Abordagem

A complicação mais comum do priapismo é a disfunção erétil (DE) completa, que foi relatada em >50% dos pacientes com priapismo que dura 24-48 horas.[36] Logo, o fator mais crítico para manter a função erétil é o tratamento imediato do homem com priapismo e a prevenção de futuros episódios. Os principais objetivos da terapia medicamentosa para o priapismo isquêmico são aliviar a dor e descomprimir os corpos cavernosos reduzindo, assim, a isquemia e o risco de necrose ou lesão no tecido.[1]

O manejo depende da diferenciação entre priapismo isquêmico, não isquêmico e formas recorrentes (stuttering). Embora o priapismo isquêmico com duração >4 horas seja uma emergência médica e demande tratamento imediato, episódios de priapismo isquêmico ou stuttering com duração <4 horas não devem ser ignorados. Atrasos no tratamento e episódios repetitivos de priapismo do tipo stuttering causam alterações celulares, moleculares e morfológicas no corpo cavernoso que, com o tempo, resultam em lesão tecidual que coloca o paciente em risco de desenvolvimento de disfunção erétil.[21] O objetivo deve ser tratamento imediato de todos os episódios de priapismo isquêmico.

Priapismo isquêmico

Para priapismo isquêmico com duração de até 4 horas, observação ou tratamento são opções aceitáveis de manejo, dependendo da preferência do médico ou do paciente.[21] No entanto, atrasos no tratamento predispõem o paciente a lesão tecidual, que o coloca em risco de desenvolver disfunção erétil. Logo, encoraja-se o tratamento imediato de todos os episódios de priapismo isquêmico ou de "stuttering".

O priapismo isquêmico com duração >4 horas é uma emergência e exige tratamento imediato.[1] O manejo do priapismo isquêmico é abordado de forma gradual para atingir resolução imediata.[4]

Tratamento clínico

  • O tratamento de primeira linha definitivo consiste na evacuação/aspiração do sangue e irrigação dos corpos cavernosos junto com injeção intracavernosa de um agente simpatomimético alfa-adrenérgico.[1] Para fins anestésicos, deve ser realizado o bloqueio prévio do nervo dorsal ou bloqueio da haste peniana.[5]

  • O sangue peniano é aspirado usando uma seringa não heparinizada. A aspiração terapêutica pode ser feita simultaneamente com amostras de gasometria do sangue cavernoso após a inserção de uma agulha para veia tipo scalp (calibre 16 ou 18) diretamente no corpo cavernoso.[4] Deve-se realizar a irrigação concomitante com soro fisiológico ou um agente simpatomimético para remover sangue do corpo cavernoso.[1]

  • O uso de pressão para baixo na glande do pênis ereto também facilita a evacuação do sangue das agulhas colocadas para irrigação e aspiração. É necessário prestar atenção para não desalojar as agulhas enquanto é feita pressão para baixo e compressão da glande. Caso estas sejam desalojadas, será necessário recorrer ao uso de agulhas de seringa adicionais para permitir evacuar o sangue.

  • Pode ser necessário realizar aspirações ou irrigações repetidas e injeções simpatomiméticas por várias horas, e elas devem ser feitas antes de iniciar-se a intervenção cirúrgica.[34]

  • Muitos médicos optam por realizar injeções intracavernosas sem aspiração prévia.

  • A fenilefrina é o agente simpatomimético preferido, pois apresenta menor risco de efeitos adversos cardiovasculares que outros agentes e está associada a uma taxa maior de detumescência.[1] No entanto, se a fenilefrina não estiver disponível, outros agonistas alfa-adrenérgicos poderão ser usados, como a efedrina, a adrenalina, a noradrenalina ou o metaraminol.

  • Durante e após a injeção intracavernosa de qualquer agente simpatomimético, o paciente deve ser monitorado quanto aos efeitos adversos conhecidos (por exemplo, hipertensão aguda, cefaleia, bradicardia reflexa, taquicardia, palpitações e arritmias cardíacas). Recomenda-se monitoração da pressão arterial (PA) e realização de eletrocardiograma (ECG) em todos os pacientes submetidos a um processo de aspiração com irrigação, especialmente aqueles com risco cardiovascular alto.

  • Se após uma duração razoável (alguns sugerem 1 hora) e progressão da dose de fenilefrina (alguns sugerem administrar 1000 microgramas de fenilefrina diluída ao longo de 1 hora) o pênis continuar intumescido, deve-se considerar uma ultrassonografia com Doppler para avaliar o estado do fluxo arterial cavernoso no pênis.[2][5] O inchaço e edema após uma detumescência apropriada com aspiração e irrigação podem apresentar-se como priapismo isquêmico e, portanto, uma ultrassonografia pode confirmar ou descartar se o sangue foi devidamente evacuado dos corpos cavernosos.

