Etiologia

A etiologia do transtorno de deficit da atenção com hiperatividade (TDAH) é provavelmente multifatorial e composta por fatores genéticos e ambientais.

Predisposição genética:

  • Estudos com gêmeos na infância relatam que o transtorno de deficit da atenção com hiperatividade (TDAH) é aproximadamente 70% a 80% hereditário.[27] Estudos com gêmeos adultos, no entanto, relatam índices de herdabilidade muito menores, variando de 0.29 a 0.37. Presume-se que este seja um erro experimental relacionado a uma autoavaliação inadequada e à mudança dos sintomas da infância para a maturidade.[28][29][30]​ Estudos que combinam dados entre informantes e aqueles que usam dados de diagnóstico clínico sugerem estimativas de hereditariedade para adultos na mesma faixa (70% a 80%) que para crianças.[31]

  • Estudos genéticos estão examinando a diferença entre os casos de TDAH que persistem da infância até a maturidade e os que não persistem. Sugere-se que a persistência é relacionada a uma disfunção subcortical prolongada, enquanto a remissão é dependente de mudanças maturacionais no controle executivo.[32]

  • O gene receptor da dopamina D2, o gene da dopamina beta-hidroxilase, o gene receptor da dopamina D5, o gene receptor da dopamina D4, o gene transportador de dopamina (DAT1), o gene SNAP-25 (proteína associada ao sinaptossoma), o gene ANK1 (que contém a repetição da anquirina e o domínio da quinase), os genes da proteína relacionada ao receptor da lipoproteína de baixa densidade LRP5 e LRP6, o gene ADGRL3 (receptor acoplado à proteína G de adesão), o gene BAIAP2 (domínio BAR/IMD que contém a proteína adaptadora), o gene transportador de serotonina (5-HTT) e o gene da dopamina beta-hidroxilase (DBH) foram todos implicados na etiologia do TDAH.[33]

  • A pesquisa sobre as variantes no número de cópias (VNCs) identificou um número elevado de VNCs grandes em crianças com TDAH, junto com outros transtornos neurodesenvolvimentais e da saúde mental, sugerindo uma possível sobreposição a outros transtornos e uma forte ligação genética.[34]

  • Um estudo genômico amplo, realizado nos Estados Unidos, Europa, Escandinávia, China e Austrália confirmou uma causa poligênica para a maioria dos casos de TDAH, com muitas variantes de risco genético, cada qual com um efeito baixo, que se combinam para aumentar o risco do transtorno.[35]

  • Existem evidências de que uma proporção dos genes não afeta os sintomas de TDAH até mais tarde na vida, enquanto outras têm um efeito no TDAH por toda a vida.

  • Foram sugeridas interações entre genes e ambiente; a interação entre os genes e o ambiente no desenvolvimento do TDAH, bem como os fatores epigenéticos, estão sujeitos a pesquisas contínuas.[36][37]

Fatores ambientais:

  • Vários fatores ambientais estão associados ao TDAH, embora devido à complexidade da provável interação entre fatores genéticos e ambientais, seja difícil estabelecer causalidade.

  • ​O baixo peso ao nascer tem a evidência mais forte de associação com o TDAH, com estudos familiares sugerindo um papel causal, ou seja, essa associação não é simplesmente o resultado de confusão genética.[38][39]

  • A adversidade na infância está fortemente associada aos sintomas de TDAH, assim como fatores ambientais não compartilhados, principalmente a interação entre irmãos, tratamento dos pais e características do grupo de amigos.[40]

  • Estudos Ingleses-Romenos sobre adoção mostraram que, para os órfãos romenos institucionalizados por mais de 6 meses, o índice de TDAH é duas vezes maior que na população geral.[41]​ Essa associação é dose-dependente, e acredita-se que seja causal, embora o efeito de níveis menores (e mais comuns) de privação seja menos claro.[42]

  • Outras complicações na gestação e no parto foram associadas ao desenvolvimento de TDAH.

  • Embora o tabagismo materno tenha sido associado ao início de TDAH, agora se acredita que ele reflita defeitos genéticos, e não os efeitos tóxicos diretos da nicotina.[43][44]

  • ​Foi sugerida a associação entre o uso de bebidas alcoólicas e de medicamentos prescritos e de venda livre pela mãe, embora as evidências em geral sejam inconclusivas.[45]​​

  • O uso de antidepressivos pré-natal em mães está associado a um aumento do risco de TDAH nos descendentes, mas o risco também parece ser maior em crianças cujas mães usaram antidepressivos antes da concepção e naquelas com doença psiquiátrica que não usam antidepressivos, sugerindo que a associação pode ser explicada, pelo menos em parte, pela condição psiquiátrica preexistente da mãe.[46][47]

  • Em um grande estudo dinamarquês, o uso pré-natal do anticonvulsivante valproato foi associado a um aumento de 50% do risco de TDAH, sem ligação com outros medicamentos anticonvulsivantes.[48]

Fisiopatologia

A compreensão da fisiopatologia do TDAH vem evoluindo rapidamente e, atualmente, não há nenhuma teoria unificada para explicá-lo.

