Abordagem

A maioria dos distúrbios é multifatorial por natureza, e a avaliação é mais bem abordada por uma equipe interdisciplinar, a qual pode incluir um pediatra para avaliação geral e do neurodesenvolvimento, um gastroenterologista pediátrico, um nutricionista, um psicólogo comportamental, um fonoaudiólogo e um terapeuta ocupacional.[2]

O diagnóstico geralmente é realizado clinicamente. Na presença de um exame clínico normal, com avaliação de neurodesenvolvimento normal e medições antropométricas normais, exames diagnósticos raramente são necessários.

História geral

A história pré-natal deve ser analisada, verificando-se os resultados da ultrassonografia pré-natal e sinais de possíveis problemas neuromusculares (por exemplo, polidrâmnio, movimentação fetal reduzida). A prematuridade e a restrição do crescimento intrauterino aumentam o risco de distúrbios alimentares subsequentes, e a idade gestacional, o peso ao nascer, o ganho de peso subsequente e medições do crescimento linear (comprimento e perímetro cefálico) devem ser analisados de maneira cuidadosa. Eventos perinatais como o tempo gasto para eliminação do mecônio e o esquema de alimentação inicial (tipo de leite, duração da alimentação, intervalo da alimentação) devem ser esclarecidos.

É importante analisar o crescimento desde o nascimento e relacioná-lo a quaisquer alterações na alimentação. Por exemplo, os lactentes com doença celíaca podem não ganhar peso após o desmame.

Evidências de doenças e internações prévias devem ser investigadas. Doenças concomitantes podem afetar a capacidade do lactente de se alimentar (por exemplo, reserva respiratória insuficiente nos pacientes com cardiopatia congênita ou doença pulmonar crônica). Acredita-se que as intervenções clínicas, como intubação traqueal ou alimentação nasogástrica, aumentam a aversão sensorial à alimentação.[3] Problemas com a alimentação também podem ser a queixa de apresentação de afecções mais complexas, como paralisia cerebral, que se tornam aparentes somente à medida que o lactente se desenvolve. Idas regulares ao hospital também podem demonstrar estresse na família, o que pode causar ou resultar de dificuldades na alimentação.

Considere a história cirúrgica do lactente, para incluir correção das anormalidades nos tratos orofaríngeo e gastrointestinal, ressecção do trato gastrointestinal, formação de estoma e cirurgia cardíaca neonatal.

Obtenha informações sobre sintomas de:

  • Vômitos

  • Dor abdominal, distensão ou cólica

  • Constipação ou diarreia

  • Alterações posturais durante a alimentação

  • Problemas respiratórios

  • Atopia.

Vômitos recorrentes com exame físico normal e crescimento normal são comuns na DRGE não complicada.[35] Vômitos associados a dor abdominal, cólica e constipação podem ser observados na DRGE e na alergia à proteína do leite de vaca (APLV). O início súbito de vômitos em uma criança previamente saudável pode ser um sintoma de outras doenças, principalmente infecções como meningite e infecção do trato urinário, que devem ser consideradas e excluídas primeiro. Vômitos biliosos em um lactente nascido a termo indicam uma obstrução do trato gastrointestinal superior que geralmente requer intervenção cirúrgica. No entanto, este é um achado comum durante o estabelecimento da alimentação enteral em neonatos prematuros, e geralmente é tratado clinicamente nesta população. A regurgitação simples sem outros sintomas é fisiológica e não requer investigação ou tratamento.[36][37]

A cólica é definida como paroxismos de irritabilidade ou choro durando >3 horas por dia e ocorrendo >3 dias por semana.[38] A cólica pode ocorrer isoladamente ou de maneira concomitante com a DRGE ou a alergia à proteína do leite de vaca.[39] Os lactentes com relatos de sintomas de cólica têm comportamentos alimentares mais desorganizados, sucção menos rítmica e menor responsividade durante a alimentação.[39]

