Abordagem

O fígado gorduroso associado a disfunção metabólica (FGDM) apresenta uma evolução benigna e não necessita de tratamento além de modificações no estilo de vida. Como a esteatose hepática associada a disfunção metabólica (EHDM) tem potencial para evoluir para cirrose em um número significativo de pacientes, o tratamento farmacológico pode ser considerado naqueles com doença mais avançada à biópsia. Vários tratamentos melhoram as anormalidades das enzimas hepáticas, os achados radiológicos e a evolução histológica da doença. No entanto, não há dados que demonstrem a melhora na morbidade ou na mortalidade. Opções de tratamento efetivas são necessárias para evitar morbidade e mortalidade futuras relacionadas à doença.

O manejo da esteatose deve ser individualizado e direcionado aos fatores de risco relevantes e modificáveis.

Perda de peso através da modificação do estilo de vida

Modificações alimentares, atividade física e perda de peso são a terapia de primeira linha para os pacientes com doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica (DHGDM).[3]

Recomenda-se uma dieta rica em frutas e vegetais frescos, fibras e ácidos graxos poli-insaturados ômega-3. Uma dieta com deficit calórico é recomendada para os pacientes com DHGDM com sobrepeso ou obesidade.[3]​ Os pacientes devem reduzir a ingestão de bebidas açucaradas e de alimentos altamente processados.[69]

A perda de peso causa uma perda de tecido adiposo que leva à redução da resistência à insulina e melhora da sensibilidade muscular à insulina. Os estudos mostraram melhora variável nas enzimas hepáticas com a perda de peso, com alguns mostrando também uma melhora na histologia.[70][71][72]

A perda de peso deve ser gradual, cerca de 0.5 a 1.0 kg por semana através de alterações alimentares (restrição de carboidratos e gorduras saturadas com um deficit de 500 a 1000 kcal/dia) e exercícios aeróbicos regulares (30 minutos 3-5 vezes por semana).[73] Os pacientes devem ser alertados para não perderem muito peso rapidamente, pois o desenvolvimento de inflamação portal e a fibrose podem ocorrer em pacientes que perdem >1.5 kg por semana.[74]

Uma melhora na doença hepática gordurosa (DHG) foi demonstrada em pacientes capazes de perder 3% a 5% do peso corporal total.​[3]​​ Além disso, uma perda de peso ≥10% foi associada a melhoras em todas as características histológicas da EHDM, incluindo inflamação portal e fibrose.[3][21][75]​ A perda de peso também está associada a uma melhora no metabolismo da glicose e no perfil lipídico plasmático nos pacientes com DHGDM.[76]

As recomendações de atividade física devem ser individualizadas para o paciente.[41] Tanto a atividade aeróbica quanto o treinamento de resistência progressiva estão associados à redução da gordura hepática, mesmo sem perda de peso.[71][77] Aumentar a atividade física para ≥150 minutos por semana está associado a maiores melhoras nas enzimas hepáticas.[78]

Uma metanálise examinou ensaios clínicos randomizados e controlados (ECRCs) de intervenções no estilo de vida, em comparação com a assistência habitual, para pacientes com DHGDM. A maioria dos ECRCs identificados apresentou alto risco de viés. Os períodos de acompanhamento variaram de 2 a 24 meses, de modo que os dados sobre eventos clínicos relacionados à DHGDM foram escassos e houve incerteza significativa sobre os efeitos da intervenção. ECRCs de alta qualidade com acompanhamento adequado (pelo menos 8 anos) são recomendados.[79]

Qualquer nível de uso de álcool pode ser prejudicial à saúde do fígado em pacientes com DHGDM.[80] Os pacientes devem ser aconselhados a abster-se ou manter a ingestão de álcool abaixo do limite de risco.[3][41][80]

Perda de peso através de agentes farmacológicos ou cirurgia

O orlistate é um inibidor da lipase entérica que evita a absorção de gorduras a partir do trato gastrointestinal. Revisões sistemáticas sugerem que o orlistate pode melhorar os indicadores bioquímicos de dano hepático, mas seu efeito na histologia hepática continua obscuro.[72][81]

