Etiologia
A SIC ocorre devido à perda de superfície intestinal em funcionamento, o que causa diminuição da absorção de eletrólitos, nutrientes e água.[1] A gravidade e os efeitos dependem do local e da extensão da perda intestinal. Os casos mais leves resultam da ressecção limitada do intestino, sem envolvimento significativo do íleo terminal. Os casos mais graves sofreram uma colectomia total e ressecção extensa do intestino delgado, resultando em jejunostomia proximal.
Em adultos, um caso típico de SIC pode incluir um paciente com doença de Crohn com ressecção isolada ileal terminal ou um paciente com ressecção maciça do intestino delgado após isquemia ou lesão traumática. A lesão isquêmica pode ser causada por trombose arterial mesentérica ou embolia, trombose venosa mesentérica, volvo ou intussuscepção. A doença de Crohn está se tornando uma causa menos frequente de SIC devido a cirurgias mais restritivas e ao uso de plastia de estenose. No entanto, pacientes com lesão por radiação abdominal ou pélvica que se submeteram a ressecções no intestino grosso por estenoses e enterotomias são cada vez mais comuns.[4] Além disso, o volvo gástrico e intestinal como complicação da cirurgia bariátrica está se tornando um achado mais comum.
As crianças com atresia intestinal, volvo de intestino delgado, intussuscepção ou enterocolite necrosante são submetidas a ressecção do intestino para tratar sua doença, podendo desenvolver SIC como complicação da cirurgia.[14] Crianças com gastrosquise também podem desenvolver SIC como resultado da isquemia intestinal.
Fisiopatologia
O intestino delgado de um adulto mede aproximadamente 3 a 8 metros, com diferentes partes tendo diferentes funções.[15][16] A densidade e a profundidade das criptas intestinais e suas enzimas associadas mudam do intestino delgado proximal ao distal, criando um gradiente característico.
Intestino delgado proximal: a maior parte da absorção dos macronutrientes (inclusive de gordura), micronutrientes e medicamentos ocorre nos primeiros 100 a 150 cm do intestino delgado.[17] Ainda assim, se uma grande proporção ou todo o jejuno for removido, o íleo pode se adaptar para absorver a maior parte desses nutrientes. O ferro é absorvido no duodeno, por isso, é incomum haver deficiência. No entanto, a absorção de cálcio requer vitamina D; logo, pode-se observar deficiência mesmo com a absorção do cálcio no duodeno. A perda de hormônios entéricos (por exemplo, colecistoquinina) causa a diminuição da secreção biliar e pancreática, prejudicando a digestão. Ao mesmo tempo, o aumento na concentração de gastrina estimula a hipersecreção gástrica, que pode agredir a mucosa e criar condições desfavoráveis de pH para a digestão e a absorção. Os nutrientes não absorvidos aumentam a osmolaridade dos conteúdos intestinais, desencadeando diarreia quando eles são levados ao íleo e ao cólon. As perdas jejunais de fluidos e eletrólitos muitas vezes excedem a absorção; na verdade, os pacientes com jejunostomia proximal podem secretar mais fluido que o ingerido. A motilidade jejunal é estimulada pela ingestão oral e, para uma pessoa em uma dieta normal, é necessário pelo menos 100 cm de jejuno para manter o equilíbrio positivo de fluidos e eletrólitos.[18] Caso haja menos de 100 cm de jejuno residual, pode ocorrer o aumento de perdas de fluidos e de eletrólitos.
Intestino delgado distal: a ressecção ileal prejudica gravemente a reabsorção de água e de eletrólitos. O íleo terminal possui poucos papéis na absorção dos macronutrientes, mas possui funções específicas e insubstituíveis, como absorção dos sais biliares e da vitamina B12. A ressecção ileal terminal interrompe a circulação enteropática dos sais biliares, retardando, dessa forma, a absorção de gordura no jejuno. Células especializadas no íleo terminal também são essencialmente importantes na absorção da vitamina B12, que não pode ser absorvida no jejuno.[15][16] No entanto, é raro haver má absorção da vitamina B12 se menos de 60 cm do íleo terminal for removido. De qualquer forma, mesmo ressecções relativamente modestas podem resultar em má absorção dos sais biliares e extravasamento para o cólon. Isso aumenta a permeabilidade colônica que, por sua vez, aumenta a secreção do fluido colônico e a diarreia. Se mais de 100 cm de íleo terminal for removido, os pacientes podem ter suas reservas de sais biliares depletadas, resultando em má absorção da gordura e deficiência de vitaminas lipossolúveis.[19][20] O íleo, e possivelmente o lado direito do cólon, também são locais de secreção do peptídeo semelhantes ao glucagon 2 (GLP-2), que é importante no reparo da mucosa intestinal e, assim, na absorção.