Tosse ou esforço para vomitar durante as refeições pode indicar dificuldades na deglutição e possível aspiração.[8] A aspiração crônica pode causar pneumonia recorrente, mesmo na ausência desses sintomas. Isso acontece, particularmente, se o lactente for neurologicamente comprometido.[8][35][40][41] Tosse recorrente, sibilo, estridor ou rouquidão do choro podem estar associados à DRGE.[35] Apneia e bradicardia ao se alimentar podem refletir um problema central relacionado à coordenação entre respiração-sucção-deglutição, ou podem refletir DRGE.[8] Frequência respiratória elevada e maior trabalho de respiração em repouso prejudicarão a capacidade de alimentação.[8] Má coordenação, sucção fraca e sucção curta são descritas nos lactentes com displasia broncopulmonar grave.[24]

Alterações posturais durante a alimentação podem indicar desconforto.[2] O arqueamento do pescoço e o ato de virar a cabeça para um lado podem ser observados na síndrome de Sandifer, uma manifestação incomum da DRGE grave.

Erupção cutânea (especialmente eczema), rinite, diarreia e constipação podem ser sintomas de alergia à proteína do leite de vaca (APLV).[42] Diarreia aquosa, distensão abdominal e flatulência sugerem intolerância à lactose.

Uma história familiar de atopia ou de problemas alimentares deve ser investigada. Famílias atópicas, principalmente aquelas com alergia à proteína do leite de vaca (APLV), têm maior probabilidade de terem filhos afetados com condições como APLV e esofagite eosinofílica.[43] Um padrão familiar é observado na estenose pilórica e na doença celíaca.[44][45] O risco de distúrbios alimentares é maior se os pais do lactente tiverem tido problemas alimentares na própria primeira infância.[46]

História alimentar e observação da alimentação

Uma história alimentar detalhada deve ser pesquisada, idealmente com a ajuda de um nutricionista pediátrico. A anamnese alimentar deve incluir:[8]

  • Dieta desde o nascimento

  • Quantidade de alimentos (observando ingestão excessiva ou inadequada, erros na preparação da alimentação artificial)

  • Tipos de alimentos (incluindo alterações na alimentação artificial e introdução de alimentos sólidos)

  • Intervalos de alimentação

  • Duração da alimentação. A alimentação eficiente geralmente dura <30 minutos por alimentação.

Quando a amamentação é o modo exclusivo de alimentação, detalhes sobre agarrar o peito, conscientização da produção de leite, tempo gasto na alimentação e dor no mamilo devem ser explicitados. As amamentações normalmente duram de 15 a 20 minutos, embora possam variar de 10 a 45 minutos em algumas ocasiões.

A idade ao desmame e a quantidade de sólidos ingeridos durante o dia devem ser averiguados nos lactentes mais velhos, pois uma menor ingestão de sólidos foi associada a deficit de crescimento neste grupo.[47]

A alimentação deve ser observada por 20 minutos para que se possa obter uma impressão precisa do padrão alimentar do lactente.[8] O lactente deve ser observado para se avaliar a resposta a estímulos, o nível de alerta do lactente, a coordenação entre respiração-sucção-deglutição e a qualidade da alimentação (duração, quantidade, sintomas associados). As interações entre o cuidador e o lactente devem ser observadas, verificando-se as interações positivas (manter contato visual, fazer elogios por bons comportamentos, vocalização recíproca, responder a pistas indicativas de saciedade) e as interações negativas (forçar a alimentação, subornos, distrações).[40]

Problemas comportamentais e sociais

Um componente comportamental é encontrado em 80% dos distúrbios alimentares e é a causa primária do distúrbio alimentar em 10% dos casos.[3][4]

O diagnóstico é obtido principalmente com base na história (aversão alimentar, recusa alimentar, refeições estressantes). Um diário da alimentação documentando esses sintomas pode ser extremamente útil na avaliação inicial de um lactente com um distúrbio alimentar.

