Abordagem
A deficiência de vitamina B1 é um diagnóstico clínico e pode manifestar-se de várias formas, dependendo da presença de comorbidades, idade e suscetibilidade geral. Como os sintomas manifestos são inespecíficos, é importante determinar se o paciente tem algum fator de risco para a deficiência de vitamina B1. Deve haver um limiar baixo para o início do tratamento.
Os pacientes com risco de deficiência de vitamina B1 e aqueles com sinais e sintomas de encefalopatia de Wernicke e beribéri úmido ou seco devem ser tratados imediatamente com terapia de reposição de tiamina, e a resposta ao tratamento deve ser registrada enquanto as investigações estão em andamento para excluir outros diagnósticos. A melhora clínica com terapia de reposição de tiamina sugere um diagnóstico de deficiência de vitamina B1.
Características clínicas
Deficiência subclínica
Os estágios iniciais da deficiência de vitamina B1 manifestam sintomas inespecíficos, como fadiga e dores musculares.
Encefalopatia de Wernicke
A deficiência aguda e grave pode causar encefalopatia de Wernicke, que é caracterizada pela tríade clássica de alterações do estado mental (por exemplo, confusão aguda), ataxia e anormalidades oculares (por exemplo, nistagmo e estrabismo).[45][46] Um estudo de pacientes submetidos à autópsia descobriu que, em pacientes que apresentaram características neurológicas da encefalopatia de Wernicke, uma revisão retrospectiva das observações dos casos mostrou que essa tríade clássica de sintomas estava ausente em 90% dos casos, enquanto 19% dos pacientes não apresentaram características clínicas.[47] A encefalopatia de Wernicke é a forma mais comum de deficiência de tiamina em adultos e crianças maiores.[1]
Beribéri úmido
As sequelas cardíacas no beribéri úmido podem ocorrer com a deficiência aguda ou crônica. Estas podem ser a insuficiência cardíaca de alto débito com vasodilatação periférica, edema periférico, dispneia e ortopneia, ou, com menos frequência, a insuficiência cardíaca de baixo débito com acidose láctica e cianose periférica (também conhecido como beribéri de Shoshin). No entanto, a insuficiência cardíaca devido à deficiência de tiamina é rara em ambientes desenvolvidos; assim, nem o rastreamento para deficiência de tiamina, nem a suplementação de tiamina de rotina são justificados para indivíduos com insuficiência cardíaca, a menos que haja outros sinais clínicos de beribéri.[48]
Beribéri seco
Manifesta-se como polineuropatia periférica distal (particularmente das pernas) após a deficiência de vitamina B1 crônica. É caracterizada por parestesia, reflexos patelares e outros reflexos tendinosos reduzidos, e uma fraqueza progressiva intensa com atrofia muscular.
