Abordagem
A testagem diagnóstica para gonorreia deve ser considerada na presença de qualquer sintoma geniturinário em pessoas sexualmente ativas: especialmente, homens que apresentam disúria, irritação uretral ou secreção uretral, e mulheres com corrimento vaginal, dor pélvica ou suspeita de doença inflamatória pélvica (DIP) e abscesso tubo-ovariano. As mães de recém-nascidos com oftalmia neonatal, abscessos no couro cabeludo ou infecções gonocócicas disseminadas e seus parceiros sexuais devem ser avaliados e testados.[26] Os neonatos de mulheres com infecções gonocócicas não tratadas apresentam alto risco de infecções e devem ser testados nos sítios expostos (por exemplo, conjuntiva, vagina, reto e orofaringe).[26]
História
Obter uma história de atividade sexual e os fatores de risco é importante ao se considerar o diagnóstico de gonorreia. Deve-se incluir uma história sexual em qualquer avaliação de sintomas geniturinários ou em pacientes com sintomas sistêmicos que podem ser apresentações raras de gonorreia, como artrite, meningite ou endocardite. As populações de risco (por exemplo, mulheres de 15 a 24 anos de idade e homens de 20 a 29 anos) devem ser alertadas sobre o histórico sexual, como uma medida de prevenção importante para a faixa etária.
Os elementos importantes de história sexual incluem os 5 Ps:
Parceiros (sexo dos parceiros, número de parceiros nos últimos 2 meses/1 ano)
Prevenção da gestação - tentar engravidar ou uso contraceptivo
Proteção contra infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e/ou vírus da imunodeficiência humana (HIV) - o que o paciente faz para se proteger contra ISTs e HIV?
Práticas ou tipos de atividades sexuais (oral/vaginal/anal e ativo/passivo), uso de preservativos
Prévio diagnóstico de ISTs/HIV - qualquer diagnóstico prévio de ISTs, HIV ou hepatite viral.
Em homens, a queixa principal pode ser de secreção uretral mucopurulenta ou uretral. Entretanto, se isso não estiver presente, outros sintomas que sugerem uretrite são disúria e prurido uretral. A uretrite pode ser assintomática. A frequência e a urgência não costumam estar presentes na uretrite. Os sintomas de prostatite incluem dor na coluna lombar e na área genital, polaciúria e urgência (frequentemente de noite) e queimação ou micção dolorosa.
Em mulheres, os sinais e sintomas que devem ser investigados são corrimento vaginal, dor na pelve ou febre. Mulheres com gonorreia podem apresentar o corrimento vaginal, mas a ausência do mesmo não exclui a infecção.
As infecções por gonorreia na área retal são comuns em homens que têm relações sexuais com homens (HSH), mas a contaminação perianal por infecção cervical ou uma infecção direta provocada por penetração anal pode provocar infecções anorretais em mulheres. Os sintomas incluem prurido anal e secreção mucopurulenta, geralmente sem peristaltismo. Dor retal, tenesmo e sangramento são mais comuns em HSH.
Para ajudar com o planejamento do tratamento, os pacientes devem informar se são alérgicos a antibióticos, sobretudo a penicilina (mediada por imunoglobulina E), cefalosporina e azitromicina. Um especialista em doenças infecciosas deve ser consultado em caso de alergia a antibióticos.
Exame físico
Trato genital masculino
Devem ser realizadas a inspeção e a palpação do testículo, epidídimo e cordão espermático. O pênis, glande e meato também devem ser examinados, e a presença de secreção deve ser avaliada. Um exame prostático é necessário se houver sintomas de prostatite.
Testículo edemaciado e/ou sensível `a palpação (normalmente de um lado só) pode ser indício de orquite.
Epidídimo edemaciado e/ou sensível à palpação pode ser indício de epididimite, que ocorre em <5% dos homens com gonorreia.[43] A dor unilateral no testículo (sem secreção ou disúria) e febre também são sintomas de epididimite.[2]
Trato genital feminino
A genitália externa (lábios e clitóris) deve ser inspecionada antes do exame especular do colo uterino e da vagina. Recomenda-se que não se use gel lubrificante, pois ele poderia destruir a Neisseria gonorrhoeae. Deve-se procurar exsudato mucopurulento ou purulento na endocérvix.
