Abordagem

A neutropenia febril é a complicação com risco de vida mais comum da terapia contra o câncer.

Se não tratada nas primeiras 48 horas, a taxa de mortalidade se aproxima de 50%.[56] É, portanto, uma emergência oncológica. A administração imediata de antibióticos empíricos adequados está associada com a redução acentuada da mortalidade.[12] Protelar a administração de antibióticos empíricos pode causar desfechos mais desfavoráveis (por exemplo, complicação médica grave, aumento de internações na unidade de terapia intensiva, sepse).[57]

Embora um diagnóstico microbiológico não seja feito na maioria dos casos (aproximadamente dois terços) de febre neutropênica, é possível suspeitar dos prováveis organismos com base nos seguintes fatores:

  • Local da infecção

  • Neoplasia maligna subjacente e comprometimento imunológico associado

  • Tipo de quimioterapia

  • Gravidade e duração da neutropenia

  • Presença de mucosite

  • Patógenos predominantes na instalação de cuidados com a saúde onde o paciente faz tratamento.

É essencial que os pacientes sejam tratados de acordo com os algoritmos da instituição local de cuidados com a saúde e com as diretrizes desenvolvidas com base em conhecimentos dos padrões locais e regionais de suscetibilidade a antibióticos [antibiogramas]).

O tratamento específico para cada paciente deve basear-se em fatores individuais do paciente, inclusive história prévia de infecção resistente a antibióticos e história de alergia.

Manejo inicial

A maioria das autoridades e diretrizes recomenda a administração da primeira dose de antibiótico empírico até 60 minutos após a apresentação, e assim que possível para pacientes neutropênicos com febre, independente do estado de risco e do local pretendido de cuidados (paciente hospitalizado ou ambulatorial).[1][45][58] Isso permite que uma avaliação inicial (história, exame físico, investigações laboratoriais [incluindo coleta de hemocultura]) e uma avaliação de risco sejam realizadas, sem atraso indevido na terapia.

Avaliação de risco

Várias ferramentas de avaliação de risco validadas (por exemplo, sistema Talcott; escore da Multinational Association of Supportive Care in Cancer [MASCC]; e escore do Índice Clínico de Neutropenia Febril Estável [CISNE]) estão disponíveis para ajudar a estratificar o risco de pacientes que apresentam neutropenia febril. Consulte a seção Critérios. Embora essas ferramentas possam ajudar a informar decisões sobre o local ideal de atendimento para um paciente específico (ou seja, paciente hospitalizado ou ambulatorial), elas não substituem a tomada de decisões clínicas.

Normalmente, os pacientes são tratados com base em seu alto ou baixo risco de complicações ou morte.

Pacientes de alto risco incluem aqueles que apresentam qualquer um dos seguintes fatores:[59][60]

  • Grupos I a III do sistema de Talcott; escore de risco da MASCC <21; ou CISNE ≥3

  • Paciente hospitalizado no momento do início da febre

  • Comorbidades significativas ou clinicamente instável

  • Transplante alogênico de células hematopoéticas

  • Neutropenia grave prolongada prevista (contagem absoluta de neutrófilos [ANC] ≤100 células/microlitro e duração ≥7 dias)

  • Insuficiência hepática ou renal

  • Câncer não controlado ou progressivo

  • Pneumonia ou outra infecção complexa

  • Uso de certos tratamentos imunológicos e/ou direcionados (por exemplo, inibidores de fosfatidilinositol-3 quinase [PI3K])

  • Mucosite grave (grau 3 a 4).

Pacientes de baixo risco incluem aqueles sem fatores de alto risco e a maioria dos seguintes fatores:[59][60][61]

  • Grupo IV do sistema de Talcott; escore da MASCC ≥21; ou escore CISNE 0*

  • Paciente ambulatorial no momento do início da febre

  • Ausência de comorbidades

  • Boa capacidade funcional (capacidade funcional do Eastern Cooperative Oncology Group [ECOG PS] 0-1)

  • Duração curta prevista da neutropenia grave (ANC ≤100 células/microlitro por <7 dias)

  • Ausência de insuficiência hepática ou renal.

*As diretrizes da National Comprehensive Cancer Network consideram CISNE <3 como baixo risco na avaliação de risco inicial de pacientes com neutropenia febril.

