Abordagem

O tratamento varia de acordo com a causa e gravidade do distúrbio alimentar. A maioria dos distúrbios é multifatorial por natureza, e o manejo é mais bem abordado por uma equipe interdisciplinar, que pode incluir um pediatra para avaliação geral e do neurodesenvolvimento, um gastroenterologista pediátrico, um nutricionista, um psicólogo comportamental, um fonoaudiólogo e um terapeuta ocupacional.[2][8][63]

O manejo deve incluir o tratamento de doenças subjacentes e a correção de quaisquer problemas anatômicos, sempre que possível. O tratamento adicional é baseado no exame clínico e na avaliação interdisciplinar e pode incluir:[2]

  • Modificação comportamental

  • Fisioterapia e exercícios motores orais

  • Terapia ocupacional

  • Educação dos cuidadores

  • Modificações alimentares.

As modificações alimentares são individualizadas. As possíveis modificações incluem alteração nas posturas/posições para a alimentação; mudanças no sabor, temperatura ou textura do alimento ou líquido; e o estabelecimento de cronogramas e rotinas de refeições.[8]

A orientação geral inclui promover a amamentação quando possível pelos primeiros 6 meses de vida, controlar quando o alimento está disponível (qualidade dos nutrientes e tamanho da porção), introduzir alimentos saudáveis e perseverar quando eles forem recusados, responder a pistas indicativas de saciedade, evitar superalimentação e incentivar comportamento positivo durante a alimentação.[7][64] Os pais/cuidadores devem usar o reforço positivo quando o lactente aceitar o alimento, manter contato visual e elogiar. Eles devem evitar forçar o lactente a comer, persuadi-lo ou usar técnicas de distração.[6][48]

Anormalidades anatômicas

Os sintomas desses lactentes geralmente melhoram quando a anormalidade anatômica tiver sido corrigida, desde que eles tenham uma função neurológica normal. Esses pacientes podem precisar de suporte nutricional contínuo e monitoramento quanto a complicações pós-operatórias, incluindo novos distúrbios alimentares.

Fenda labial/fenda palatina

  • O reparo da fenda labial normalmente ocorre por volta dos 3 meses de idade, com o reparo da fenda palatina ocorrendo por volta dos 9 aos 12 meses de idade. Crianças que apresentam anormalidades na fenda labial/palatina são mais bem tratadas por equipe multidisciplinar que possa aconselhar sobre a melhor prática alimentar pré e pós-reparo.[51][65]

Anquiloglossia

  • Dificuldades na amamentação, como dor e retenção dos mamilos, estão associadas à presença de anquiloglossia.[28] O encaminhamento precoce a um serviço de apoio ao aleitamento materno é importante. Quando os sintomas são persistentes, o encaminhamento para avaliação para frenotomia é indicado. Quando o diagnóstico de anquiloglossia é confirmado por um profissional de saúde experiente, há evidência de que a frenotomia resulta em melhora nos sintomas, mas o efeito placebo é de difícil quantificação. As orientações sobre a frenotomia variam internacionalmente, havendo países que defendem seu uso e outros que a abandonaram ou não a recomendam.[28][66]

Síndrome do intestino curto

O manejo inicial é com o uso de nutrição parenteral total, seguida por alimentação enteral. Calorias suplementares podem ser necessárias para manter o crescimento, e alimentos hidrolisados ou elementares podem ser necessários devido à má absorção de nutrientes.[33]

Doença do refluxo gastroesofágico

Em lactentes com regurgitação leve a moderada e sem outros sintomas, o tratamento não é necessário, e os cuidadores podem ter a garantia de que os sintomas melhorarão com o tempo.[35][36] Os pais devem ser aconselhados a procurar atendimento médico se os vômitos tornarem-se em jato, tiverem coloração de bile ou forem sanguinolentos, se houver novas preocupações, como sofrimento ou baixo crescimento, ou se os vômitos persistirem após o primeiro ano de vida.

O manejo inicial da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) difere de acordo com o mecanismo de alimentação do lactente. Os lactentes com regurgitação frequente associada com sofrimento acentuado devem passar por uma avaliação do aleitamento materno. Se os sintomas persistirem apesar do suporte ao aleitamento materno, um ensaio de 1 a 2 semanas de terapia com alginatos pode ser considerado e continuado, se for bem-sucedido.[36] O tratamento deve ser pausado periodicamente para se avaliar se ainda é necessário.

Os lactentes alimentados com fórmula precisam de uma história alimentar detalhada. O volume alimentar deve ser reduzido se for excessivo para o peso do lactente. Um teste com refeições menores e mais frequentes deve ser considerada.[36] Caso isso não ajude, ou se a alimentação já estiver pequena e frequente, podem ser usadas fórmulas para espessamento da alimentação ou antirrefluxo.

