Abordagem

O objetivo principal do tratamento da gonorreia é reduzir a morbidade e mortalidade e interromper a transmissão, prevenindo novas infecções. O tratamento presuntivo pode ser fornecido para as pessoas de risco, com sintomas e sinais (por exemplo, secreção mucopurulenta) consistentes com gonorreia, e pessoas com alto risco que, provavelmente, não retornarão para acompanhamento. As pessoas assintomáticas ou com sintomas e sinais leves (disúria) devem aguardar o diagnóstico definitivo.

O tratamento é baseado nas diretrizes mais recentes dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA relacionadas à infecção sexualmente transmissível (IST) e sujeitas a atualizações periódicas.[26]​ Outras diretrizes podem ser usadas em alguns países.[3][51]​​ As diretrizes de IST do CDC recomendavam anteriormente a antibioticoterapia dupla (ou seja, dois antimicrobianos com mecanismos de ação diferentes), porque os pacientes infectados com Neisseria gonorrhoeae são frequentemente co-infectados com Chlamydia trachomatis e o esquema cobria ambos os organismos. No entanto, o CDC reavaliou as recomendações com base na preocupação crescente relacionada ao manejo antimicrobiano, em particular o impacto do uso de antimicrobianos sobre o microbioma e mudanças na suscetibilidade à azitromicina para gonorreia e outros organismos. Portanto, o CDC agora recomenda a monoterapia com ceftriaxona porque a N gonorrhoeae permanece altamente suscetível à ceftriaxona, a resistência à azitromicina está aumentando e o uso prudente de agentes antimicrobianos embasa limitar o seu uso. O tratamento com 7 dias de doxiciclina oral (ou uma dose única de azitromicina em gestantes) é recomendado para a coinfecção com C trachomatis ou quando a infecção por clamídia não tiver sido descartada.[26]​ O metronidazol é adicionado ao esquema medicamentoso recomendado para as mulheres se houver história de abuso sexual.[26]​ As recomendações de tratamento podem variar em diferentes países, e as diretrizes mais recentes da British Association for Sexual Health and HIV recomendam a monoterapia.[51]

Para todos os pacientes com gonorreia, todos os esforços devem ser feitos para garantir que os parceiros sexuais dos pacientes dos 60 dias anteriores (ou o último parceiro antes de 60 dias, se não houver relatos de parceiros recentes) sejam avaliados e tratados para N gonorrhoeae com um esquema recomendado.[26]​​​ [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​​ Em alguns estados dos EUA a lei permite a terapia para o parceiro, que é a prática de tratar os parceiros sexuais de pessoas com infecções sexualmente transmissíveis, sem uma avaliação clínica de intervenção ou aconselhamento de prevenção profissional. CDC: expedited partner therapy Opens in new window[70]​​ Essa abordagem deve ser considerada em pacientes heterossexuais com gonorreia quando não for possível garantir que todos(as) os(as) parceiros(as) sexuais do(a) paciente nos últimos 60 dias serão avaliados(as) e tratados(as).

Infecção gonocócica não complicada

Infecções não complicadas do colo uterino, uretra, reto ou faringe

  • O tratamento de primeira linha é ceftriaxona intramuscular em dose única.[26]​ Uma metanálise concluiu que a ceftriaxona apresentou melhor eficácia para a gonorreia não complicada se comparada com outros antibióticos.[71] Caso a infecção por clamídia não tenha sido descartada, os pacientes devem tomar doxiciclina por via oral por 7 dias, em associação com cefalosporina.[26]

  • Em pacientes com gonorreia urogenital ou anorretal que são alérgicos a cefalosporina, pode-se considerar uma dose única de gentamicina intramuscular associada a azitromicina oral; no entanto, os efeitos adversos gastrointestinais podem limitar o uso desse esquema.[26]​ Em um indivíduo assintomático, uma dose única de ciprofloxacino pode ser usada, caso o profissional consiga realizar o teste de girase A (gyrA) para identificar a suscetibilidade ao ciprofloxacino (tipo selvagem).[26]​​[72] Um especialista em doenças infecciosas deve ser consultado em caso de alergia a penicilina/cefalosporina.

  • Os antibióticos fluoroquinolonas sistêmicos, como o ciprofloxacino, podem causar eventos adversos graves, incapacitantes e potencialmente duradouros ou irreversíveis. Isso inclui, mas não está limitado a tendinopatia/ruptura de tendão; neuropatia periférica; artropatia/artralgia; aneurisma e dissecção da aorta; regurgitação da valva cardíaca; disglicemia; e efeitos no sistema nervoso central, incluindo convulsões, depressão, psicose e pensamentos e comportamento suicida.[73]

    • Restrições de prescrição aplicam-se ao uso de fluoroquinolonas e essas restrições podem variar entre os países. Em geral, o uso de fluoroquinolonas deve ser restrito apenas a infecções bacterianas graves e de risco de vida. Algumas agências regulatórias também podem recomendar que eles sejam usados apenas em situações em que outros antibióticos comumente recomendados para a infecção sejam inadequados (por exemplo, resistência, contraindicações, falha do tratamento, indisponibilidade).