  • Para priapismo especificamente relacionado à doença falciforme, podem-se realizar terapias medicamentosas, como hidratação intravenosa, oxigenação, alcalinização e exsanguineotransfusão. No entanto, essas intervenções não devem preceder o tratamento de primeira linha para todos os episódios de priapismo isquêmico: aspiração/irrigação em combinação com uma injeção alfa-agonista intracavernosa.[1][4][37][38]

  • As diretrizes europeias e dos EUA diferem em relação à implementação das terapias de primeira linha durante episódios de priapismo isquêmico de duração estendida (>48 horas).[1][4] É improvável que os tratamentos de primeira linha sejam bem-sucedidos nessas circunstâncias, e eles devem ser tentados a critério do cirurgião.

Procedimentos de shunt cirúrgico

  • O priapismo isquêmico e recorrente refratário à terapia medicamentosa pode exigir intervenção cirúrgica. Devem-se considerar derivações cirúrgicas para o priapismo isquêmico somente se a injeção intracavernosa de simpatomiméticos falhar.[1][4]

  • O objetivo da cirurgia é criar um canal ou fístula que permitam que o sangue desoxigenado seja drenado dos corpos cavernosos.[1] Existem quatro subdivisões de shunts: shunts distais percutâneos, shunts distais a céu aberto, shunts proximais a céu aberto e anastomoses/shunts venosos.[39] Os shunts distais devem ser realizados antes dos shunts proximais, potencialmente depois que um shunt distal tiver falhado.[4]

  • Um shunt corporoglanular distal percutâneo é a primeira escolha, já que é mais simples de se realizar e tem menores taxas de complicação que as demais abordagens.[1] No procedimento de shunt com agulha de biópsia (Winter), uma agulha de biópsia de grande diâmetro é colocada por via percutânea através da glande peniana.

  • Se os shunts distais previamente mencionados não tiverem êxito, um shunt distal a céu aberto será o próximo passo. O shunt de Al-Ghorab envolve a excisão de um pedaço da túnica albugínea da ponta do corpo cavernoso. Foram descritas modificações na cirurgia de shunt de Al-Ghorab corpoglanular.[40]

  • Deve-se considerar o tunelamento corporal (por exemplo, modificação de Burnett) nos pacientes com priapismo isquêmico persistente após um shunt corpoglanular distal.[1] O shunt distal com tunelamento corporal está associado a um sucesso considerável no alívio do priapismo, mas pode afetar a função erétil pós-procedimento em maior nível que o shunt distal isolado.[1]

  • Quando os shunts distais falharem, um shunt proximal a céu aberto será a próxima linha de tratamento. No entanto, o shunt proximal é considerado, por alguns especialistas, um procedimento histórico que foi amplamente substituído pelo shunt distal com procedimentos de tunelamento.[1] Pode-se considerar shunts proximais, como o shunt de Quackels ou de Sacher (criando uma janela entre os corpos cavernosos e o corpo esponjoso).

  • Deve-se realizar anastomoses/shunts venosos como último recurso. A técnica de Grayhack cria uma janela no corpo cavernoso fazendo uma anastomose com a veia safena, enquanto a técnica do shunt de Barry cria uma janela no corpo cavernoso fazendo uma anastomose com a veia dorsal profunda.

  • Para todos os procedimentos de shunt, o paciente deve receber antibióticos perioperatórios e pós-operatórios.[21][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Técnica de aspiração do sangue peniano (colocação de agulha nos corpos cavernosos para sua máxima irrigação)Arthur L. Burnett, MD, FACS [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@7c2b7283[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Tipos de procedimentos de shunt cirúrgico para o tratamento do priapismo isquêmicoHelen R. Levey, DO, MPH [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@696fb624

Prótese peniana

  • As diretrizes dos EUA declaram que a colocação de prótese peniana pode ser considerada em caso de priapismo isquêmico agudo não tratado >36 horas ou naqueles refratários ao shunt, com ou sem tunelização.[1] As indicações relativas das diretrizes europeias para prótese peniana em pacientes com priapismo isquêmico incluem duração >48 horas, falha do tratamento clínico, RNM ou biópsia corporal com evidências de necrose do músculo liso, ou falha dos procedimentos de shunt.[4]

  • A colocação de implante peniano deve ocorrer até 3 semanas após o episódio de priapismo isquêmico agudo, embora os pacientes submetidos a shunts penianos distais possam precisar esperar mais para a cicatrização adequada do tecido corporal distal.[4]

  • O implante peniano depende do quadro clínico do paciente e do nível de experiência do cirurgião. Um implante peniano maleável pode oferecer menor risco cirúrgico e pós-cirúrgico.[4]

  • Em homens que se apresentam com episódios refratários recorrentes de priapismo isquêmico, submetidos previamente a manejo cirúrgico de priapismo, seja aspiração e irrigação repetidas ou procedimentos de shunt repetitivos mais invasivos, a prótese peniana é uma alternativa adequada, melhor que submeter o paciente a procedimentos de shunt adicionais futuros.[41][42][43][44][45]