Tratamento de paciente hospitalizado versus ambulatorial

Os pacientes com neutropenia febril avaliados como de alto risco devem ser internados e submetidos a tratamento com paciente hospitalizado.[59][60]

Os pacientes considerados de baixo risco podem ser submetidos a tratamento ambulatorial.[59][60] Os pacientes requerem uma avaliação detalhada e observação estrita por ≥4 horas antes de serem considerados para o tratamento ambulatorial, para garantir a estabilidade clínica.[59] Os pacientes com sinais vitais estáveis, resultados laboratoriais não críticos, cuidados sociais adequados e adaptações para terapia doméstica, além da capacidade de seguir e tolerar a antibioticoterapia oral, podem ser adequados para o tratamento ambulatorial.[59]

Várias metanálises descobriram que o tratamento ambulatorial é uma alternativa segura e eficaz ao tratamento de pacientes hospitalizados para pacientes de baixo risco, sem diferença no fracasso do tratamento ou na taxa de mortalidade.[62][63][64] No entanto, em uma metanálise, ANC <100 células/microlitro foi identificado como potencial preditor de fracasso do tratamento ambulatorial.[63]

Antibióticos empíricos para pacientes de alto risco

Os pacientes de alto risco devem ser tratados com antibióticos empíricos de amplo espectro e hospitalizados para tratamento adicional.[59][60]

A escolha do esquema de antibioticoterapia deve basear-se na cobertura dos patógenos mais prováveis e nos padrões locais de suscetibilidade (de acordo com os algoritmos da instituição de cuidados de saúde local e diretrizes), bem como fatores específicos para cada paciente (por exemplo, história prévia de infecção resistente a antibióticos e história de alergia).

Monoterapia antibiótica

A monoterapia com antibiótico empírico com um betalactâmico (por exemplo, cefepima, piperacilina/tazobactam, imipeném/cilastatina ou meropeném) normalmente é recomendada para pacientes hospitalizados com neutropenia febril.[58][59][60]​ Uma revisão Cochrane relatou um risco mais baixo de mortalidade, eventos adversos e superinfecções fúngicas nos pacientes com neutropenia febril tratados com monoterapia com betalactâmicos, em comparação com betalactâmicos associados a um aminoglicosídeo.[65]

A monoterapia com ceftazidima não é mais uma opção adequada para monoterapia empírica em muitas instituições, devido a sua atividade Gram-positiva limitada e a crescente taxa de resistência entre bactérias Gram-negativas.

Em situações em que há probabilidade de influência de bactérias anaeróbias, seria adequado o uso da monoterapia com piperacilina/tazobactam como opção de primeira linha, ou combinação de metronidazol com cefepima, ou o uso de um carbapeném (meropeném ou imipeném/cilastatina).[1]

A monoterapia com piperacilina/tazobactam é uma opção razoável em locais em que a resistência (por exemplo, organismos produtores de beta-lactamase de espectro estendido [BLEE]) não é prevalente, com base nas suscetibilidades bacterianas institucionais locais.[60] A piperacilina/tazobactam demonstrou não inferioridade à cefepima e à ceftazidima em ensaios clínicos randomizados.[66][67][68] Verificou-se que a infusão prolongada de piperacilina/tazobactam está associada a desfechos de tratamento superiores em comparação com a infusão em bolus em pacientes de alto risco.[69]

Antibioticoterapia combinada

Pode-se considerar a terapia combinada de um antibiótico betalactâmico com um aminoglicosídeo (por exemplo, tobramicina) se houver suspeita de resistência antibiótica, com descontinuação precoce do aminoglicosídeo se as culturas não revelarem evidências de organismo resistente.[59][60]

A combinação de um betalactâmico com um aminoglicosídeo (tobramicina ou amicacina, mas não gentamicina) pode ser preferível nos pacientes com sepse por Pseudomonas aeruginosa, enquanto se aguardam os dados de suscetibilidade, dada a natureza frequentemente multirresistente desse organismo.[58][70]

Em instituições com grande prevalência de bacilos Gram-negativos resistentes a múltiplos medicamentos, a combinação de piperacilina/tazobactam com tigeciclina pode ser uma opção. Um ensaio clínico randomizado constatou que essa combinação é segura, bem tolerada e mais eficaz (medida pela resolução da febre sem alterações nos antibióticos) que a monoterapia com piperacilina/tazobactam em pacientes neutropênicos febris com neoplasias hematológicas de alto risco.[68] A mortalidade foi similar para terapia combinada e monoterapia.[68]