Beribéri infantil
Ocorre principalmente em bebês cuja única fonte de alimentação é a amamentação, e esta é oferecida por mães com deficiência de vitamina B1 e existe em 3 formas; cardiogênica (insuficiência cardíaca e cianose), afônica (paralisia das cordas vocais) e pseudomeningítica (meningismo clínico com achados no líquido cefalorraquidiano [LCR] negativos).[1]
Em lactentes menores (<4 meses), os sinais precoces são inespecíficos, incluindo irritabilidade, recusa ao aleitamento materno, taquicardia e taquipneia, vômitos e choro incessante.[1] À medida que a doença evolui, outros sinais e sintomas de insuficiência cardíaca congestiva começam a aparecer, como dispneia, hepatomegalia e cianose.[1] Lactentes maiores podem apresentar sintomas neurológicos predominantes, inclusive perda do apetite, nistagmo, fontanela abaulada e perda da consciência.[1]
Fatores de risco
Os distúrbios por deficiência de tiamina são mais prevalentes em regiões em que a dieta é monótona (por exemplo, dieta baseada no arroz polido, que é pobre em tiamina) e em que as condições levam ao consumo inadequado de alimentos (por exemplo, seca, fome, conflito, deslocamento), principalmente em indivíduos com maior necessidade metabólica (por exemplo, gestação, primeira infância, doença grave).[1][4]
No mundo desenvolvido, a deficiência de vitamina B1 (tiamina) que se manifesta como a encefalopatia de Wernicke ocorre principalmente naqueles que apresentam abuso crônico de álcool, particularmente no contexto de ingestão nutricional pobre.[2]
As causas não alcoólicas de deficiência de vitamina B1 podem incluir ingestão inadequada (por exemplo, jejum, fome, desnutrição, dietas não equilibradas), condições de má absorção (por exemplo, cirurgia gastrointestinal, condições que causam vômitos e/ou diarreia recorrente) e condições com alta demanda (por exemplo, câncer, tireotoxicose, infecção).[7][8]
A suplementação inadequada de tiamina na nutrição parenteral total pode causar deficiência de vitamina B1.[28] A cirurgia gastrointestinal (por exemplo, bypass gástrico) pode reduzir a área de mucosa intestinal e gástrica disponível para a absorção de tiamina, e pode causar vômitos pós-operatórios recorrentes e inapetência, resultando em desnutrição.[11]
A deficiência de magnésio (comum naqueles que apresentam abuso crônico de álcool) e condições associadas a vômitos ou diarreia crônica recorrentes predispõem ao desenvolvimento de deficiência de vitamina B1.
Outras condições associadas à deficiência de vitamina B1 são câncer (particularmente as neoplasias gastrointestinais e hematológicas) e tratamento de quimioterapia e infecção por HIV/síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS).
Dietas ricas em certos alimentos, como peixes fermentados (fonte de tiaminases), noz-de-areca, chá, café e repolho roxo (fontes de antagonistas de tiamina) podem resultar na deficiência de vitamina B1.[30][31]
Confirmação da deficiência de vitamina B1
Antes de iniciar a terapia de reposição de tiamina, um exame de sangue deve ser realizado para a dosagem de pirofosfato de tiamina em eritrócito. A dosagem de pirofosfato de tiamina em eritrócito é um bom indicador dos depósitos corporais de tiamina, já que a tiamina se esgota na mesma taxa nos eritrócitos que em outros tecidos.[49] Como esse teste demora vários dias, o tratamento não deve ser protelado enquanto se espera pelo resultado. O resultado pode ser usado para confirmar retrospectivamente a deficiência de tiamina.
É importante observar que a transcetolase nos eritrócitos não é mais usada para medir a deficiência de tiamina, já que é instável e, portanto, os resultados não são confiáveis e são difíceis de reproduzir.
Investigações adicionais
O lactato é elevado em qualquer condição que cause um aumento na respiração anaeróbia e deve ser medido em resposta a uma elevação inexplicada do ânion gap na acidose metabólica encontrada na medida da gasometria arterial. Apesar de a deficiência de vitamina B1 estar associada à acidose láctica e à elevação do lactato, sua presença não é diagnóstica e sua ausência não exclui a deficiência.
Todos os pacientes que apresentam insuficiência cardíaca de alto débito devem fazer testes da função tireoidiana com urgência para descartar a tireotoxicose. A tireotoxicose é representada por um alto nível de T4/T3 livres e por uma supressão de hormônio estimulante da tireoide (TSH).
A ressonância nuclear magnética (RNM) do cérebro pode detectar alterações associadas à encefalopatia de Wernicke, mas estas não são inteiramente específicas da condição. A encefalopatia de Wernicke resulta em sinal T2 bilateral aumentado nas regiões paraventriculares do tálamo, hipotálamo, corpos mamilares, região periaquedutal, assoalho do quarto ventrículo e linha mediana cerebelar.[50] Com uma sensibilidade de 53% e uma especificidade de 93% para a encefalopatia de Wernicke, essa investigação é mais útil para descartar o diagnóstico.[51]
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