Observar a alimentação por 20 minutos para avaliar as interações entre cuidador e lactente dá suporte ao diagnóstico. As interações positivas incluem reforço positivo para aceitação do alimento, bom contato visual e elogio. As interações negativas incluem tentativa de forçar o lactente a se alimentar, persuadir o lactente ou usar técnicas de distração durante a alimentação.[6][48] A responsividade global e o temperamento do lactente também devem ser avaliados.[8] Lactentes normais podem chorar uma média de 2 horas por dia, e o diário de alimentação pode ser útil para determinar a duração da irritabilidade e qualquer associação temporal com a alimentação.

A compreensão de qualquer estresse ou transtorno mental na família ajudará a fazer o diagnóstico inicial e a otimizar o tratamento. Distúrbios alimentares em lactentes foram associados a depressão em cuidadores adultos.[49] Os cuidadores podem relatar que o momento da alimentação é estressante em virtude do tempo gasto na alimentação, do comportamento da criança durante a alimentação ou da dificuldade de dar a quantidade ou a variedade adequadas de alimentos.[7][8][41] Um distúrbio alimentar inicial pode ser agravado por respostas comportamentais adquiridas anormais a esses estressores.[7]

Exame físico clínico

Medições cuidadosas de peso, comprimento e perímetro cefálico devem ser representadas em gráficos adequados e comparadas ao crescimento desde o nascimento.

A simetria da face e da mandíbula do lactente, os lábios e o palato, bem como o ritmo e a força da sucção não nutritiva e da sucção alimentar devem ser avaliados para descartar anormalidades craniofaciais como a sequência de Pierre Robin.[8] Uma postura com boca aberta pode refletir obstrução nasal ou faríngea.[8] Hipertrofia tonsilar deve ser considerada se a respiração bucal ou respiração estertorosa (ronco) pode ser ouvida.[8] A anquiloglossia foi associada a dificuldade de sucção em lactentes.[28]

[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Criança com anquiloglossiaShutterstock [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@49e18a91[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Criança com sequência de Pierre RobinReproduzido de https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/22300418/ sob licença CC BY 2.0; não foram feitas alterações na imagem [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3deb6588

Uma erupção cutânea (especialmente eczema) pode ser um sinal de alergia à proteína do leite de vaca (APLV).[42]

A avaliação do neurodesenvolvimento é de especial importância. Distúrbios alimentares são observados em até 80% das crianças com atraso no neurodesenvolvimento.[3] A falha em atingir marcos do desenvolvimento do processo de alimentação pode ser o sinal manifesto de atraso de desenvolvimento mais global. Deve-se prestar atenção à postura do lactente, à posição durante a alimentação, ao tônus troncular e ao movimento. Sialorreia pode ser um sinal de dificuldade na deglutição. A resposta do lactente a estímulos sensoriais também pode dar mais indícios sobre questões de desenvolvimento.[8]

Exames diagnósticos

Muitas vezes, os problemas alimentares podem ser diagnosticados com anamnese, avaliação alimentar e exame físico, sem necessidade de se realizarem testes. As condições que podem ser diagnosticadas clinicamente incluem simples superalimentação, prematuridade, DRGE, questões comportamentais e algumas condições craniofaciais, neurológicas e genéticas. Investigações podem ser necessárias para avaliar as complicações e orientar o tratamento.

Tentativa de mudanças alimentares

O diagnóstico de APLV é confirmado pela exclusão do leite de vaca da dieta por 2 a 4 semanas, seguida pela reintrodução da proteína do leite de vaca após a resolução dos sintomas. A recorrência de sintomas após a reintrodução do leite de vaca confirma o diagnóstico. Se os sintomas não melhorarem com a modificação da alimentação, o diagnóstico original deve ser reconsiderado.[42]

A intolerância à lactose é diagnosticada com a realização de uma tentativa terapêutica de alimentação sem lactose. Preparações com fórmula hipoalergênica estão disponíveis e são adequadas para uso nos lactentes com intolerância à lactose ou ao leite de vaca, que são úteis dada a sobreposição dos sintomas nesses distúrbios.

