Etiologia

As mutações genéticas causam anormalidades proteicas específicas, resultando em graus variados de fragilidade mecânica e formação de vesículas, que são as características marcantes da epidermólise bolhosa (EB). Até o momento foram descritas mutações em 16 genes associados a mais de 30 subtipos clínicos de EB.[8] Isso ocorre porque a adesão dermo-epidérmica requer a presença de quantidades normais e de distribuição ultraestrutural adequada de muitas proteínas e proteoglicanos epidérmicos, dérmicos e da membrana basal.

A EB hereditária pode ser transmitida de forma autossômica dominante ou autossômica recessiva.[1][9]​ Todos os subtipos de EB hereditária são causados por mutações que ocorrem nos genes que codificam ou influenciam proteínas estruturais específicas na epiderme ou na zona da membrana basal da pele.[1][9]​​​

A EB simples (EBS) é caracterizada por formação de bolhas no plano do ceratinócito basal. A maioria dos casos se deve a mutações dominantes negativas, e 75% dos casos são mutações nos genes da ceratina (K5 e K14).[1][9][10]​​ Casos raros mostraram ser causados por mutações nos genes que codificam a exofilina-5 (Slac2-b) e o antígeno-1 do penfigoide bolhoso (BP230; BPAG-1).[11]​ Em 2016, mutações no gene KLHL24 foram identificadas em um subgrupo de pessoas com EBS que apresentavam características clínicas particulares.[12][13]

A EBS com pigmentação mosqueada (EBS-PM) é causada por mutações de K5, enquanto mutações no gene da plectina, um componente do hemidesmossomo, causam EBS tipo com distrofia muscular (EBS-DM) e, raramente, EBS com atresia pilórica (EBS-AP).[14][15][16][17]

Enquanto a EBS com atresia pilórica resulta principalmente de mutações nos genes que codificam as duas cadeias alfa-6-beta-4 das integrinas, as mutações da plectina também podem resultar no mesmo fenótipo.[18][19][20]

Mutações em qualquer um dos genes que codificam as 3 cadeias de laminina-332 são a causa de EB juncional (EBJ) grave e da maioria dos casos de EB juncional intermediária. Essas mutações afetam a integridade estrutural da lâmina lúcida e, presumivelmente, o filamento de ancoragem.[21]

As mutações do gene do colágeno tipo XVII (antígeno-2 do penfigoide bolhoso; BP180) são a etiologia de alguns casos de EBJ intermediária, principalmente o subtipo de EBJ anteriormente conhecido como EB atrófica generalizada benigna (EBBAG).[21]

Mutações no gene da subunidade alfa-3 das integrinas foram observadas em pacientes com EBJ com doença pulmonar intersticial e síndrome nefrótica, enquanto o truncamento da subunidade alfa-3A da laminina-332 dá origem à síndrome laringo-onico-cutânea (LOC).

Todas as formas de EB distrófica dominante (EBDD) e EB distrófica recessiva (EBDR) são causadas por mutações do gene do colágeno tipo VII.[22] Componente importante da fibrila de ancoragem, esta proteína ajuda a fixar a lâmina densa à derme superior. A EB de Kindler é causada por mutações do gene da quindlina-1 (homólogo da família da fermitina 1).[23]

Fisiopatologia

A correlação genótipo-fenótipo entre os subtipos da EB ainda precisa ser definitivamente determinada. No entanto, em termos gerais, as mutações genéticas que codificam regiões estruturalmente críticas de proteínas e proteoglicanos epidérmicos, dérmicos e da membrana basal estão associadas a atividade grave da doença.

As mesmas mutações que causam vesículas cutâneas também causam muitas das complicações extracutâneas da EB, inclusive complicações nos olhos, nos tratos gastrointestinal e geniturinário e no trato respiratório superior.[24][25]​​ Anormalidades secundárias, inclusive aumento da expressão da colagenase tecidual, sem dúvida contribuem para a cicatrização anormal de feridas.[26] A anemia e o retardo do crescimento resultam, pelo menos parcialmente, da perda crônica de sangue, proteínas e nutrientes pela pele e pelo trato intestinal, bem como da presença de inflamação sistêmica crônica. A fisiopatologia exata da carcinogênese altamente agressiva no contexto dos subtipos graves da EB, particularmente a EBDR grave, ainda precisa ser totalmente elucidada. No contexto da EB distrófica (EBD), o local da mutação no gene do colágeno tipo VII pode desempenhar um papel importante.[27][28]​​ A inflamação crônica é bem reconhecida como sendo pró-tumorígena e, além disso, a fibrose persistente e a cicatrização em um microambiente tumoral desregulado têm sido associadas a atividade elevada de TGF-beta na deficiência de colágeno VII.[29][30][31][32]​​​​​​ No entanto, está claro que o papilomavírus humano não contribui para o aparecimento de carcinomas de células escamosas na EB em pacientes com EBDR.[33]

Classificação

Quinto consenso internacional sobre diagnóstico e subclassificação da epidermólise bolhosa (EB)[2]​​

Desde 1989, cinco reuniões de consenso internacional sucessivas foram realizadas para atualizar a classificação dos pacientes com EB, com base nos seguintes aspectos: onde, em termos ultraestruturais, as vesículas surgem na pele; fenótipo clínico (cutâneo e extracutâneo); padrão genético de herança; e características genotípicas.