Indicações para cobertura empírica Gram-positiva de espectro estendido

O uso de vancomicina empírica (ou outros agentes Gram-positivos estendidos, por exemplo, linezolida, tedizolida ou daptomicina) não costuma ser recomendado para os pacientes com neutropenia febril, mas pode ser considerado em situações específicas em que o risco de infecção Gram-positiva grave (por exemplo, MRSA) é alto, incluindo suspeita de infecção relacionada a cateter, infecção de pele ou de tecidos moles, pneumonia ou instabilidade hemodinâmica.[1][58][59][60][71]​ A presença de um cateter venoso central, somente, em um paciente com neutropenia febril não é uma indicação para vancomicina empírica. Além disso, a adição de vancomicina para os pacientes com febre persistente apesar da monoterapia empírica com um agente de primeira linha não é recomendável.[71][72]

O uso criterioso de vancomicina é justificado pela crescente prevalência de organismos Gram-positivos resistentes a antibióticos (por exemplo, enterococcus resistente à vancomicina) e pela potencial nefrotoxicidade associada com esse agente.[73][74]

A linezolida, a tedizolida ou a daptomicina podem ser usadas como alternativas nos pacientes intolerantes à vancomicina, e devem ser consideradas para pacientes com sepse e colonização ou infecção prévia conhecidas com Enterococcus resistente à vancomicina.[75] A daptomicina não deve ser utilizada em pacientes com pneumonia, uma vez que é inativada por surfactante pulmonar.

O uso de vancomicina empírica (ou outros antibióticos GRam-positivos) deve ser reavaliado após 2-3 dias de tratamento, e descontinuado se um patógeno Gram-positivo não for identificado na hemocultura.[60]

Antibióticos empíricos para pacientes de baixo risco

Pacientes de baixo risco elegíveis para o tratamento ambulatorial podem receber terapia oral com uma fluoroquinolona (por exemplo, ciprofloxacino, levofloxacino) associada a amoxicilina/ácido clavulânico (ou clindamicina se o paciente for alérgico à penicilina) se a profilaxia com fluoroquinolona não tiver sido usada antes do início da febre e desde que o paciente não tenha história de infecção ou colonização com organismo resistente à fluoroquinolona.[59][76]​ A monoterapia com uma fluoroquinolona também pode ser considerada nesses pacientes.[77][78]

Os antibióticos fluoroquinolonas sistêmicos podem causar eventos adversos graves, incapacitantes e potencialmente duradouros ou irreversíveis. Isso inclui, mas não está limitado a: tendinopatia/ruptura de tendão; neuropatia periférica; artropatia/artralgia; aneurisma e dissecção da aorta; regurgitação da valva cardíaca; disglicemia; e efeitos sobre o sistema nervoso central, incluindo convulsões, depressão, psicose e pensamentos e comportamento suicidas.[79]

  • Restrições de prescrição aplicam-se ao uso das fluoroquinolonas, e essas restrições podem variar entre os países. Em geral, o uso das fluoroquinolonas deve ser restrito apenas nas infecções bacterianas graves e com risco à vida. Algumas agências regulatórias também podem recomendar que eles sejam usados apenas em situações em que outros antibióticos comumente recomendados para a infecção sejam inadequados (por exemplo, resistência, contraindicações, falha do tratamento, indisponibilidade).

  • Consulte as diretrizes locais e o formulário de medicamentos para obter mais informações sobre adequação, contraindicações e precauções.

Alguns pacientes de baixo risco podem ser tratados com um esquema parenteral ambulatorial, embora não existam ensaios clínicos que respaldem seu uso.

A internação hospitalar e o tratamento com paciente hospitalizado devem ser considerados se a febre continuar após 2-3 dias ou se houver evidências de infecção progressiva.[59]

Duração do tratamento e redução

A antibioticoterapia empírica (exceto a cobertura Gram-positiva de espectro estendido [veja acima]) normalmente é mantida até a recuperação de neutrófilos (isto é, ANC ≥500 células/microlitro e acima).[1][60]

Após iniciar os antibióticos empíricos, o tempo mediano de resposta clínica é de 5-7 dias. Os antibióticos não devem ser alterados empiricamente diante de febre persistente nos primeiros 3-5 dias, desde que o paciente esteja clinicamente estável.[80]