    • Consulte as diretrizes locais e o formulário de medicamentos para obter mais informações sobre adequação, contraindicações e precauções.

  • Cefixima oral em dose única constitui um esquema alternativo adequado, caso ceftriaxona não esteja disponível.[26]​ No entanto, a cefixima tem uma taxa de resposta mais baixa e menos suscetibilidade, comparada à ceftriaxona quando usada em sítios não genitais.[26]​ Caso a infecção por clamídia não tenha sido descartada, os pacientes devem tomar doxiciclina por via oral por 7 dias, em associação com a cefalosporina.[26]

  • Infecções da faringe são mais difíceis de serem tratadas que infecções urogenitais ou anorretais. Cefixima tem eficácia limitada contra a gonorreia faríngea, e não há nenhum tratamento alternativo confiável. Um especialista em doenças infecciosas deve ser consultado para obter recomendação de tratamento alternativo, em caso de reação anafilática à ceftriaxona. Caso a infecção por clamídia também seja identificada, os pacientes devem tomar doxiciclina por via oral por 7 dias, em associação com cefalosporina.[26]​ Um teste para confirmar a cura é recomendado 7-14 dias após o tratamento, independentemente do esquema de tratamento usado para infecções da faringe.[26]​ O uso de enxaguante bucal antisséptico pode ajudar na remoção de infecções da faringe.[74] Em indivíduos previamente tratados para gonorreia, a reinfecção até 12 meses varia de 7% a 12%; assim, eles devem refazer o teste 3 meses após o tratamento, mesmo que acreditem que seus parceiros sexuais tenham sido tratados.[75][76] Caso não reja possível repetir o teste 3 meses depois, ele deve ser realizado até 12 meses após o tratamento inicial.[26]


Demonstração animada de injeção intramuscular
Demonstração animada de injeção intramuscular

Demonstração de uma injeção intramuscular em local ventroglúteo usando uma técnica em Z.


Falha do tratamento

  • A infecção persistente após tratamento pode decorrer de reinfecção ou resistência/falha do tratamento. Pacientes com sintomas persistentes pós-tratamento devem ser novamente testados por meio da realização de cultura (de preferência com NAAT simultâneo). Se essas culturas forem positivas para gonococo, devem ser enviadas amostras para avaliação da resistência.[26]

  • Infecções persistentes devem ser tratadas novamente com uma dose única de ceftriaxona por via intramuscular, e um infectologista deve ser consultado. Caso a infecção por clamídia não tenha sido descartada, os pacientes devem tomar doxiciclina por via oral por 7 dias, em associação com cefalosporina.[26]

  • Uma dose única de gentamicina intramuscular associada a azitromicina oral pode ser usada como esquema alternativo para gonorreia urogenital e retal, principalmente se houver suspeita de resistência a cefalosporinas.[26]​ Não há nenhum tratamento alternativo confiável para a gonorreia faríngea.[26]

  • Pacientes que tiveram fracasso no tratamento após receber um esquema alternativo (cefixima ou gentamicina associada a azitromicina) devem ser tratados novamente com uma dose única de ceftriaxona, com ou sem doxiciclina, se a infecção por clamídia não tiver sido descartada.[26]

  • Os parceiros sexuais dos últimos 60 dias devem ser identificados e tratados com o mesmo esquema.[26]

  • Um teste para confirmar a cura deve ser realizado 7-14 dias após a repetição do tratamento. É geralmente necessário relatar falhas de tratamento à autoridade sanitária relevante dentro de 24 horas do diagnóstico.[26]

Infecção gonocócica complicada

Doença inflamatória pélvica (DIP)

A doença inflamatória pélvica (DIP) é a complicação mais importante da gonorreia em mulheres. Ela pode se desenvolver em até um terço das mulheres com gonorreia e pode causar sequelas em longo prazo, mesmo após a resolução da infecção.[44][45]​ As sequelas mais comuns de doença inflamatória pélvica (DIP) são dor pélvica crônica (40%), infertilidade tubária (10.8%) e gravidez ectópica (9.1%).[46][47]​ Para obter detalhes adicionais do tratamento, consulte Doença inflamatória pélvica.

