Etiologia
No mundo inteiro, as principais causas de pancreatite crônica são as bebidas alcoólicas (70% a 80%), seguidas pela pancreatite crônica idiopática, muitas das quais têm uma predisposição genética.[22][23] Estudos monocêntricos e multicêntricos realizados nos EUA relatam que a frequência da pancreatite crônica associada a bebidas alcoólicas é de 51% ou menos.[16][24][25]
Estudos de autópsias mostram que a pancreatite crônica é 45-50 vezes mais comum em pessoas com transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas.[26] Não está claro se há um espectro contínuo de limites individuais para a toxicidade alcoólica ou um limite absoluto, pois os dados disponíveis são conflitantes.[27] Observações de uma metanálise corroboram uma relação linear entre a dose de álcool e o risco de pancreatite em homens, mas uma relação não linear (em J) nas mulheres, com esta última possivelmente decorrente da inclusão de ex-bebedoras no grupo-controle.[28] Um estudo constatou que o logaritmo de consumo mediano diário de bebidas alcoólicas está linearmente correlacionado ao risco de desenvolvimento de pancreatite crônica.[29] A maioria dos pacientes relata um consumo de bebidas alcoólicas acima de 150 g por dia durante anos, mas o risco de pancreatite crônica aumenta com o consumo de apenas 25 g por dia ou mais (cerca de 2 drinques).[29][30] Em contraste, um grande estudo multicêntrico relata que apenas o consumo pesado de bebidas alcoólicas (5 ou mais drinques por dia) aumenta o risco de pancreatite crônica de maneira significativa.[25] No entanto, poucos pacientes com dependência alcoólica crônica desenvolvem pancreatite crônica (no máximo, 10%, mas, provavelmente, <3%), e o consumo total de bebidas alcoólicas por consumidores intensos não é maior entre aqueles que desenvolvem pancreatite crônica do que naqueles que não a desenvolvem.[29][31][32][33][34][35][36] Isso sugere que são necessários fatores associados para reduzir de forma suficiente o limiar de álcool para induzir uma pancreatite crônica.[27][37] Entre esses fatores estão o tabagismo, dietas ricas em gorduras/proteínas, predisposição genética (por exemplo, polimorfismos do gene da uridina 5'-difosfo-glucuronosiltransferase) e, possivelmente, infecções por vírus Coxsackie.[29][38][39][40][41] Independente do fator causador, os pacientes com pancreatite crônica têm predisposição a câncer de pâncreas.[23]
Fisiopatologia
Os fatores desencadeantes, limiares, respostas imunológicas e mecanismos celulares da pancreatite crônica não são claros. Teorias que explicam a patogênese da pancreatite crônica incluem: estresse oxidativo, fatores tóxico-metabólicos, obstrução ductal e necrose-fibrose.[42]
A hipótese da obstrução ductal primária sugere que a primeira agressão ocorre nos ductos pancreáticos como uma reação primária autoimune ou inflamatória, enquanto que a hipótese do evento de pancreatite aguda sentinela sugere que a primeira agressão ocorre em células acinares, desencadeando o sequestro das células inflamatórias e a secreção de citocinas.[3]
A remoção dos fatores agressores resulta na cura, mas, com secreção persistente de citocinas, há secreção de colágeno pelas células estreladas fibrogênicas do pâncreas, criando condições para a fibrose e a pancreatite crônica. A janela de oportunidade para influenciar a história natural da pancreatite crônica não é clara, pois a remoção dos principais fatores de risco, como as bebidas alcoólicas, não resulta em reversão.[43][44][45][46]
Os mecanismos de dor na pancreatite crônica não são claros, mas provavelmente são multifatoriais, incluindo inflamação pancreática, aumentos na pressão intrapancreática e isquemia relacionados à fibrose, fontes neurais de dor (inflamação na bainha do nervo, encarceramento fibrótico de nervos sensoriais e neuropatia) e causas extrapancreáticas (por exemplo, estenose do ducto colédoco, estenose duodenal e pseudocistos pancreáticos).[47]
Classificação
Classificação de Sarles[2]
Sarles classificou a pancreatite crônica em três grupos principais:
Pancreatite obstrutiva
Pancreatite inflamatória
Pancreatite crônica litogênica ou calcificante.