Neuropsicologia:

O TDAH causa dificuldades em vários domínios cognitivos, inclusive deficits globais e mais específicos. Alguns comprometimentos nas funções executivas podem ocorrer em adultos com TDAH, semelhantes aos achados nas crianças com o transtorno. Elas incluem diferenças na vigilância, inibição motora, organização, solução de problemas, aprendizagem verbal, memória não verbal e motivação. É importante observar que padrões específicos de disfunção cognitiva variam consideravelmente entre indivíduos, enfatizando a natureza complexa e heterogênea do TDAH.[49] Uma nova área de interesse é o fato de que as dificuldades cognitivas no TDAH podem ser de natureza dinâmica, variando entre os ambientes e dependendo da natureza da tarefa envolvida.[50] Por exemplo, os indivíduos podem cometer mais erros durante tarefas de ritmo mais lento ou mais rápido, mas não aquelas de ritmo intermediário.[51] Na vida diária, os sintomas de TDAH podem ser mais graves durante tarefas longas, que são sentidas como menos interessantes.[52] Há evidências de que algumas pessoas com TDAH apresentam respostas diferentes aos controles de reforço positivo e negativo.[53] De acordo com o modelo de atraso maturacional, crianças com TDAH apresentam perfis de neurodesenvolvimento representativos de crianças com desenvolvimento típico em idade mais precoce, possivelmente como resultado de um atraso no desenvolvimento cortical (de até 2-3 anos), dependendo da região cortical específica.[54][55][56]

Neuroquímica cerebral:

O mecanismo de ação do metilfenidato e da anfetamina fornece uma pista importante, tendo em vista o fato de que até 85% dos pacientes com TDAH respondem a estimulantes. Os estimulantes aumentam os níveis cerebrais livres de noradrenalina e dopamina, bloqueando a recaptação neuronal pré-sináptica e provocando a liberação desses neurotransmissores, o que sugere que o TDAH pode resultar de uma disfunção (down-regulation) da noradrenalina e da dopamina.[57]

A resposta imediata dos indivíduos com TDAH aos estimulantes parece derivar da ativação das vias dopaminérgicas dentro do corpo estriado e da ativação da catecolamina/dopamina dentro dos lobos frontais. A química cerebral do TDAH também foi relacionada com disfunções no sistema serotonérgico.[58]

Estrutura do cérebro:

São observadas diferenças estruturais em adultos e crianças com TDAH, em comparação com os controles com desenvolvimento típico:

  • Redução do volume em áreas específicas, por exemplo, nas estruturas frontais corticais (principalmente à direita), subcorticais, caudais, de corpo caloso, cerebelares, e corpo estriado (incluindo núcleo accumbens).[27][59]

  • Essas diferenças estruturais são sutis e se mostram significativas apenas ao comparar grupos de pacientes com TDAH com controles não afetados, não sendo, portanto, possível usar estudos de neuroimagem no diagnóstico do TDAH em pacientes individuais.

  • Alterações cerebrais subcorticais em crianças com TDAH podem desaparecer à medida que chegam à vida adulta.[59]

  • Há algumas evidências de normalização das anormalidades estruturais no TDAH, em resposta à terapia estimulante.[60]

  • Foram identificadas diferenças em várias grandes redes neurais, inclusive na rede de modo padrão (RMP), redes de atenção dorsal e ventral, redes de saliência e circuitos frontoestriatal e mesocorticolímbico, sugerindo que as diferenças estruturais no TDAH não estão apenas localizadas em regiões cerebrais específicas, mas envolvem interconexões em grande escala entre as redes cerebrais.[61][62]

Exames funcionais por imagem:

Exames funcionais por imagem, que incluem tomografia computadorizada (TC) por emissão de fóton único (SPECT), ressonância magnética funcional (RMf), tomografia por emissão de pósitrons (PET) e espectroscopia de prótons por ressonância magnética (PMRS) identificaram diferenças em adultos e crianças com TDAH:

  • Metabolismo reduzido da glicose no córtex pré-motor e pré-frontal e no córtex pré-frontal superior, e a ativação inibida do cingulado anterior em adultos com TDAH.[27][63]

  • Hipoperfusão e hipofunção nas regiões pré-frontal e estriatal de crianças e adultos com TDAH.[64][65]

  • O corpo estriado é fisiologicamente responsável pela moderação do movimento, bem como pela filtragem de estímulos percebidos e sua vinculação com uma resposta dos lobos frontais, através da via frontoestriatal. Ele também parece ter um efeito na disposição de trabalhar a fim de ganhar uma recompensa. Ele é o principal centro de atividade da dopamina no cérebro. É provável que a redução em sua função, associada aos achados de volume reduzido, seja relacionada a uma resposta atípica aos estímulos, que resulta em distração, resposta emocional aos estímulos e motivação.

  • Outras regiões do cérebro, como o córtex parietal, lobo parietal inferior, sulco temporal superior e sistema de ativação reticular, foram implicadas na função executiva e nos deficits de atenção característicos do TDAH.[27]

  • Os tratos frontoestriatal e frontocortical podem permanecer anormais em pessoas com TDAH por toda a vida, apesar do tratamento.

  • É importante observar que determinadas alterações cerebrais funcionais demonstraram diferir entre crianças com TDAH persistente e aquelas que apresentaram remissão dos sintomas, o que indica um vínculo causal entre alterações cerebrais funcionais e TDAH.[66]

No entanto, uma limitação importante da literatura atual sobre neuroimagem em geral é que ainda não foi possível distinguir potenciais causas neurológicas subjacentes do TDAH de potenciais adaptações neurológicas ao TDAH; portanto, são necessários dados longitudinais adicionais.[45]

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