Etiologia

A vitamina B1 (tiamina) é um micronutriente essencial e depende do consumo alimentar.[1]Em países em que a dieta tem baixo teor de tiamina, particularmente na região leste da Ásia, onde a dieta é baseada no arroz polido, são comuns a deficiência de vitamina B1 e surtos de beribéri.[1][4][5]As células germinativas de cereais integrais e de sementes são ricas em tiamina, mas o arroz polido não. As taxas de beribéri diminuem quando o fornecimento de alimentos é enriquecido com tiamina ou arroz não polido é usado.[5]

No mundo desenvolvido, a deficiência de vitamina B1 que se manifesta como a encefalopatia de Wernicke ocorre principalmente naqueles que apresentam abuso crônico de álcool, particularmente no contexto de ingestão nutricional pobre.[2] O álcool bloqueia o mecanismo de transporte ativo para a absorção de tiamina no trato gastrointestinal.[2][6]

As causas não alcoólicas de deficiência de vitamina B1 podem incluir ingestão inadequada (por exemplo, jejum, fome, desnutrição, dietas não equilibradas), condições de má absorção (por exemplo, cirurgia gastrointestinal, condições que causam vômitos e/ou diarreia recorrente) e condições com alta demanda (por exemplo, câncer, tireotoxicose, infecção).[7][8]

Em mulheres com hiperêmese gravídica, a deficiência de vitamina B1 pode resultar em encefalopatia de Wernicke, caso não seja reconhecida e tratada de maneira adequada.[9]

O aumento da ingestão de calorias, conforme observado em pacientes com obesidade, resulta em aumento da carga nas vias metabólicas e da demanda por micronutrientes como a vitamina B1, como cofatores de enzima.[10] A deficiência de vitamina B1 foi relatada em 16%-47% dos pacientes que planejam se submeter à cirurgia bariátrica para obesidade.[10][11][12]A cirurgia bariátrica também pode resultar em deficiência de vitamina B1.[13][14][15] Cirurgia gastrointestinal por qualquer motivo pode produzir uma área reduzida de mucosa intestinal e gástrica para a absorção de tiamina, bem como vômitos pós-operatórios recorrentes e inapetência, resultando em deficiência de vitamina B1.[16][11][17][18][19]

A caquexia e o estado catabólico associados à infecção por HIV e à síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) colocam esses pacientes em risco de deficiência de vitamina B1.[20][21]A anorexia, náuseas e vômitos e, em alguns casos, a má absorção associada à malignidade colocam os pacientes com câncer em risco de deficiência de vitamina B1.[22] As neoplasias gastrointestinais e as neoplasias hematológicas são particularmente implicadas devido às várias formas pelas quais induzem ao suprimento inadequado de tiamina (por exemplo, mucosite, obstrução gastrointestinal, ressecção do trato gastrointestinal, nutrição parenteral total) e ao aumento do consumo de tiamina das células cancerígenas que crescem em ritmo acelerado.[22][23] Alguns agentes quimioterapêuticos também interferem na função da tiamina.[22][24][25][26]

A tiamina é um cofator no metabolismo de carboidratos. Portanto, a deficiência de vitamina B1 sempre deve ser considerada e tratada antes de reintrodução da alimentação por via oral, enteral ou parenteral (incluindo dextrose intravenosa simples).[27] A suplementação inadequada de tiamina na nutrição parenteral total pode causar deficiência de vitamina B1.[28]

O magnésio é um cofator das enzimas que contêm tiamina.[10] Portanto, um fornecimento adequado de magnésio é necessário para que a tiamina funcione completamente. A deficiência de magnésio pode ser aguda, secundária ao aumento da perda, como diarreia após a cirurgia bariátrica, ou crônica, como em pacientes com doença hepática relacionada a bebidas alcoólicas devido à baixa ingestão alimentar, maior secreção urinária e concentrações mais baixas de albumina plasmática.[10][29]

As tiaminases degradam a tiamina nos alimentos, e os antagonistas de tiamina podem interferir na absorção dela. Uma dieta rica em certos alimentos, como peixes fermentados (fonte de tiaminases), noz-de-areca, chá, café e repolho roxo (fontes de antagonistas de tiamina), pode resultar na deficiência de vitamina B1.[30][31]

Foram descritos defeitos genéticos no transporte e no metabolismo da tiamina.[32] Mutações no SLC19A2 (transportador de tiamina-1), SLC19A3 (transportador de tiamina-2), TPK1 (tiamina pirofosfocinase) e SLC25A19 (transportador mitocondrial de pirofosfato de tiamina) apresentam fenótipos clínicos bem definidos.[32] A síndrome da anemia megaloblástica responsiva à tiamina (AMRT) é uma doença rara caracterizada pela anemia responsiva à tiamina, diabetes e surdez; é causada por mutações hereditárias recessivas no gene SLC19A2.[33] As mutações nos genes SLC19A3, TPK1 e SLC25A19 apresentam, predominantemente, comprometimento neurológico.[32][34]

Fisiopatologia

A tiamina tem uma meia-vida de 9 a 18 dias, de modo que os tecidos com alta conversão de tiamina se tornam esgotados do nutriente após apenas 2 a 3 semanas da deficiência.[35]A tiamina é obtida de cereais, carne, ovos, legumes e vegetais e precisa de transportadores específicos para absorção no intestino delgado e para a captação celular e mitocondrial.[32] Dentro do compartimento celular, a enzima pirofosfato de tiamina dependente da tiamina é uma coenzima no metabolismo intermediário de carboidratos.[36] Devido ao fato de os tecidos cerebrais e os neurônios dependerem de glicose para energia, a diminuição no metabolismo de carboidratos causada pela deficiência de vitamina B1 provoca dano celular.

O coração e outros músculos podem usar a beta-oxidação de ácidos graxos de cadeia longa para energia. Portanto, é proposto que as células cardíacas só sejam danificadas pela deficiência de vitamina B1 quando também há uma deficiência de ácidos graxos de cadeia longa que chegam até as células.[37] É provável que o estado nutricional geral contribua para o espectro do quadro clínico observado na deficiência de tiamina, e podem estar presentes deficiências de múltiplos micronutrientes.[1]

Classificação

Classificação clínica

Encefalopatia de Wernicke

  • Síndrome neuropsiquiátrica aguda que classicamente manifesta-se com a tríade de confusão aguda, ataxia e anormalidades oculares (por exemplo, nistagmo, estrabismo). É secundária à deficiência aguda.

Beribéri seco

  • Polineuropatia periférica distal caracterizada por parestesia, reflexos patelares e outros reflexos tendinosos reduzidos, e uma fraqueza progressiva intensa com atrofia muscular. É secundária à deficiência crônica.

Beribéri úmido

  • Insuficiência cardíaca de alto débito com vasodilatação periférica, edema periférico e ortopneia; ou insuficiência cardíaca de baixo débito com acidose láctica e cianose periférica. É secundária à deficiência aguda ou crônica.

Beribéri de Shoshin

  • Início rápido de insuficiência cardíaca de baixo débito com acidose láctica e cianose periférica. É secundária à deficiência aguda ou crônica.

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