Tanto os espessantes como as fórmulas antirregurgitantes reduzem a frequência e o volume dos vômitos.[67] Os alimentos espessados podem exigir o uso de um bico de mamadeira com furo grande e, quando usados em longo prazo, podem resultar em ganho excessivo de peso.[67][68] Nenhuma diferença significativa na eficácia foi encontrada entre tipos diferentes de espessante alimentar (goma de alfarroba, farinha de semente de alfarroba, carboximetilcelulose sódica).[68] As fórmulas antirregurgitantes têm o benefício de fornecer uma ingestão de energia mais adequada às necessidades de um lactente e exigem menos esforço de sucção e, desse modo, removem a necessidade de um bico de mamadeira com furo grande. Se os espessantes/fórmulas antirregurgitantes forem ineficazes, devem ser interrompidos. Um teste de 1 a 2 semanas de terapia com alginatos deve ser considerado, e continuado se for bem-sucedido.[36]

A alergia à proteína do leite de vaca pode ser clinicamente indistinguível da DRGE, de forma que uma dieta com exclusão temporária do leite de vaca pode ser considerada. Os lactentes alimentados com fórmula devem receber uma tentativa de fórmula de proteína extensivamente hidrolisada por 2 a 4 semanas. O leite de vaca é eliminado da dieta da mãe, caso o lactente esteja em aleitamento materno.

As posições pronada e lateral esquerda diminuem episódios de refluxo, mas devem ser limitadas aos momentos em que o lactente está acordado e monitorado de perto, para evitar o aumento do risco de síndrome da morte súbita infantil (SMSI), que está associada à posição pronada.[35][36][69] Manter uma posição mais ereta após a alimentação pode ser útil em alguns casos, mas não há uma base de evidência forte.

Se uma regurgitação evidente estiver associada a deficit de crescimento, sofrimento ou dificuldades alimentares, uma tentativa com inibidor da bomba de prótons (IBP) com duração de 2 a 4 semanas pode ser considerada para os lactentes em aleitamento materno e alimentados com fórmula. Esses medicamentos não devem ser usados para a regurgitação que ocorre como um sintoma isolado. A resposta deve ser avaliada e o encaminhamento a um especialista para endoscopia deve ser considerado se os sintomas não remitirem ou houver recorrência após a interrupção do tratamento. As evidências de eficácia desses medicamentos são limitadas, principalmente nos lactentes prematuros e nos lactentes com quadros neurológicos incapacitantes.[70] Nos lactentes com esofagite comprovada por endoscopia, um IBP pode ser útil.[35][36]

A alimentação por tubo enteral deve ser considerada para promoção de ganho de peso em lactentes com vômitos e deficit de crescimento quando outras causas tiverem sido excluídas e o tratamento clínico não for bem-sucedido. A alimentação jejunal pode ser usada naqueles com aspiração relacionada a refluxo.[36]

O manejo cirúrgico da DRGE raramente é necessário, mas pode ser considerado para as crianças cujos sintomas não tiverem apresentado resposta ao tratamento medicamentoso ideal e que apresentam sintomas não tratáveis, complicações da DRGE que causam risco de vida (por exemplo, aspiração) ou doenças crônicas que elevam o risco de complicações relacionadas à DRGE.[35][36] Os riscos e benefícios da cirurgia devem ser comparados aos da medicação crônica e/ou alimentação jejunal.[35] A fundoplicatura de Nissen laparoscópica é o procedimento de primeira escolha.[35][36][71]

Alergia à proteína do leite de vaca

Há sobreposição significativa dos sintomas de problemas fisiológicos como DRGE e de problemas imunológicos, como a alergia à proteína do leite de vaca (APLV). O diagnóstico de qualquer um deles, portanto, geralmente é baseado em uma abordagem pragmática do tratamento e da resposta. Se um lactente com DRGE não melhorar tomando medicamentos antirrefluxo e, principalmente, quando há história familiar de atopia ou APLV, uma tentativa de 2 a 4 semanas de modificação alimentar é necessária como teste diagnóstico para a APLV.[35][42] Os lactentes com APLV geralmente responderão a uma fórmula hipoalergênica dentro de 2 semanas.[35] Por outro lado, se houver suspeita de APLV mas os sintomas não melhorarem com a alimentação modificada, o tratamento para DRGE deve ser considerado. Mães lactantes devem excluir todon o leite e os laticínios de sua dieta. Geralmente, é necessário o suporte de um nutricionista para identificar as fontes ocultas de proteína do leite de vaca.[42]As fórmulas à base de proteína de soja não devem ser usadas quando houver suspeita de APLV, já que até 10% das crianças com APLV serão igualmente sensíveis à soja.[72]

Doença celíaca

Aconselha-se evitar o glúten (por exemplo, trigo, centeio, cevada) por toda a vida nas crianças com doença celíaca. Os pacientes devem ser advertidos de que alguns medicamentos podem conter glúten.

