Abordagem
A doença de Whipple apresenta uma ampla gama de diferenciais como resultado de seu comprometimento multissistêmico e da ausência de características clínicas específicas. O diagnóstico deve ser considerado em todos os pacientes com artralgia resistente a tratamento, em combinação com problemas gastrointestinais e/ou sinais neurológicos e parâmetros inflamatórios aumentados. O diagnóstico definitivo é confirmado por histologia e pela reação em cadeia da polimerase.
Avaliação clínica
A apresentação típica é de uma doença gastrointestinal aguda com febre, diarreia e perda de peso. Características da má absorção, como esteatorreia, edema, fadiga e letargia também podem estar presentes. A doença pode evoluir para uma síndrome de emaciação grave com linfadenopatia abdominal e dor abdominal. Alguns pacientes apresentam artralgia migratória soronegativa das grandes articulações ou, menos frequentemente, oligoartrite ou poliartrite não deformantes. Foi demonstrado que os problemas articulares se manifestam, em média, 8 anos antes do início dos sintomas gastrointestinais típicos.[48] Os quadros clínicos adicionais incluem anemia, a qual está presente na maioria dos pacientes, e escurecimento da pele em aproximadamente metade dos pacientes.[11][49]
Cerca de 10% a 40% de todos os pacientes com doença de Whipple apresentam manifestações neurológicas e, em 31% dos pacientes com estágios avançados de manifestações gastrointestinais, podem-se encontrar manifestações da doença no sistema nervoso central (SNC).[14][50][51][52][53] A disfunção cognitiva, como sinais psiquiátricos (por exemplo, ansiedade, depressão, hipomania, psicose, alteração de personalidade), comprometimento da memória, demência, sinais mioclônicos, confusão ou redução do nível de consciência, é a anormalidade mais comum na doença do SNC.
Os distúrbios dos movimentos oculares são um sinal patognomônico: particularmente, a oftalmoplegia supranuclear progressiva em conjunto com a miorritmia oculomastigatória e miorritmia oculofacioesquelética. As miorritmias oculomastigatória e oculofacioesquelética são definidas como oscilações vergentes pendulares (OVPs) dos olhos (movimentos oculares rítmicos, lentos e convergentes) sincronizadas com miorritmias (contrações repetitivas regulares) dos músculos mastigatórios, faciais e faríngeos. A miorritmia oculomastigatória é definida como OVPs com miorritmias mastigatórias, faciais e faríngeas. A miorritmia oculofacioesquelética é definida como OVPs com miorritmias de músculos esqueléticos não faciais.[50][52] Os sintomas neurológicos adicionais que podem estar presentes incluem cefaleia, insônia, epilepsia, lesões cerebrais focais, ataxia, convulsões e características de meningite. Em alguns casos, a medula espinhal ou os nervos periféricos podem estar envolvidos. Outros sinais neurológicos raros incluem nistagmo, disfunção do neurônio motor superior (reflexos vivos, reflexos cutâneo-plantares em extensão, fraqueza predominante nos músculos extensores dos braços e flexores das pernas, hipertonia), comprometimento hipotalâmico (por exemplo, amenorreia, polidipsia, hiperfagia, diminuição da libido), hemiparesia e comprometimento de nervos cranianos.[53][54]
A manifestação clínica da doença no SNC pode ser o sintoma inicial da doença.[55][56][57] Na ausência de sintomas neurológicos, a análise por reação em cadeia da polimerase do LCR revela infecção no SNC em cerca de 50% dos pacientes antes do tratamento.[21]
Investigações
Recomenda-se o uso de uma combinação de várias investigações clássicas e alternativas em um esquema hierárquico para chegar a um diagnóstico final. Esse esquema deve ser aplicado a todos os pacientes, dado que, mesmo na ausência de sintomas gastrointestinais, as biópsias duodenais podem revelar uma histologia positiva.[17][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Hierarquia recomendada para o diagnóstico da doença de WhippleDo acervo da Dra. Verena Moos [Citation ends].
Endoscopia digestiva alta
A endoscopia digestiva alta do intestino delgado é o teste diagnóstico inicial de escolha.[50][52] A mucosa duodenal pode parecer amarelo-pálida macroscopicamente, com vilosidades dilatadas e desordenadas, e vasos linfáticos aumentados. Apenas o exame histológico de biópsias duodenais permite um diagnóstico seguro da doença de Whipple. Para evitar erros de amostragem, pelo menos 5 biópsias devem ser coletadas de vários locais do duodeno.
Histologia
A histologia da lâmina própria em pacientes com doença de Whipple é caracterizada por macrófagos espumosos que contêm grandes quantidades de partículas citoplasmáticas positivas para ácido periódico de Schiff (PAS), resistentes à diástase, e negativas para coloração de Ziehl-Neelsen.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Macrófagos e vasos linfáticos positivos para ácido periódico de Schiff na mucosa duodenalDo acervo do Professor Christoph Loddenkemper, Departamento de Patologia, Charité, CBF, Berlin [Citation ends].