Priapismo não isquêmico

O tratamento inicial do priapismo não isquêmico é a observação, com uma opção para o tratamento conservador.[1][4]

Abordagens conservadoras

As diretrizes dos EUA recomendam 4 semanas como um período de observação razoável, a menos que o paciente apresente desconforto significativo. Após o período de monitoramento de 4 semanas, a fístula deve ser reavaliada com ultrassonografia Doppler-duplex colorido para verificar se começou a fechar. Caso a fístula esteja inalterada, ou caso o paciente sinta desconforto constante, a intervenção pode ser considerada.[1]

Os métodos de tratamento conservador incluem aplicar gelo no períneo ou compressão perineal, com ou sem orientação por ultrassonografia.[4] A remissão espontânea é observada na maioria dos casos, embora a disfunção erétil possa ocorrer de alguma forma em alguns pacientes.[46]

embolização

Intervenções invasivas podem ser realizadas a pedido do paciente, mas a probabilidade de remissão espontânea, os riscos de disfunção erétil relacionados ao tratamento e o risco relativamente baixo de complicações, caso não seja realizado nenhum tratamento ativo, devem ser discutidos com o paciente antes de se realizar qualquer procedimento.

O fracasso da observação ou do tratamento conservador justifica a discussão do tratamento com embolização arterial seletiva.[1][4] Materiais de embolização absorvíveis (ou seja, coágulo autólogo, gel em espuma) e não absorvíveis (ou seja, microespirais, partículas de álcool polivinil) estão disponíveis para uso e alcançam resultados similares.[1] Alguns estudos sugerem que o coágulo autólogo está associado com uma taxa de recorrência mais alta, e que as partículas de álcool polivinil oferecem a melhor recuperação da função erétil; no entanto, os dados continuam inconclusivos.[1][4]

Caso a tentativa inicial de embolização falhe, os pacientes devem receber uma segunda tentativa, idealmente com partículas de álcool polivinil não reabsorvíveis.[1]

Estudos sugerem que a embolização causa resolução do priapismo não isquêmico em 85% dos pacientes, com 80% mantendo ereções funcionais. No entanto, a embolização representa um risco para disfunção erétil; pode haver recorrência do priapismo.[1]

Cirurgia

O manejo cirúrgico do priapismo não isquêmico deve ser considerado somente se as tentativas de repetição da embolização tiverem falhado. Geralmente, isso envolve a ligadura cirúrgica direta das fístulas sinusoidais ou pseudoaneurismas cavernosos. A cirurgia deve ser realizada com ultrassonografia Doppler-duplex colorida intraoperatória.[1]

Priapismo recorrente (stuttering)

O tratamento deve focar na prevenção de futuros episódios; o manejo de episódios individuais deve ser feito após o manejo do priapismo isquêmico.

Estratégias de prevenção

Os dados de eficácia e de segurança continuam sendo insuficientes para recomendar estratégias de prevenção ideais com certeza.[1]

O baclofeno, a dutasterida (um inibidor de 5-alfa redutase), a tadalafila ou a sildenafila (inibidores de fosfodiesterase-5) o, cetoconazol com prednisolona, a pseudoefedrina, a ciproterona (um antiandrogênico) e aspirina orais foram todos usados com graus de sucesso variados. A etilefrina, a hidroxiureia e a exsanguineotransfusão automática podem ser consideradas em associação com essas terapias nos indivíduos com priapismo recorrente e anemia falciforme.[1]

Uma metanálise de diferentes tratamentos medicamentosos, incluindo a sildenafila e a efedrina, não constatou nenhum efeito significativo atribuível a qualquer um dos tratamentos, em comparação com o placebo, em relação à redução na frequência do priapismo em "stuttering" em pacientes com doença falciforme.[47]

O cetoconazol com prednisolona parece ser a intervenção farmacológica mais efetiva para a prevenção do priapismo isquêmico (stuttering) recorrente.[1] A orientação de um especialista é necessária; o cetoconazol pode causar lesão hepática grave e insuficiência adrenal.[1] O fígado e a função adrenal devem ser monitorados antes e durante o tratamento.

Agentes hormonais, como o cetoconazol e a ciproterona, não devem ser usados em pacientes que não tiverem atingido a maturação sexual completa e a estatura adulta.

Autoinjeção em casa

A autoinjeção intracavernosa de fenilefrina ou outros simpatomiméticos (por exemplo, efedrina, adrenalina, noradrenalina ou metaraminol) pode ser considerada nos pacientes refratários ao tratamento sistêmico ou que o rejeitem; no entanto, ela não é uma estratégia de prevenção.[1]

O paciente deve ser aconselhado em relação à administração e aos efeitos adversos dos agentes simpatomiméticos. Caso ocorra um episódio de priapismo, o paciente pode tomar uma injeção em casa após ter aprendido a fazê-lo no hospital. No entanto, é essencial que ele seja instruído a buscar cuidados médicos se o priapismo durar >3 horas, pois é necessário um tratamento médico imediato.

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