Os pacientes com IMC >40 kg/m² ou com um IMC >35 kg/m² e pelo menos uma ou mais comorbidade relacionada à obesidade, devem ser considerados para cirurgia bariátrica, o que facilita a manutenção da perda de peso. Uma maioria esmagadora dos pacientes que se submetem a uma cirurgia bariátrica terá DHGDM.[82] A American Association for the Study of Liver Diseases (AASLD) recomenda a cirurgia bariátrica nos pacientes que atendam aos critérios para cirurgia metabólica para perda de peso.[3]​ Nos pacientes com DHGDM, o bypass gástrico em Y de Roux demonstrou uma melhora significativa tanto na esteatose quanto na fibrose.[83] Uma revisão sistemática relatou a resolução da esteatose confirmada por biópsia em 66% dos pacientes com DHGDM após cirurgia bariátrica.[84] Os ensaios clínicos randomizados e controlados (ECRCs) comparando a cirurgia bariátrica com qualquer intervenção em pacientes com DHGDM são raros; a maior parte dos dados deriva de estudos observacionais.[83][84][85]

Os pacientes precisam ser selecionados com cautela e avaliados cuidadosamente quanto a comorbidades relacionadas à obesidade e cirrose. Pacientes com cirrose devem passar pela estratificação de risco por um hepatologista antes da cirurgia. Os pacientes também devem ser acompanhados cuidadosamente após a cirurgia, pois uma minoria pode desenvolver agravamento da esteato-hepatite ou fibrose leve.

Tiazolidinedionas

Metanálises revelaram que a pioglitazona melhora os escores histológicos do fígado em pacientes com DHGDM.[86][87][88][89][90]  Também é provável que seja necessário tratamento de longa duração, pois os efeitos benéficos parecem ser revertidos após a interrupção.[91]

A pioglitazona geralmente é bem tolerada, mas os efeitos adversos típicos das tiazolidinedionas (ganho de peso universal [2-5 kg], osteoporose nas mulheres menopausadas na terapia de longo prazo e edema dos membros inferiores) podem limitar o seu uso.[92][93] A insuficiência cardíaca congestiva tem sido raramente relatada com as tiazolidinedionas.[94]

Diretrizes dos EUA e da Europa recomendam que o tratamento com pioglitazona pode ser considerado para os pacientes com EHDM comprovada por biópsia com e sem diabetes mellitus do tipo 2. Os riscos e benefícios devem ser discutidos com cada paciente antes de se iniciar a terapia.[3]​​[41] O uso de pioglitazona para esta indicação é off-label. Faltam dados sobre o uso de pioglitazona em pacientes asiáticos. As diretrizes da Ásia-Pacífico aconselham que pode ser usada em curto prazo em pacientes com pré-diabetes ou diabetes do tipo 2, após uma avaliação cuidadosa das comorbidades que podem influenciar sua adequação ao paciente.[69]

A rosiglitazona diminui a esteatose e os níveis de aminotransferase nos pacientes com EHDM. Ela foi associada a melhora nas características histológicas da EHDM em alguns estudos; no entanto, os resultados são conflitantes.[95][96] A rosiglitazona tem sido associada a eventos adversos cardiovasculares graves em pacientes com diabetes do tipo 2.[97] Por esta razão, a rosiglitazona foi retirada do mercado na Europa. Embora ainda esteja disponível em alguns outros locais, incluindo os EUA, geralmente não é recomendada na prática.

Vitamina E

Metanálises indicam que a vitamina E melhora significativamente a função hepática e as alterações histológicas em pacientes com DHGDM/EHDM.[87][98][99] Um estudo subsequente de 263 pacientes com EHDM comprovada por biópsia e pontes fibróticas demonstrou que a vitamina E esteve associada a melhores desfechos clínicos.[100]

Metanálises sugeriram que a suplementação com vitamina E pode aumentar o risco de mortalidade e AVC hemorrágico.[101][102] Um ECRC relatou um aumento do risco de câncer de próstata em homens saudáveis que tomaram vitamina E, em comparação com placebo (razão de riscos de 1.17, aumento de risco absoluto de 1.6 por 1000 pessoas-ano).[103]

O tratamento com vitamina E pode ser considerado para os adultos com EHDM comprovada por biópsia que não têm diabetes ou cirrose.[3]​​[41] Os riscos e benefícios devem ser discutidos com cada paciente antes de iniciar a terapia.