A doença inflamatória pélvica (DIP) é a complicação mais importante da gonorreia em mulheres. Ela pode se desenvolver em até um terço das mulheres com gonorreia e pode causar sequelas em longo prazo, mesmo após a resolução da infecção.[44][45] As sequelas mais comuns de doença inflamatória pélvica (DIP) são dor pélvica crônica (40%), infertilidade tubária (10.8%) e gravidez ectópica (9.1%).[46][47] Um exame bimanual para verificar a dor à mobilização do colo, sensibilidade uterina e sensibilidade anexial é especialmente importante para avaliar uma possível infecção ascendente resultando em DIP. A dor à mobilização do colo é avaliada usando 1 ou 2 dedos para mover o colo uterino, perguntando à paciente se há dor. A presença de uma massa cervical é um indicador de DIP.
O sangramento que ocorre com uma passagem delicada de swab de algodão pelo óstio cervical sugere colo friável e cervicite.[26]
Infecção extragenital
A gonorreia retal pode causar secreção mucopurulenta no ânus.
A faringe é examinada para eritema e exsudato.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Paciente com faringite gonocócicaCentros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA/ Dr. N. J. Flumara, Dr. Gavin Hart [Citation ends].
Pode haver linfadenopatia cervical anterior.[2]
A conjuntivite gonocócica pode se manifestar com uma secreção espessa branca/amarela. O exame dos olhos com lâmpada de fenda é recomendado, de modo a excluir a infecção da córnea.
Suspeita de infecção gonocócica disseminada (IGD)
A IGD ocorre quando a infecção por N gonorrhoeae não é tratada. Ela ocorre em <3% das infecções por gonorreia.[48] Acredita-se que as mulheres têm mais propensão a desenvolver a IGD, em comparação aos homens, provavelmente por causa da menstruação. Ela provoca comumente infecções dermatológicas (75%) e sinoviais (68%). A febre ocorre em 60% dos pacientes com IGD. As complicações raras incluem endocardite, meningite, miocardite e abscessos peri-hepáticos. Os pacientes com IGD não costumam apresentar sintomas urogenitais.
Os achados clínicos incluem pápulas que progridem para pústulas hemorrágicas, bolhas, petéquias ou lesões necróticas nos membros; dor articular leve; ou poliartrite grave que, se não tratada, pode evoluir para artrite séptica.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Paciente com artrite gonocócica, com inflamação da pele no braço direito em decorrência de infecção bacteriana por Neisseria gonorrhoeae disseminadaCentros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA/ Emory [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Artrite gonocócica da mão, que provocou inchaço de mão e punhoCentros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA/ Susan Lindsley, VD [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Lesões cutâneas no tornozelo e na panturrilha esquerdos decorrentes de infecção por Neisseria gonorrhoeae disseminadaCentros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA/ Dr. S. E. Thompson, VDCD/ J. Pledger [Citation ends].
As articulações mais afetadas são punhos, tornozelos, mãos e pés, e a aspiração articular pode ser negativa para infecção. Se evoluir para artrite séptica, as articulações mais frequentemente acometidas são cotovelos, punhos, joelhos ou tornozelos. A aspiração da articulação, nesse caso, detectará >40,000 leucócitos por mm³ e conterá diplococos intracelulares Gram-negativos. O líquido sinovial enviado para cultura geralmente apresenta resultado negativo.[2]
O paciente também pode apresentar sepse. A meningite gonocócica se manifestará como qualquer outra meningite bacteriana com sinais positivos de Brudzinski e Kernig, erupção cutânea púrpura, convulsões, sinais de aumento da pressão do líquido cefalorraquidiano (LCR; hipertensão com bradicardia) e sinais cerebrais focais. A endocardite gonocócica pode apresentar as manifestações sistêmicas, como febre, manifestações cardíacas, como sopros, e manifestações extracardíacas, como eventos embólicos.
Infecção gonocócica pediátrica
Lactentes
As manifestações mais graves de infecção gonocócica pediátrica são oftalmia neonatal e sepse, podendo incluir artrite e meningite. As manifestações menos graves incluem rinite, vaginite, uretrite e reinfecção em um local de monitorização fetal: por exemplo, por meio de eletrodos no couro cabeludo.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Um neonato com oftalmia gonocócica neonatal provocada pela infecção gonocócica transmitida pela mãeCentros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA/ J. Pledger [Citation ends].
Os lactentes que apresentam aumento do risco de oftalmia neonatal gonocócica são aqueles que não receberam profilaxia oftálmica e os nascidos de mães que não tiveram cuidados pré-natais ou que apresentam história de ISTs ou uso indevido de substâncias.[26] Nos EUA, colírios profiláticos de rotina são recomendados para todos os neonatos.[41][49]
Crianças
O abuso sexual é a causa mais frequente de ISTs (inclusive infecção gonocócica) em crianças pré-adolescentes.[17] As infecções anorretais e faríngeas são comuns e frequentemente assintomáticas em crianças que sofreram abuso sexual. A vaginite é a manifestação mais comum em garotas pré-adolescentes.