Desde o terceiro relatório, diversas novas variantes da EB foram descritas, bem como novos genes causadores, sendo que o quarto sistema de classificação engloba achados moleculares.[3]​ O quarto sistema de classificação se baseia em modificações dos três relatórios publicados anteriormente sobre diagnóstico e classificação da EB.[3]​ Ele emprega uma nova técnica em "casca de cebola" pela qual os pacientes são caracterizados de forma sequencial, quando os dados permitem, por nível ultraestrutural de clivagem da pele presente, modo de herança, achados clínicos, características de imuno-histoquímica e/ou microscopia eletrônica, proteínas envolvidas e, finalmente, pelas mutações detectadas.

O quinto relatório reclassificou uma série de entidades como síndromes genéticas associadas à fragilidade da pele como achados menores ou clinicamente superficiais, em oposição à característica definidora primária que as consideraria uma forma clássica da EB.[2] Isso inclui distúrbios de descamação da pele, como síndrome de descamação da pele acral (associada a fragilidade suprabasal devida a anormalidades da transglutaminase 5 [TGM5]) ou distúrbios erosivos da pele devidos a anormalidades hereditárias nas proteínas desmossômicas.

1. EB simples (EBS). Por definição, todos os indivíduos com EBS têm vesículas na epiderme.

Subtipos da EBS

Autossômica dominante:

  • EBS localizada (EBS-loc; anteriormente denominada Weber-Cockayne)

  • EBS, grave (EBS-sev; anteriormente EBS-gen sev ou EBS de Dowling-Meara)

  • EBS, intermediária (EBS int; anteriormente, EBS-gen int e EBS de Koebner)

  • EBS intermediária com cardiomiopatia

  • EBS com pigmentação mosqueada (EBS-PM)

  • EBS com eritema migratório circinado (EBS-migr)

Autossômica recessiva:

  • EBS, grave

  • EBS, grave com atresia pilórica (EBS-AP)

  • EBS, intermediária

  • EBS, intermediária com distrofia muscular (EBS-DM)

  • EBS, intermediária com cardiomiopatia

  • EBS, localizada ou intermediária com deficiência de BP230 (EBS-AR BP230)

  • EBS, localizada ou intermediária com deficiência de exofilina-5 (EBS-AR exofilina 5)

  • EBS, localizada com nefropatia

2. EB juncional (EBJ). Todos os pacientes têm vesículas na lâmina lúcida da junção dermoepidérmica (JDE); a EBJ é hereditária com um padrão recessivo autossômico.

  • EBJ, grave (EBJ-sev; anteriormente, EBJ-gen sev ou EBJ de Herlitz)

  • EBJ, intermediária (EBJ-intermed; anteriormente, EBJ-gen intermed, não-Herlitz, EBJ generalizada ou EB atrófica generalizada benigna, [EBBAG])

  • EBJ localizada (EBJ-loc)

  • EBJ inversa (EBJ-inv ou EBJ-I)

  • EBJ com atresia pilórica (EBJ-AP)

  • EBJ de início tardio (EBJ-It)

  • EBJ, com doença pulmonar intersticial e síndrome nefrótica

  • Síndrome LOC: JEB, síndrome laringo-onico-cutânea (EBJ-LOC; anteriormente, síndrome de Shabbir).

3. EB distrófica (EBD). Todos os pacientes com EBD têm vesículas abaixo da lâmina densa da JDE.

EB distrófica dominante (EBDD)

Autossômica dominante:

  • EBDD, intermediária (anteriormente, subtipos Cockayne-Touraine e Pasini)

  • EBDD, localizada

  • EBDD, pruriginosa

  • EBDD, autorrecuperável

Autossômica recessiva:

  • EBDR, grave (anteriormente, EBDR-gen sev ou EBDR de Hallopeau-Siemens)

  • EBDR, intermediária

  • EBDR inversa (EBDR-inv)

  • EBDR, localizada

  • EBDR pruriginosa (EBDR-pr)

  • EBDR, autorrecuperável

Dominante e recessiva (heterozigosidade composta):

  • EBDD, grave

4. EB de Kindler (doença mecanobolhosa hereditária com fotossensibilidade e poiquilodermia associadas, com vários níveis de clivagem abaixo, acima e/ou na JDE; anteriormente, síndrome de Kindler).

Tipo indeterminado

Em neonatos e alguns lactentes, a insuficiência de achados clínicos impede a determinação exata dos subtipos específicos da EB (por exemplo, um neonato com EB juncional [EBJ] confirmada). Os lactentes são temporariamente classificados como tendo formas indeterminadas da EB (por exemplo, EB juncional indeterminada) e, só posteriormente, são reclassificados, quando a extensão do envolvimento cutâneo e extracutâneo pode ser mais bem avaliada. Essa abordagem conservadora é importante principalmente durante o período neonatal, quando, na ausência de outros membros da família afetados com um fenótipo clínico mais característico, qualquer tentativa de subclassificação excessivamente rigorosa pode resultar em fornecimento de informações prognósticas incorretas para os pais da criança.

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