DIP leve a moderada:

  • O regime recomendado é a terapia dupla com ceftriaxona em dose única por via intramuscular associada a doxiciclina por via oral por 14 dias.[26]

  • Cefoxitina (associada a probenecida) pode ser usada em vez de ceftriaxona. Outras cefalosporinas parenterais de terceira geração também podem ser usadas.[26]

  • O metronidazol deve ser usado em combinação com a doxiciclina para fornecer cobertura estendida contra bactérias anaeróbias.[26]

  • O tratamento ambulatorial com agentes orais e intramusculares pode ser levado em consideração, pois pode ser tão eficaz quanto o tratamento parenteral em pacientes hospitalizados com DIP leve a moderada, mas recomenda-se realizar uma reavaliação após 72 horas.[26][84]

  • Uma revisão Cochrane avaliando regimes de antibioticoterapia recomendados pelo CDC para doença inflamatória pélvica (DIP) não encontrou nenhuma evidência conclusiva de que um regime de antibioticoterapia é mais seguro ou eficaz do que outro.[85]

DIP grave:

  • Os sinais e sintomas de infecção grave incluem: abdome cirúrgico; abscesso tubo-ovariano; doença grave com náuseas, vômitos e febre; incapacidade de utilizar medicamentos orais; e ausência de resposta ao tratamento ambulatorial.

  • Hospitalização e antibioticoterapia intravenosa são necessárias. A terapia intravenosa com cefalosporina (ceftriaxona, cefotetana ou cefoxitina) associada a doxiciclina é o esquema terapêutico de primeira linha recomendado.[26]​ Ampicilina/sulbactam associado a doxiciclina ou clindamicina associada a gentamicina são alternativas adequadas.[26]

  • Se o paciente pode tomar medicamentos por via oral, doxiciclina oral pode ser preferível à doxiciclina por via intravenosa para minimizar a dor associada a infusão intravenosa.

  • O metronidazol é adicionado se houver abscesso tubo-ovariano ou suspeita de envolvimento de qualquer microrganismo anaeróbio ou tricomonas. O metronidazol deve ser usado com a ceftriaxona, pois a ceftriaxona é menos ativa contra bactérias anaeróbias que a cefotetana ou a cefoxitina.

  • A reavaliação pode ser realizada em 24 a 48 horas quanto à possibilidade de descontinuar a terapia intravenosa e continuar com a terapia oral adequada para completar 14 dias de tratamento se houver melhora clínica.[26]​ A terapia parenteral pode ser descontinuada 24-48 horas após a melhora clínica; a terapia oral continuada após o esquema de cefalosporina parenteral deve consistir em doxiciclina associada a metronidazol para completar um total de 14 dias de terapia. A clindamicina oral ou a doxiciclina oral podem ser usadas após o esquema parenteral alternativo de clindamicina/gentamicina.[26]​ Se houver abscesso tubo-ovariano, deve-se usar clindamicina ou metronidazol oral com doxiciclina, pois isso fornece melhor cobertura anaeróbia.[26]

Epididimite

A epididimite ocorre em <5% dos homens com gonorreia.[43] A internação hospitalar é necessária em casos graves. Raramente, a epididimite pode levar à infertilidade ou inflamação crônica. O diagnóstico do microrganismo desencadeante deve ser investigado, pois os bastonetes Gram-negativos também podem ser um agente causador.

  • Devido aos altos índices de resistência a fluoroquinolonas, o esquema recomendado é ceftriaxona por via intramuscular associada a doxiciclina oral por 10 dias, caso haja suspeita de transmissão sexual da infecção por epididimite (gonorreia ou clamídia).[26]​ A clamídia será coberta pela doxiciclina.

  • Deve ser realizada a reavaliação após 48 horas.

Se houver suspeita de que o paciente tenha epididimite causada por um microrganismo entérico, a terapia com fluoroquinolona poderia ser usada, mas é importante primeiro descartar a gonorreia e a clamídia.

Para obter detalhes adicionais do tratamento, consulte Epididimite aguda.

Conjuntivite gonocócica

  • O tratamento de primeira linha é ceftriaxona intramuscular.[26]​ Estudos clínicos usaram uma dose mais alta de ceftriaxona para a conjuntivite gonocócica que a usada em outros tipos de infecções gonocócicas.[86] Não há dados para o uso de cefalosporina oral na conjuntivite gonocócica.

  • Como a conjuntivite gonocócica é incomum e dados sobre o tratamento em adultos são limitados, um infectologista deve ser consultado.