No entanto, cerca de 10% a 15% dos pacientes apresentam sintomas gastrointestinais mínimos ou não apresentam sintomas gastrointestinais.[58][59][60][61] As biópsias devem ser obtidas de outros órgãos comprometidos, já que a coloração de biópsias duodenais com ácido periódico de Schiff pode ser negativa nesses casos.Por exemplo, células positivas para PAS podem ser frequentemente encontradas em:
Linfonodos (especialmente pacientes com linfadenopatias)
LCR
Biópsias do cérebro de pacientes com doença do SNC
Biópsias de tecidos moles, tecido sinovial ou líquido sinovial em pacientes com artrite ou espondiloartrite
Valvas cardíacas de pacientes com endocardite com cultura negativa
Biópsias de pele, fígado, músculo ou olho (rara).
Imuno-histoquímica
O exame histológico com base na coloração com ácido periódico de Schiff pode ser aperfeiçoado com imuno-histoquímica específica com o uso de anticorpos policlonais contra Tropheryma whipplei.[64][65] Por ser mais sensível, a imuno-histoquímica permite a identificação específica e segura de T whipplei em tecidos que não apresentam coloração positiva para ácido periódico de Schiff.[65]
Na doença do SNC, a coloração com ácido periódico de Schiff pode ser inespecífica em decorrência dos corpos de poliglucosano intraneuronais positivos para PAS,[66] glicogênio anormal[67] ou proteína príon humana,[68] os quais podem ser mal interpretados como inclusões da T whipplei. A imuno-histoquímica deve ser usada nesses casos.
reação em cadeia da polimerase
Os portadores saudáveis podem apresentar reação em cadeia da polimerase positiva em amostras de tecidos ou fluidos que estiverem em contato com o ambiente, mas não terem doença de Whipple. Consequentemente, esse método não é adequado para rastreamento, e a detecção da T whipplei com o uso da reação em cadeia da polimerase deve ser aplicada somente aos pacientes com suspeita clínica estabelecida para doença de Whipple. Como a reação em cadeia da polimerase é um método muito sensível e propenso a resultados falso-positivos em decorrência de contaminação, o uso das técnicas da reação em cadeia da polimerase deve ser limitado a laboratórios acreditados e o ácido desoxirribonucleico (DNA) amplificado deve ser verificado por sequenciamento.[69][70] No entanto, a reação em cadeia da polimerase é o método de escolha para os fluidos corporais estéreis, como líquido sinovial ou derrames peritoneais.
Como a colonização assintomática do SNC é comum, a amostragem do LCR e o teste por reação em cadeia da polimerase para T whipplei devem ser realizados em todos os pacientes com um diagnóstico confirmado antes de se iniciar o tratamento com antibióticos.
Em pacientes com um diagnóstico apenas provisório da doença de Whipple, o tratamento recomendado com antibióticos não deve ser iniciado até que o diagnóstico da doença de Whipple seja confirmado ou até que todos os diagnósticos diferenciais possíveis sejam definitivamente excluídos.
Exames de sangue
Na doença de Whipple aguda, a proteína C-reativa e a velocidade de hemossedimentação estão geralmente elevadas. O nível de hemoglobina é baixo e 91% dos pacientes com doença de Whipple clássica apresentam hipoalbuminemia.[11][14]
O diagnóstico se baseia na suspeita clínica e nos resultados dos exames de coloração com ácido periódico de Schiff, reação em cadeia da polimerase e imuno-histoquímica de biópsias. O diagnóstico da doença de Whipple pode ser confirmado se as biópsias duodenais forem positivas para a coloração com ácido periódico de Schiff e se a reação em cadeia da polimerase e/ou a imuno-histoquímica forem positivas.
O diagnóstico também pode ser confirmado se as biópsias duodenais forem negativas para a coloração com ácido periódico de Schiff, mas apresentarem reação em cadeia da polimerase e imuno-histoquímica positivas. No entanto, um diagnóstico provisório será feito se apenas a reação em cadeia da polimerase ou a imuno-histoquímica forem positivas. Quando a reação em cadeia da polimerase e a imuno-histoquímica forem negativas, deve-se considerar a possibilidade de que a doença de Whipple esteja localizada em outro lugar. As biópsias de fluidos devem ser coletadas de sítios ou órgãos que também estejam comprometidos. A coloração com ácido periódico de Schiff, a reação em cadeia da polimerase e a imuno-histoquímica devem ser realizadas nessas novas amostras. O diagnóstico é confirmado se 2 exames resultarem positivos; um diagnóstico provisório é feito se apenas 1 exame for positivo.
Novos exames
Exames que são ocasionalmente usados para confirmar o diagnóstico incluem a microscopia eletrônica, a cultura e a sorologia. Esses exames não são usados de maneira rotineira. No entanto, se o diagnóstico for apenas provisório, 1 desses exames adicionais pode ser aplicado para assegurar o diagnóstico. A cultura da T whipplei do LCR positivo para a reação em cadeia da polimerase é uma confirmação adequada do diagnóstico. A microscopia eletrônica pode ser usada para se fazer distinção entre a T whipplei e o Mycobacterium avium-intracellulare, que causa sintomas intestinais similares.
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