Intestino grosso: o cólon desempenha um papel essencial para a absorção do sódio e da água, com um papel pequeno na absorção de aminoácidos e triglicerídeos de cadeia média. No entanto, em pacientes com ressecção substancial no intestino delgado, o cólon se torna um importante órgão para absorção de energia. Amidos não absorvidos, fibras solúveis e outros carboidratos complexos são fermentados pelas bactérias colônicas endógenas em ácidos graxos de cadeia curta (butirato, acetato e proprionato), que servem como importante fonte de energia para os colonócitos. Este processo é conhecido como recuperação de carboidratos. A vitamina K e a B9 (folato) também são sintetizadas pelas bactérias colônicas. Além disso, a válvula ileocecal oferece um meio crucial para desacelerar o trânsito intestinal e maximizar o tempo disponível para a reabsorção de fluidos, eletrólitos e nutrientes. A SIC em pacientes que foram submetidos a colectomia, ou cujo cólon residual não esteja em continuidade com o intestino delgado, tem um manejo mais desafiador, já que essas habilidades cruciais do cólon são perdidas.[19]
Em pacientes com ressecções intestinais mais extensas, a secreção dos fatores de regulação da motilidade GLP-1 e GLP-2 e dos peptídeos YY (PYY) é perdida, causando um rápido esvaziamento gástrico, o que pode contribuir para haver diarreia e má absorção.[21] O GLP-2 também é importante para o desenvolvimento de hipertrofia do intestino delgado durante o período adaptativo.
A diarreia é resultado do aumento da osmolaridade dos conteúdos intestinais (principalmente devido à má absorção de gordura), irritação do cólon induzida pelos sais biliares, diminuição de tempo do trânsito intestinal, aumento da produção de ácido gástrico e diminuição da superfície intestinal para reabsorção da água.
Classificação
Classificação funcional de insuficiência intestinal[1]
Tipo 1
Condição aguda, de curto prazo e geralmente autolimitada. Ocorre no período perioperatório após cirurgia abdominal ou em associação com uma doença crítica, como pancreatite aguda ou traumatismo cranioencefálico. A nutrição parenteral (NP), incluindo fluidos parenterais, é necessária para o suporte nutricional ou de fluidos em curto prazo.
Tipo 2
Condições agudas prolongadas, muitas vezes em pacientes metabolicamente instáveis, necessitando de cuidados multidisciplinares complexos e suplementação intravenosa por períodos de semanas ou meses. Geralmente, o resultado da ressecção intestinal extensa, devido a um evento agudo (por exemplo, isquemia mesentérica, volvo) ou devido a uma complicação de cirurgia abdominal (por exemplo, vazamento de anastomose). Associada a complicações sépticas, metabólicas e nutricionais complexas. O desmame da NP é possível, com o tempo, durante e após a adaptação intestinal.
Tipo 3
Condição crônica, em pacientes metabolicamente estáveis, necessitando de suplementação intravenosa ao longo de meses ou anos. Pode ser reversível ou irreversível. Pode ocorrer como uma evolução da insuficiência intestinal do tipo 2, como resultado de doenças progressivas que necessitam de ressecções múltiplas, como consequência de doença congênita (por exemplo, gastrosquise) ou no estágio terminal de câncer intra-abdominal ou pélvico. Pacientes com insuficiência intestinal do tipo 3 irreversível necessitam de NP de longa duração ou transplante de intestino para sobrevivência.
Classificação fisiopatológica da insuficiência intestinal[1]
A insuficiência intestinal pode ser classificada em cinco condições fisiopatológicas principais:
intestino curto
fístula intestinal
alteração da motilidade intestinal
obstrução mecânica
doença extensa da mucosa do intestino delgado.
Classificação clínica da insuficiência intestinal crônica[1]
A insuficiência intestinal crônica é categorizada em 16 subtipos (categorias A1-A4, B1-B4, C1-C4 e D1-D4) com base nas necessidades de energia e volume de suplementação intravenosa.
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