Exames laboratoriais

Os lactentes sintomáticos com suspeita de doença celíaca devem ser examinados medindo-se os anticorpos de imunoglobulina A (IgA) contra a transglutaminase tecidual e a imunoglobulina A (IgA) sérica total.[50]

O exame radioalergoadsorvente para proteína do leite de vaca ou o teste alérgico cutâneo por puntura podem apoiar o diagnóstico de APLV, mas devem ser interpretados no contexto da história do paciente e da resposta à reintrodução do leite de vaca. Resultados negativos dos testes não descartam a APLV.[42]

Uma amostra fecal recente pode ser testada para substâncias redutoras nas fezes em caso de suspeita de intolerância à lactose. Um resultado positivo confirma o diagnóstico.

Radiografia torácica

Realizada quando houver suspeita de aspiração. A aspiração crônica pode causar pneumonia recorrente, mesmo na ausência de alguns sintomas de regurgitação ou tosse; isso acontece, particularmente, se o lactente for neurologicamente comprometido.[8][35][40]

Estudo de contraste do trato gastrointestinal superior

Usado para confirmar ou descartar anormalidades anatômicas.[35]

Avaliação videofluoroscópica da deglutição

Este exame fornece imagens dinâmicas das fases oral, faríngea e esofágica superior da deglutição.[8] Pode fornecer informações sobre a resistência e a coordenação dos músculos na orofaringe, bem como a presença e o momento da aspiração. Essa informação é útil para determinar a posição ideal de alimentação, a taxa de alimentação e a textura do alimento.

Avaliação da deglutição por endoscopia de fibra óptica com testagem sensorial (FESST)

A FESST pode ser útil para determinar a função de deglutição faríngea. Ela não fornece visualização da fase oral da deglutição porque o acesso do endoscópio é por via transnasal.[8][25] A FESST é sem radiação e geralmente é bem tolerada, podendo ser repetida se necessário. Ela é um exame altamente especializado, em geral disponível somente em centros terciários.

Endoscopia digestiva alta

O encaminhamento para endoscopia digestiva alta e biópsia deve ser considerado para as crianças com DRGE se houver aversão à alimentação e história de regurgitação.[36] Este exame pode distinguir entre a DRGE e a esofagite eosinofílica. A biópsia duodenal pode confirmar um diagnóstico de doença celíaca.

Estudo do pH esofágico de 24 horas/monitoramento combinado do pH e da impedância esofágicos

O estudo do pH esofágico ou o monitoramento combinado do pH e da impedância esofágicos podem ser úteis para correlacionar os sintomas com episódios de refluxo gastroesofágico.[35] O relato preciso dos sintomas pelos pais é crucial.[35] Os estudos do pH esofágico não conseguem detectar episódios de refluxo com pH >4.[35]

O monitoramento da impedância detecta episódios de refluxo líquido ou gasoso monitorando a dilatação do esôfago distal. Este exame deve ser considerado nos pacientes com problemas neurológicos ou neuromusculares associados, com suspeita de pneumonia por aspiração recorrente ou com apneias inexplicáveis.[36] O monitoramento da impedância pode detectar um refluxo não ácido (pH ≥4).[35] Ele pode ser particularmente útil na detecção de refluxo nos lactentes prematuros e muito pequenos cuja alimentação é frequente e o refluxo não ácido é mais comum.[15]

Outras investigações especializadas

Outros exames, como avaliação genética ou ecocardiografia, serão determinados pela síndrome clínica suspeitada. Muitos pacientes com necessidades complexas, como lactentes com fenda labial e fenda palatina terão ficado sob a análise de equipes multidisciplinares desde o nascimento.[51]

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