Vitamina E e pioglitazona podem ser administradas em combinação.[41]

Manejo de comorbidades

Os pacientes com DHGDM têm um maior risco de eventos cardiovasculares fatais e não fatais, principalmente se tiverem fibrose avançada, independentemente dos outros fatores de risco cardiovascular.[104] Nos pacientes com DHGDM sem fibrose avançada, a doença cardiovascular e as neoplasias malignas não hepáticas são as causas mais comuns de morte, enquanto nos pacientes com DHGDM com fibrose avançada, a doença hepática é a causa mais comum de morte.[3]​ Os fatores de risco para doença cardiovascular devem ser procurados e tratados.[3][41][51]

A análise post-hoc de um estudo randomizado de pacientes com doença coronariana sugere que o tratamento com estatinas é seguro e efetivo para a prevenção primária da doença cardiovascular em um grupo de pacientes com DHGDM e com testes da função hepática leves a moderadamente elevados.[105] Uma metanálise mostrou que a terapia com estatinas é segura em pacientes com DHGDM e elevações leves nas enzimas hepáticas.[106] A AASLD recomenda estatinas para reduzir o risco de eventos cardiovasculares nos pacientes com DHGDM.[3]​ A terapia hipolipemiante deve ser oferecida aos pacientes com DHGDM que atenderem aos critérios atuais.[3]​ As estatinas devem ser usadas com cautela nos pacientes com insuficiência hepática aguda ou cirrose descompensada devido ao risco teórico de rabdomiólise.[107]

As estatinas foram investigadas como um tratamento para a DHGDM e a EHDM. Os resultados dos estudos são inconsistentes, e o uso de estatinas apenas para tratar a DHGDM ou EHDM não é recomendado.[3][108][109]

As diretrizes europeias exigem o rastreamento de todos os pacientes diagnosticados com DHGDM para diabetes mellitus do tipo 2. Os pacientes diagnosticados com diabetes devem ser encaminhados a uma clínica de diabetes para otimizar o manejo.[41]

A metformina pode ser usada como medicamento antidiabético de primeira linha nos pacientes com DHGDM e diabetes do tipo 2. Ela leva à redução do peso e uma hemoglobina glicosilada e glicose plasmática em jejum reduzidas nos pacientes com DHGDM.[110] A metformina não é recomendada para o tratamento da EHDM na ausência de diabetes porque não melhora os escores histológicos ou a fibrose.[87][111]

Ácido ursodesoxicólico

O ácido ursodesoxicólico é um dos ácidos biliares secundários, que são bioprodutos metabólicos das bactérias intestinais. O entusiasmo pelo seu potencial uso em pacientes com EHDM foi contido por um grande estudo multicêntrico em que os pacientes com EHDM foram tratados com o medicamento por 2 anos. Embora seguro e bem tolerado, verificou-se que ele não é melhor do que o placebo no que diz respeito a alterações na esteatose, necro-inflamação ou fibrose, e não é recomendado para o tratamento da DHGDM ou EHDM.[3][112][113]

Presença de insuficiência hepática em estágio terminal

Anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular (TIPS)

TIPS é um meio efetivo de tratamento de complicações específicas de doença hepática em estágio terminal e tem sido bem estudada em pacientes com ascite refratária e hemorragia por varizes esofágicas não passíveis de tratamento endoscópico; também é comumente usada para tratar hidrotórax hepático e hemorragia por varizes gástricas.[114]

Transplante de fígado

Projeta-se que a doença hepática em estágio terminal secundária à EHDM se tornará a indicação primária para o transplante de fígado. Um estudo recente de um único centro mostrou que os desfechos em 5 anos foram similares quando comparados com controles pareados por idade, sexo e escore no modelo para doença hepática terminal (Model End-Stage Liver Disease, MELD).[115]​​ [ Escore MELDNa (para fins de listagem de transplantes de fígado, não é adequado para pacientes com menos de 12 anos de idade ) (unidades SI) Opens in new window ] ​​​ Esse estudo foi confirmado por uma análise maior do banco de dados do Scientific Registry of Transplant Recipients (SRTR).[116] Um subgrupo de pacientes com EHDM (com idade >60 anos, IMC >30 kg/m², além de hipertensão e diabetes pré-transplante de fígado) foi considerado de alto risco e teve uma mortalidade de 50% em 1 ano.[115][117]

Os pacientes transplantados por EHDM podem apresentar um risco aumentado de eventos cardiovasculares no pós-operatório.[118] Tipicamente, os candidatos a transplante com EHDM têm obesidade, riscos metabólicos e cardiovasculares concomitante, os quais afetam diretamente a avaliação e a seleção, a morbidade e a mortalidade na lista de espera e, eventualmente, os desfechos pós-transplante.[119]

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