Infecção gonocócica disseminada (IGD)

A IGD ocorre em <3% das infecções por gonorreia.[48] Acredita-se que as mulheres têm mais propensão a desenvolver a IGD, em comparação aos homens, provavelmente por causa da menstruação. A febre ocorre em 60% da IGD. As características mais comuns são erupções cutâneas (75%) seguidas por tenossinovite (68%), poliartralgias (52%) e artrite monoarticular (48%). A artrite séptica pode se desenvolver sem qualquer outra característica de IGD. A aspiração da articulação revelará uma alta contagem de leucócitos, predominantemente com células polimorfonucleares, e a Neisseria gonorrhoeae deve ser detectável no líquido sinovial. As manifestações mais raras de IGD incluem endocardite, meningite e abscesso epidural.

Recomenda-se que os pacientes com IGD sejam hospitalizados para o tratamento inicial.[26]​ O tratamento da IGD deve ser realizado com um especialista em doenças infecciosas. Em casos de alergia à penicilina/cefalosporina, pode ser necessária dessensibilização.

IGD (excluindo meningite e endocardite):

  • O esquema recomendado de primeira linha é ceftriaxona por via intravenosa ou intramuscular.[26]​ A cefotaxima é um esquema alternativo adequado.

  • A terapia parenteral deve ser continuada por 24 a 48 horas após melhora clínica substancial, e depois o paciente deverá mudar para um esquema oral adequado por, pelo menos, 7 dias, guiado por teste de sensibilidade aos antimicrobianos.[26]

  • Caso a infecção por clamídia não tenha sido descartada, os pacientes devem tomar doxiciclina por via oral por 7 dias, em associação com cefalosporina.[26]

IGD (meningite e endocardite):

  • O esquema terapêutico de primeira linha recomendado é ceftriaxona por via intravenosa.[26]

  • O tratamento para meningite é mantido por 10 a 14 dias e para a endocardite é mantido por no mínimo 4 semanas.[26]

  • Caso a infecção por clamídia não tenha sido descartada, os pacientes devem tomar doxiciclina por via oral por 7 dias, em associação com cefalosporina.[26]

Gestantes

A monoterapia com ceftriaxona por via intramuscular é recomendada como esquema terapêutico de primeira linha em gestantes, preferencialmente administrada sob observação direta.[26]​ Recomenda-se a consulta com um infectologista se a paciente apresentar alergia a cefalosporinas ou se houver quaisquer outras considerações que contraindiquem o tratamento com esse esquema. Uma dose única de azitromicina pode ser adicionada para tratar clamídia, caso a infecção por clamídia não tenha sido descartada.[26]

Infecções da faringe são mais difíceis de serem tratadas que infecções urogenitais ou anorretais. O CDC recomenda um teste para confirmar a cura 7-14 dias após tratamento, independente do esquema de tratamento usado para infecções da faringe.[26]

A infecção complicada em gestantes requer hospitalização e manejo por um médico experiente.

As mães de neonatos com oftalmia neonatal, abscessos no couro cabeludo ou IGD causados por infecções gonocócicas, e seus parceiros sexuais, devem ser tratadas presuntivamente.[26]

Neonatos, lactentes e crianças

Os neonatos de mulheres com infecções gonocócicas não tratadas apresentam alto risco de infecções e devem ser tratados presuntivamente na ausência de sinais de infecção gonocócica.[26]

Neonatos com oftalmia neonatal devem receber uma dose única de ceftriaxona por via intravenosa/intramuscular.[26]​ Os neonatos com abscessos do couro cabeludo ou IGD (isto é, bacteremia, artrite ou meningite) devem receber ceftriaxona por via intravenosa/intramuscular, ou cefotaxima por 7 dias (bacteremia, artrite) ou 10-14 dias (meningite).[26]​ Deve-se consultar um especialista em doenças infecciosas para obter orientações sobre o tratamento em caso de alergia conhecida a penicilina/cefalosporina.

Lactentes e crianças com vulvovaginite não complicada, cervicite, uretrite, faringite ou proctite que pesam ≤45 kg devem ser tratados com uma dose única de ceftriaxona por via intravenosa/intramuscular.[26]​ Aqueles com infecção gonocócica complicada devem ser tratados com ceftriaxona por via intravenosa/intramuscular por 7 dias (bacteremia, artrite), 10-14 dias (meningite), ou pelo menos 4 semanas (endocardite).[26]

Crianças que pesam >45 kg devem ser tratadas com esquemas adultos; no entanto, a única diferença é que crianças com bacteremia ou artrite devem continuar a terapia parenteral por 7 dias.[26]

É importante considerar a possibilidade de abuso sexual em crianças com gonorreia.[17][26]​​ A suspeita deve ser notificada, e os procedimentos de proteção da criança devem ser seguidos da maneira apropriada.

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