TIGAR-O[3][4]
A classificação etiológica de pancreatite crônica TIGAR-O incorpora uma abordagem mais pormenorizada em fatores de risco genéticos, ambientais, imunológicos e patobiológicos associados à pancreatite crônica. A classificação etiológica TIGAR-O consiste em seis grupos:
1. Tóxico-metabólico
Alcoólico
Tabagismo
Hipercalcemia
Hiperlipidemia
Doença renal crônica
Medicamentos: abuso de fenacetina (associação fraca)
Toxinas: compostos organoestânicos, por exemplo, dicloreto de dibutilestanho (DBTC)
2. Idiopática
Início precoce
Início tardio
Tropical
3. Genética
Pancreatite hereditária: mutações do tripsinogênio catiônico
Mutações do regulador da condutância transmembrana da fibrose cística (CFTR)
Mutações do inibidor de serina protease, Kazal tipo 1 (SPINK1)
Mutações do quimiotripsinogênio C (CTRC)
Mutações no receptor sensor de cálcio (CASR, CASR)
Mutações na claudina-2 (CLDN2)
Carboxipeptidase A1 (CPA1)
Status não secretor da fucosiltransferase 2 (FUT2)
Grupo sanguíneo ABO tipo B
4. Autoimune
Pancreatite autoimune do tipo 1 (associada a outras doenças relacionadas à IgG4)
Pancreatite autoimune do tipo 2 (pode estar associada a doença inflamatória intestinal)
5. Pancreatite aguda recorrente e grave
Pós-necrótica (pancreatite aguda grave)
Pancreatite aguda recorrente
Doenças vasculares/isquemia
Pós-irradiação
6. Obstrutiva
Pâncreas divisum (controverso)
Disfunções no esfíncter de Oddi (controverso)
Obstrução ductal (por exemplo, tumor sólido, neoplasia mucinosa papilar intraductal)
Cistos duodenais periampulares
Cicatrizes pós-traumáticas no ducto pancreático.
Classificação de Cambridge para a pancreatite crônica[5]
A classificação de Cambridge de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) (bem como de imagens de ultrassonografia [US] ou tomografia computadorizada [TC]), determina a intensidade das alterações pancreáticas estruturais com base em anormalidades do duto principal e dos ramos laterais.
Escore 1 (Cambridge, classe 0)
Gravidade: normal
CPRE/US ou TC de boa qualidade visualizando toda a glândula sem sinais anormais.
Escore 2 (Cambridge, classe 0)
Gravidade: equívoca
CPRE: <3 ramos anormais
US/TC: sinal anormal: ducto pancreático principal de 2-4 mm de diâmetro, glândula 1 a 2 vezes o tamanho normal.
Escore 3 (Cambridge, classe I)
Severidade: leve
CPRE: 3 ou mais ramos anormais
US/TC: 2+ sinais anormais: cavidades <10 mm, irregularidade do ducto, necrose aguda focal, heterogeneidade parenquimatosa, ecogenicidade aumentada da parede ductal, irregularidade do contorno da cabeça/corpo.
Escore 4 (Cambridge, classe II)
Gravidade: moderada
CPRE: >3 ramos laterais e ducto principal anormal
US/TC: como escore 3.
Escore 5 (Cambridge, classe III)
Gravidade: grave
CPRE: todas as condições citadas acima e uma ou mais das seguintes: cavidade extensa >10 mm, falhas de enchimento intraductal, obstrução ductal (estenose), dilatação ou irregularidade do ducto
US/TC: todas as condições citadas acima e uma ou mais das seguintes: cavidade extensa >10 mm, falhas de enchimento intraductal, obstrução ductal (estenose), dilatação ou irregularidade do ducto, cálculos/calcificação pancreática, invasão de órgão contíguo.
Classificação de M-ANNHEIM[6]
O diagnóstico geralmente requer uma história típica de pancreatite crônica (pancreatite recorrente ou dor abdominal). Os indivíduos podem ser classificados por etiologia, estágio clínico, gravidade da doença e probabilidade de ter pancreatite crônica.
Os critérios de imagem pancreática M-ANNHEIM para ultrassonografia, TC, RNM/CPRM e ultrassonografia endoscópica (USE), com base nas características de imagem definidas pela classificação de Cambridge, incluem alterações normais, ambíguas, leves, moderadas e marcadas.
Pancreatite crônica definitiva
Estabelecida por um ou mais dos seguintes critérios adicionais:
calcificações pancreáticas
lesões ductais de moderadas ou acentuadas (segundo a classificação de Cambridge)
insuficiência exócrina acentuada e persistente definida como esteatorreia pancreática significativamente reduzida por suplementação enzimática
histologia típica de um espécime histológico adequado.
Pancreatite crônica provável
Estabelecida por um ou mais dos seguintes critérios adicionais:
leves alterações ductais (segundo a classificação de Cambridge)
pseudocistos recorrentes ou persistentes
teste patológico da função exócrina pancreática (como teste de elastase-1 fecal, teste de secretina, teste de secretina– pancreozimina)
insuficiência endócrina (isto é, teste anormal de tolerância à glicose).
Pancreatite crônica limítrofe
Estabelecida como um primeiro episódio de pancreatite aguda com ou sem:
história familiar de doença pancreática (ou seja, outros membros da família com pancreatite aguda ou câncer de pâncreas)
a presença de fatores de risco de M-ANNHEIM.
Pancreatite associada ao consumo de bebidas alcoólicas
Requer, além dos critérios mencionados acima para pancreatite crônica definitiva, provável ou limítrofe, uma das seguintes características:
história de ingestão excessiva de bebidas alcoólicas (>80 g/dia durante alguns anos em homens; quantidades menores em mulheres), ou
história de aumento da ingestão de álcool (20-80 g/dia por alguns anos), ou
história de ingestão moderada de álcool (<20 g/dia por alguns anos).
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