesso de carboidratos fermentáveis no cólon, que são metabolizados pela flora colônica em D-lactato. Portanto, é pouco provável que essa complicação ocorra em um paciente sem cólon em continuidade com o intestino delgado.

Exame físico

Os sinais físicos são relacionados à má absorção de fluidos, eletrólitos e nutrientes.

  • Perda de peso: devem-se medir o peso e a estatura do paciente para avaliar a perda de peso associada à SIC.

  • Depleção de volume: membranas mucosas ressecadas, baixo turgor cutâneo, taquicardia e hipotensão.

  • Edema periférico ou pré-sacral devido à depleção de proteína: a depleção de proteína é resultado de má absorção ou de diminuição na síntese da albumina devida à insuficiência hepática relacionada à nutrição parenteral (NP).

  • Sinais de disfunção neurológica relacionada à deficiência de vitamina E ou B12: podem incluir hipotensão ortostática, asterixis (flapping) (tremor nos punhos durante a dorsiflexão), reflexos alterados, deficits sensoriais e, com menos frequência, fraqueza motora ou alterações na marcha.

  • Sinais dermatológicos sugestivos de deficiência de vitaminas, zinco ou ácido graxo essencial: podem incluir inchaço e fissura labial (deficiência de vitamina B2); hematomas/equimoses em locais não-traumáticos (deficiência de vitamina C); sangramento espontâneo (deficiência de vitamina C ou K); erupção cutânea (deficiência de zinco); e 'ceratose pilar' na parte de trás dos braços (deficiência de ácido graxo essencial).

Além disso, se o paciente estiver recebendo NP em casa, é importante examinar os acessos venosos centrais para infecção do local de saída e do túnel subcutâneo. Sabe-se que a doença hepática é uma complicação da NP de longa duração, e é importante buscar quaisquer evidências de icterícia, asterixis (flapping), ascite, edema ou sangramento gastrointestinal, que são sinais de doença hepática de estágio terminal.

Investigações iniciais

Investigações laboratoriais

  • Hemograma completo: pode ocorrer anemia devida à deficiência de ferro, cobre (microcitose), folato ou vitamina B12 (macrocitose). A trombocitopenia pode sugerir hemólise devido à deficiência de vitamina E ou doença hepática associada à NP. O aumento dos valores de hemoglobina indica hemoconcentração e depleção de volume.

  • Os eletrólitos, ureia, creatinina e albumina séricos são indicados para avaliar anormalidades eletrolíticas, depleção de volume e hemoconcentração (proporções de ureia/creatinina e albumina elevadas, e alcalose de contração, concomitantemente com valores elevados de hemoglobina). A hipo e a hipernatremia refletem o estado da hidratação. A hipocalemia é muito comum na SIC e reflete deficiências nutricionais, bem como possível deficiência de magnésio. Pode haver deficiência de magnésio mesmo com uma concentração normal de magnésio sérico e, se clinicamente indicado, pode ser necessário fazer a medição de magnésio na urina de 24 horas para o diagnóstico. A concentração de bicarbonato sérico pode estar elevada em um paciente desidratado, ou pode estar baixa em um paciente com perdas significativas por uma fístula duodenal ou diarreia, ou que tenha desenvolvido acidose D-láctica como consequência da ingestão excessiva de carboidratos orais.

  • Também deve-se examinar o cálcio, zinco, selênio e folato séricos, e as vitaminas A, B1, B2, B6, B12, C, D e E. Pode-se usar ácido metilmalônico (AMM) para confirmar a deficiência de vitamina B12. Usa-se uma razão normalizada internacional (INR) para detectar deficiência de vitamina K. Deficiências das vitaminas lipossolúveis A e D são as observadas com frequência na SIC. Deve-se medir a concentração de vitamina E em relação à concentração total de lipídios séricos. A deficiência de vitamina K é rara em pacientes com o cólon intacto (no qual a vitamina K é sintetizada por bactérias) e que não tenham recebido antibióticos orais de amplo espectro. As deficiências de vitaminas hidrossolúveis são muito raras na SIC (exceto a B12) devido à eficiência da absorção proximal.

Investigações adicionais

Investigações laboratoriais

  • Aminotransferases hepáticas séricas, fosfatase alcalina e bilirrubina para monitorar a presença de doenças hepáticas relacionadas à insuficiência intestinal. O aumento da fosfatase alcalina em pacientes submetidos a nutrição parenteral (NP) pode ser um marcador inicial de danos hepáticos e colestase.

  • Urinálise para distinguir a má absorção de proteínas da perda excessiva de proteínas devida à síndrome nefrótica. Também indica-se realizar exames para hematúria em pacientes com suspeita de nefrolitíase.

  • D-lactato sérico para descartar acidose por D-lactato na presença de sinais neurológicos como confusão ou marcha alterada. Em pacientes com SIC, os carboidratos podem ser metabolizados em D-lactato por bactérias colônicas; dessa forma, a ingestão excessiva de carboidratos orais pode causar acidose por D-lactato. Isso pode ser um problema específico, já que os pacientes são incentivados a aumentar a ingestão oral a fim de superar a má absorção. Vale ressaltar que, como a medição do ácido láctico fornecida pela maioria dos laboratórios mede somente o L-lactato, o teste do D-lactato deve ser solicitado especificamente.

  • A quantificação de gordura fecal pode ser útil para confirmar/estimar a má absorção de gordura.

Radiologia

  • As investigações radiológicas não são necessárias para o diagnóstico, mas podem ser usadas como exame adicional a fim de definir o comprimento e a anatomia do intestino. Também é útil avaliar e monitorar as complicações.

  • Pode-se usar uma radiografia de contraste do trato gastrointestinal superior para estimar o comprimento e a anatomia do intestino se, após a história do paciente, estes aspectos não ficarem claros. Os resultados devem ser interpretados cuidadosamente no contexto dos achados clínicos, já que o comprimento radiológico nem sempre está correlacionado com a função.

  • A absorciometria por dupla emissão de raios X (DEXA) é utilizada uma vez por ano para monitorar a densidade óssea, já que os pacientes possuem alto risco de osteopenia e osteoporose devido às deficiências de vitamina D e cálcio. Os z-scores para a coluna lombar e colo do fêmur, em um estudo de pacientes que precisavam de NP, foram -3.35 ± 3.49 e -2.23 ± 2.11, respectivamente.[25] Em alguns pacientes com SIC, os corticosteroides para tratar doença de Crohn podem aumentar ainda mais o risco de osteoporose.

  • Deve-se realizar uma ultrassonografia abdominal em todos os pacientes com dor epigástrica pós-prandial ou dor abdominal no quadrante superior direito para excluir colecistite.

  • Deve-se fazer uma tomografia computadorizada (TC) do abdome ou ultrassonografia renal se o paciente apresentar disúria, hematúria ou cólica renal, já que esses pacientes têm alto risco de nefrolitíase de oxalato de cálcio.

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