Avaliação laboratorial: visão geral
Os testes de amplificação de ácido nucleico (NAATs), a cultura, coloração de Gram e urinálise são o pilar dos exames laboratoriais para N gonorrhoeae. Não há teste sorológico clinicamente disponível para N gonorrhoeae.[50] A ordem dos exames inicialmente depende do sexo do paciente, se o paciente é sintomático ou assintomático e qual(is) local(is) está(ão) envolvido(s) (p. ex., genitália, faringe, reto ou conjuntivas).
Geralmente, os NAATs estão disponíveis e aprovados para a maioria dos locais anatômicos; o uso de amostras autocoletadas também é muito útil se os pacientes receberem instruções adequadas.[26][51][52] Nos EUA, a Association of Public Health Laboratories e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças recomendam NAATs para a detecção de infecções do trato genital com gonorreia, sem repetição de rotina do teste em caso de resultado positivo.[50][53] Um NAAT de amostras de urina ou genitais é preferível em relação à cultura na maior parte das situações devido à melhor sensibilidade.[53] Ele também é mais prático, pois as amostras podem ser coletadas pelo médico/profissional da saúde ou pelo paciente (autocoleta).[26] Foi descoberto que amostras autocoletadas enviadas para NAATs não são inferiores às amostras coletadas por um médico, embora deva ser realizada a validação em um laboratório local para esse método de coleta.[52][54][55] Se disponíveis por meio de um laboratório local, os NAATs podem ser usados para amostras faríngeas e retais, porém a cultura é o método usado para a detecção em sítios não genitais. Nos EUA, a cultura é o único método aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para detecção em sítios não genitais. Os laboratórios individuais devem buscar estudos de verificação e cumprir com os regulamentos de conformidade da Clinical Laboratory Improvement Amendments (CLIA) para realizar NAATs para sítios não genitais; portanto, essa opção pode não estar sempre disponível. Ao considerar o rastreamento por NAAT, é importante seguir as diretrizes sobre grupos de risco, pois a especificidade imprecisa permite a ocorrência de resultados falso-positivos. Isso pode resultar em valores preditivos positivos menores nas populações de prevalência muito baixa. Se houver um resultado positivo em alguém com suspeita muito baixa pela história clínica, repetir o exame com um NAAT alternativo ou com cultura é o ideal, mas não deve impedir o tratamento. Esse é um problema em especial com sítios não genitais, pois a flora mista e os inibidores que podem estar nas amostras podem prejudicar ainda mais a especificidade dos NAATs para gonorreia.[50]
A cultura tem sido o teste diagnóstico definitivo e é a única maneira de avaliar a sensibilidade antimicrobiana. A cultura é razoavelmente sensível e altamente específica. Ela é barata e adequada para uso com diferentes tipos de espécime, permitindo a retenção do material isolado para exames adicionais, como sensibilidades antimicrobianas. As desvantagens são que a amostra deve ser transportada sob condições adequadas para manter a viabilidade dos organismos.[50] A cultura também apresenta sensibilidade deficiente nos sítios faríngeo e anal ou retal (a sensibilidade da cultura faríngea é de aproximadamente 50%).
A coloração de Gram é usada para secreção uretral de homens apenas, pois esse tipo de coloração nos espécimes endocervicais, faríngeos ou retais não é considerado suficiente para detectar a infecção; no entanto, não é suficiente para descartar infecção em homens assintomáticos.[26][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Fotomicrografia revelando a histopatologia em um caso agudo de uretrite gonocócica usando a técnica de coloração de GramCentros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA/ Joe Millar [Citation ends].
Testes laboratoriais remotos não baseados em reação em cadeia da polimerase para gonorreia têm sensibilidade limitada e não são recomendados para o uso de rotina.[56][57][58] Testes presenciais mais novos ou testes presenciais de reação em cadeia da polimerase, cujo resultado está disponível em uma hora, podem fornecer um tempo de espera menor e evitar tratamentos desnecessários.
Recomenda-se que todos os pacientes testados para gonorreia também sejam testados para outras ISTs, incluindo clamídia, sífilis e HIV.[26]
Avaliação laboratorial: homens com secreção uretral
A coloração de Gram na secreção é recomendada como o exame inicial, em virtude da especificidade (>99%) e sensibilidade (>95%) altas.[26] O exame é considerado altamente sugestivo para infecção com N gonorrhoeae em homens sintomáticos se o esfregaço contiver diplococos Gram-negativos típicos com leucócitos polimorfonucleares. Recomenda-se, se possível, um exame laboratorial confirmatório para todos os homens (isto é, cultura de secreção uretral, NAAT de swab uretral ou urina) após esse procedimento.