Intolerância à lactose

A intolerância à lactose pode ser primária, exigindo modificação alimentar por toda a vida, ou secundária. A intolerância à lactose secundária geralmente é transitória após uma infecção viral do trato gastrointestinal, e o uso em curto prazo de uma fórmula com pouca ou nenhuma lactose por 6-8 semanas pode ajudar a aliviar os sintomas. As fórmulas à base de soja não devem ser usadas nos bebês abaixo de 6 meses com intolerância à lactose secundária em razão do teor de fitoestrógenos. Contudo, elas podem ser usadas naqueles acima dos 6 meses que não toleram as fórmulas sem lactose.[73] Deve-se tentar retomar a alimentação normal depois que os sintomas remitirem completamente. Os pacientes devem ser advertidos de que alguns medicamentos podem conter lactose.

Esofagite eosinofílica

A esofagite eosinofílica é reconhecida em lactentes, embora seja incomum, com uma prevalência que aumenta com a idade. Os tratamentos incluem IBPs, corticosteroides tópicos (por exemplo, nebulizados) e dietas de eliminação de alimentos, que deve ser iniciada sob a supervisão de especialistas pediátricos.[60]

Distúrbios neuromusculares, neurológicos e do neurodesenvolvimento

Crianças gravemente incapacitadas apresentam maior risco de terem distúrbios alimentares e desnutrição.[74] O tratamento deve ser adequado para o nível de desenvolvimento funcional de um indivíduo, e não em função de sua idade cronológica.[8]

Crianças neurologicamente comprometidas podem necessitar de alimentação nasogástrica ou por gastrostomia se tiverem comprometimento da deglutição ou se precisarem de tempo muito prolongado para se alimentar.[63] Embora a alimentação por sonda possa aumentar o peso, o crescimento linear pode permanecer abaixo do ideal se a intervenção nutricional for protelada até a metade da infância.[75] Isso dá suporte à necessidade de reconhecimento e tratamento precoces desses problemas desde a primeira infância.

A DRGE é um problema comum entre crianças com transtornos do neurodesenvolvimento e deve ser tratada inicialmente com espessantes alimentares, fórmulas antirregurgitantes e alginatos compostos antes de se usarem IBPs. A fundoplicatura de Nissen pode ser considerado para as crianças cujos sintomas não tiverem apresentado resposta ao tratamento medicamentoso ideal e que apresentam sintomas não tratáveis, complicações da DRGE que causam risco de vida (por exemplo, aspiração) ou doenças crônicas que elevam o risco de complicações relacionadas à DRGE.[35][36]

Prematuridade

O neonato deve ser estabilizado e transferido para a unidade de terapia intensiva neonatal antes de se iniciar a alimentação. A prematuridade é o principal fator de risco para enterocolite necrosante; assim, a prática habitual é introduzir a alimentação enteral gradualmente. Uma metanálise não mostrou nenhuma diferença nos índices de enterocolite necrosante entre lactentes que receberam alimentação completa precoce e lactentes que receberam alimentação enteral mínima, embora a evidência seja de certeza muito baixa.[76] Geralmente, a alimentação ocorre por meio de uma sonda inicialmente, pois a coordenação entre sucção/deglutição/respiração do lactente é imatura. A dextrose intravenosa pode ser administrada para prevenir a hipoglicemia.

Consulte Cuidados com o neonato prematuro.

Crianças com doenças cardíacas ou respiratórias

Essas crianças precisam de uma abordagem individualizada. Os lactentes com displasia broncopulmonar podem se beneficiar de um suporte para a mandíbula e o queixo, alteração no bico da mamadeira para uma alimentação com fluxo mais lento, aumento da concentração de oxigênio suplementar durante a alimentação e intervalos frequentes e períodos de descanso durante a alimentação.[24] Os lactentes com cardiopatia congênita podem precisar de alimentação por sonda após a alta hospitalar, e de enriquecimento do leite materno e da fórmula.[77][78]

Problemas comportamentais

Tranquilização, orientação e treinamento parental formam um papel vital no manejo. No entanto, os profissionais de saúde devem estar cientes do possível efeito prejudicial que um diagnóstico de problemas comportamentais pode ter na interação lactente-cuidador.[3]

Os cuidadores devem ser orientados sobre como responder às pistas de alimentação de um lactente, minimizar estímulos por distração durante as refeições e desenvolver rotinas estruturadas para a alimentação.[40] O tratamento de aversões alimentares concentra-se em reforçar o comportamento desejado oferecendo feedback positivo e minimizando comportamentos aversivos, ignorando-os.[40] A internação para observar interações lactente-cuidador quando se otimiza um tratamento clínico pode ser necessária em casos graves.

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