Etiologia

A tiamina (vitamina B1) é um micronutriente essencial. A deficiência de tiamina geralmente ocorre em indivíduos suscetíveis e é a causa precipitante da encefalopatia de Wernicke.[26]

No mundo desenvolvido, a deficiência de tiamina que se apresenta como encefalopatia de Wernicke ocorre principalmente em transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas, particularmente no contexto de má ingestão nutricional.[4]​ O álcool bloqueia o mecanismo de transporte ativo para a absorção de tiamina no trato gastrointestinal, embora outros mecanismos também possam estar envolvidos.[4][27]​​​​

As causas não alcoólicas de deficiência de tiamina podem incluir a ingestão inadequada (por exemplo, jejum, fome, desnutrição, dietas desequilibradas), condições de má absorção (por exemplo, cirurgia gastrointestinal, vômitos recorrentes e/ou diarreia) e condições associadas ao aumento da demanda metabólica (por exemplo, câncer e infecção).[23]

As tiaminases decompõem a tiamina nos alimentos, e os antagonistas da tiamina podem interferir na sua absorção. Portanto, uma dieta rica em certos alimentos, como peixes fermentados (fonte de tiaminases), noz-de-areca, chá, café e repolho roxo (fontes de antagonistas de tiamina), pode resultar na deficiência de tiamina.[28][29]

O aumento da ingestão calórica, como observado em pacientes com obesidade, resulta em aumento da carga nas vias metabólicas e na demanda por micronutrientes.[30][31]​​​​ A deficiência de tiamina foi relatada em 16% a 47% dos pacientes que planejam se submeter à cirurgia bariátrica para obesidade.[30][32]​​ Além disso, a cirurgia bariátrica pode resultar em deficiência de tiamina. Cirurgia gastrointestinal de qualquer tipo pode precipitar deficiência de tiamina se resultar em redução da área de superfície de absorção da mucosa no intestino delgado, bem como vômitos pós-operatórios prolongados e redução da ingestão alimentar.[31][33][34][35]​​​

Foi demonstrado que os níveis de tiamina são baixos após cirurgias de grande porte, por exemplo, após uma cirurgia de revascularização miocárdica.[36]​ A terapia renal substitutiva também causa perda da maioria dos micronutrientes, especialmente vitaminas hidrossolúveis.[37]​ Isso ocorre principalmente devido à perda do dialisato agravada pela ingestão oral inadequada devido à anorexia comumente associada à uremia.[38]

Caquexia e catabolismo associados à infecção por HIV e AIDS colocam esses pacientes em risco de deficiência de tiamina e subsequente encefalopatia de Wernicke.[39][40][41][42]​​​​​​​​​ Pacientes com câncer também correm risco devido à anorexia, náuseas e vômitos e má absorção associada à neoplasia maligna.[43] As neoplasias gastrointestinais e hematológicas são particularmente implicadas devido às formas pelas quais induzem ao suprimento inadequado de tiamina (por exemplo, mucosite, obstrução gastrointestinal, ressecção do trato gastrointestinal) e ao aumento do consumo de tiamina das células cancerosas que crescem em ritmo acelerado.[43][44]​​​ Alguns agentes quimioterápicos também interferem na função da tiamina.​[43][45]​​​ A suplementação inadequada ou ausente de tiamina na nutrição parenteral total também pode causar deficiência de tiamina.[46][47]​​

O magnésio é um cofator para enzimas envolvidas no metabolismo da tiamina.[48]​ Portanto, um fornecimento adequado de magnésio é necessário para que a tiamina funcione idealmente. A deficiência de magnésio pode ser aguda, secundária ao aumento da perda, como diarreia após cirurgia bariátrica, ou crônica, como em pacientes com doença hepática relacionada ao álcool devido à baixa ingestão alimentar, perdas urinárias na disfunção tubular distal ou medicamentos (por exemplo, inibidores da bomba de prótons).[48][49]

Mulheres com hiperêmese gravídica correm risco particular de encefalopatia de Wernicke devido a vômitos intensos.[8][50]

Embora raras, várias síndromes de disfunção do metabolismo da tiamina, secundárias a defeitos genéticos no transporte e no metabolismo, foram descritas, geralmente entre pacientes mais jovens.[51][52] Mutações no SLC19A2 (transportador de tiamina-1), SLC19A3 (transportador de tiamina-2), TPK1 (tiamina pirofosfocinase) e SLC25A19 (transportador mitocondrial de pirofosfato de tiamina) apresentam fenótipos clínicos bem definidos.[51] A síndrome da anemia megaloblástica responsiva à tiamina (AMRT) é uma doença rara caracterizada pela anemia responsiva à tiamina, diabetes e surdez; é causada por mutações hereditárias recessivas no gene SLC19A2.[53]​ As mutações nos genes SLC19A3, TPK1 e SLC25A19 apresentam, predominantemente, comprometimento neurológico.[54]

Consulte Deficiência de vitamina B1.

Fisiopatologia

A tiamina é um precursor do pirofosfato de tiamina, que serve de cofator para piruvato desidrogenase e alfa-cetoglutarato desidrogenase no ciclo de Krebs e transcetolase na via da pentose-fosfato.[55] A tiamina é uma vitamina hidrossolúvel armazenada predominantemente no fígado. Contudo, os depósitos do corpo duram só até 18 dias.[56] A deficiência de tiamina causa a redução na atividade de enzimas dependentes da tiamina. Isso desencadeia uma sequência de eventos metabólicos que resulta em comprometimento da energia e, por fim, morte neuronal em certas populações neuronais com altas necessidades metabólicas e alta renovação de tiamina.[57] As áreas comumente afetadas incluem o núcleo medial dorsal do tálamo, corpos mamilares, a substância cinzenta periaquedutal e o assoalho do quarto ventrículo, que inclui os núcleos oculomotor e vestibular e o vérmis cerebelar.[17] As lesões também podem envolver os fórnices, o hipocampo, a área ao redor do terceiro ventrículo, os corpos quadrigêmeos e o córtex. A predileção por afetar estruturas envolvidas na codificação e na recuperação da memória (por exemplo, estruturas dentro do circuito de Papez) é responsável pela sequela mais proeminente da encefalopatia de Wernicke: a psicose de Korsakoff.[58]

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