Avaliação laboratorial: homens sem secreção uretral
A urinálise do espécime da primeira urina pode ser realizada. Um diagnóstico presuntivo de uretrite pode ser realizado se a tira de urinálise for positiva para esterase leucocitária.
A urina também pode ser enviada para coloração de Gram; a presença de leucócitos com ≥10 leucócitos por campo de grande aumento ou ≥2 leucócitos em campo de imersão em óleo sugere uretrite. A presença de diplococos Gram-negativos intracelulares tem uma alta sensibilidade para gonorreia, apesar de a ausência de diplococos não impedir testes adicionais para gonorreia se o paciente tiver sinais de uretrite.[26] Um diagnóstico definitivo pode ser obtido por NAAT da urina ou swab uretral.[50] O rastreamento para gonorreia em homens assintomáticos também pode ser realizado por NAAT na urina sem urinálise.
Em homens assintomáticos, uma coloração de Gram não é recomendada em virtude da menor sensibilidade nesse grupo de pacientes.[26]
Avaliação laboratorial: mulheres
Realizado por NAAT utilizando swab vaginal autocoletado ou amostra de urina, ou utilizando um swab endocervical coletado pelo médico.[26] Evidências sugerem que a sensibilidade e a especificidade das amostras vaginais autocoletadas são comparáveis a amostras coletadas por profissionais.[55] Um swab endocervical é coletado e enviado para cultura para determinar a suscetibilidade antimicrobiana. Uma identificação presuntiva de isolados de N gonorrhoeae recuperados em meio seletivo pode ser feita com uma coloração de Gram e um teste de oxidase. Uma identificação presuntiva indica somente a presença de diplococos Gram-negativos e oxidase-positivos; entretanto, isso é suficiente para iniciar um tratamento antimicrobiano. Os exames adicionais são realizados para confirmar a identidade do isolado como sendo N gonorrhoeae.
Mulheres com sintomas de vaginite que não tenham colo uterino podem realizar uma cultura vaginal/urina ou NAAT.
Avaliação laboratorial: locais não genitais
A gonorreia retal e faríngea são frequentemente assintomáticas. Foi demonstrado que os HSHs têm uma alta incidência de gonorreia faríngea[59][60] e gonorreia retal.[61] É aconselhável o rastreamento de rotina de HSH em locais não genitais, quando possível. O rastreamento em mulheres de alto risco para gonorreia retal pode identificar casos indetectáveis em testes cervicais, mesmo na ausência de histórico de sexo anal.[62] No entanto, não há recomendações para exames de rotina no reto de mulheres.
Os NAATs são preferíveis à cultura e podem ser realizados se for utilizado um sistema aprovado pela FDA ou se o laboratório local estiver em conformidade com a CLIA e tiver autorização para realizar o NAAT em espécimes não genitais.[26][50][53]
As colorações de Gram de espécimes endocervicais, faríngeos ou retais não são consideradas suficientes para detectar a infecção e, por isso, não são recomendadas.[26][50]
Avaliação laboratorial: pacientes com suspeita de IGD
As culturas precisam ser coletadas de qualquer sítio estéril envolvido (ex.: sangue, o líquido sinovial, a faringe ou o líquido cefalorraquidiano [LCR]).
Avaliação laboratorial: lactentes com suspeita de infecção gonocócica
Em todos os casos de conjuntivite neonatal, os exsudatos conjuntivais devem ser cultivados para N gonorrhoeae e testados em relação à suscetibilidade antibiótica, antes de um diagnóstico definitivo.
A detecção da infecção gonocócica, que não seja a oftalmia neonatal, em neonatos requer culturas do fluido corporal ou do local relevante. Esfregaços corados em Gram positivos fornecem um base presuntiva para iniciar o tratamento. Entretanto, os diagnósticos baseados em esfregaços corados em Gram ou identificação presuntiva de culturas devem ser confirmados com exames definitivos em isolados de cultura.[26]
Avaliação laboratorial para suspeita de infecção gonocócica: crianças, adolescentes e adultos com possível agressão sexual
Os NAATs podem ser usados para detectar a infecção por N gonorrhoeae em uma criança, adolescente ou adulto que possa ter sido agredido sexualmente. As amostras devem ser retiradas dos locais de penetração ou tentativa de penetração.[26]
Investigações adicionais
Se houver suspeita de DIP, podem ser realizadas ultrassonografia transvaginal, tomografia computadorizada ou ressonância nuclear magnética, devido à sua alta especificidade à DIP.
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