Hemoculturas negativas e fonte de infecção não identificada

Para pacientes clinicamente estáveis com neutropenia persistente que apresentam defervescência (afebris por pelo menos 48 horas) tratados com antibióticos parenterais empíricos de amplo espectro, com hemocultura negativa e fonte de infecção não identificada, a redução (por exemplo, para profilaxia oral com fluoroquinolona) ou descontinuação do antibiótico pode ser considerada se o uso de profilaxia com antibiótico não for o protocolo padrão.[60]

As evidências que dão suporte à descontinuação precoce da antibioticoterapia em pacientes com neutropenia febril estão aumentando, inclusive em pacientes de alto risco.[81][82][83][84][85][86][87]

Pacientes com febre persistente, apesar da recuperação dos neutrófilos, podem continuar a terapia empírica e obter uma avaliação diagnóstica adicional.[58]

Infecção documentada microbiologicamente

Para pacientes com infecção documentada, a duração e a redução da antibioticoterapia dependem da recuperação de neutrófilos, da velocidade de defervescência, do patógeno específico, do local da infecção e da doença subjacente.[60] A duração do tratamento é normalmente de 5 a 14 dias para infecções bacterianas da pele/tecidos moles e pulmões, e de 7 a 14 dias para infecções bacterianas dos seios da face e a maioria das infecções bacterianas da corrente sanguínea.

A remoção do cateter é recomendada no contexto de infecção da corrente sanguínea por Staphylococcus aureus, Pseudomonas aeruginosa, Corynebacterium jeikeium, espécies de Candida, Acinetobacter, Stenotrophomonas maltophilia, organismos Bacillus, fungos, micobactérias não tuberculosas, Enterococcus resistente à vancomicina (ERV) ou outros organismos multirresistentes.[58][60]​​ 

Os cateteres também devem ser removidos em pacientes com sepse e suspeita de fonte no acesso; naqueles com bacteremia persistente apesar da antibioticoterapia eficaz; e naqueles com infecção no túnel ou via de acesso.[58][60]

Febre persistente

Pacientes com febre persistente além dos primeiros 3-5 dias de terapia empírica requerem avaliação adicional (por exemplo, exame de imagem e teste microbiológico) para uma possível infecção fúngica oculta, infecção bacteriana com foco obscuro ou organismos resistentes, ou uma infecção viral. Caso uma avaliação detalhada para infecção não revele nada diante de febre persistente apesar da terapia empírica adequada, deve-se considerar uma causa não infecciosa para a febre (por exemplo, febre medicamentosa, febre tumoral, tromboembolismo).

Pacientes e baixo risco com febre persistente apesar de 2-3 dias de antibioticoterapia empírica ambulatorial devem ser reavaliados, com forte consideração ao tratamento com paciente hospitalizado.[59]

A adição de terapia empírica antifúngica ativa contra bolor deve ser considerada para os pacientes de alto risco com febre persistente apesar de ≥4 dias de antibioticoterapia empírica.[60] A escolha do antifúngico costuma ser determinada pelas diretrizes institucionais locais, risco de infecção por bolor invasiva, gravidade da doença e risco específico de interação medicamentosa ou toxicidade em um paciente específico.

Fatores estimuladores de colônias (CSFs)

O uso de CSFs para tratar pacientes com neutropenia febril é controverso. Dados limitados sugerem um benefício em relação ao momento da recuperação de neutrófilos, duração da antibioticoterapia e tempo de hospitalização, mas nenhum benefício em relação à mortalidade geral.[37][88] Assim, geralmente, não se recomenda o uso do fator empírico estimulador de colônias de granulócitos (G-CSF) ou do fator estimulador de colônias de granulócitos e macrófagos (GM-CSF) para tratar pacientes com neutropenia febril.[38]

No entanto, pode-se considerar o G-CSF ou o GM-CSF nos pacientes de alto risco com pneumonia, hipotensão, disfunção de múltiplos órgãos (síndrome da sepse), infecção fúngica invasiva ou doença primária não controlada; ou nos pacientes com febre persistente (>10 dias), que apresentarem neutropenia profunda (ANC <100 células/microlitro), com idade >65 anos, que encontravam-se hospitalizados no momento do desenvolvimento da febre ou que tiverem tido um episódio de neutropenia febril prévio.[37][38]

Nos pacientes que tiverem recebido G-CSF profilático, as diretrizes da National Comprehensive Cancer Network recomendam a continuação do tratamento com G-CSF, a menos que um G-CSF de ação prolongada tenha sido usado na profilaxia.[37]

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