Abordagem

A recuperação renal raramente ocorre na ausência de recuperação hepática. O objetivo do tratamento é dar suporte ao paciente e reverter as alterações hemodinâmicas até que as causas desencadeantes da insuficiência renal sejam corrigidas ou a exacerbação hepática (por exemplo, descompensação decorrente do excesso de álcool) seja superada ou o transplante de fígado esteja disponível. A anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular não deve ser usada como tratamento específico da SHR-LRA e, atualmente, não pode ser aconselhada para o tratamento específico da SHR-LRA na ausência de dados que respaldem seu uso.

Terapia inicial

A expansão do volume intravascular com albumina é recomendada para controlar a hipovolemia.[25][29]​​ Pacientes com suspeita de SHR devem receber uma prova volêmica com albumina intravenosa por 2 dias, devendo-se evitar diuréticos. Isso ajuda a descartar a azotemia pré-renal e permite a expansão precoce do volume.[25]​ A expansão deve ser monitorada rigorosamente para evitar uma expansão excessiva.[29]​ Se for causada por hipovolemia (metade dos casos de LRA na cirrose), a insuficiência renal melhorará após o teste de desafio com albumina e a descontinuação dos diuréticos. Não ocorrerá nenhuma melhora em pacientes com SHR-LRA.[20]

Diuréticos devem ser evitados.[15]​ Betabloqueadores não seletivos devem também ser temporariamente descontinuados para evitar redução do débito cardíaco devida ao seu efeito inotrópico negativo.[30]

A paracentese diagnóstica deve ser realizada dentro de 12 horas após a apresentação para descartar peritonite bacteriana espontânea.[1]

Peritonite bacteriana espontânea: prevenção da síndrome hepatorrenal - lesão renal aguda (SHR-LRA)

A cefotaxima é o antibiótico preferido para tratar a PBE.[2] Ela é administrada de acordo com o nível de creatinina sérica e mantida por 5 dias. No entanto, um terço dos pacientes com PBE desenvolve insuficiência renal apesar do tratamento.

O tratamento combinado com albumina e antibióticos reduz a incidência de comprometimento renal e morte.[2][22][23]

Pacientes que atendem aos critérios de diagnóstico para SHR-LRA

A terapia combinada com um vasoconstritor associado à albumina é o tratamento recomendado para a SHR-LRA. Os critérios de diagnóstico atualizados, com a remoção da concentração mínima de creatinina sérica, permitem uma terapia medicamentosa imediata após o fracasso da prova volêmica (em comparação com os critérios anteriores). O tratamento precoce provavelmente resulta em maiores taxas de reversão e melhores desfechos, uma vez que a resposta aos vasoconstritores depende da concentração de creatinina sérica no início do tratamento.[2][8][29]​​[31][32]

O vasoconstritor preferido é a terlipressina, um análogo da vasopressina com maior seletividade para o receptor V1 administrado como infusão intravenosa contínua ou como bolus intravenoso. Embora a administração em bolus intravenoso seja o método aprovado nos EUA, pode-se considerar uma infusão contínua para reduzir o risco de eventos adversos.[2] Se a terlipressina não estiver disponível, deve-se administrar a noradrenalina. Em geral, a terlipressina pode ser administrada em enfermarias, enquanto a noradrenalina é preferencialmente administrada na unidade de terapia intensiva. Se nem a terlipressina nem a noradrenalina estiverem disponíveis, pode-se considerar a midodrina oral em combinação com a octreotida, embora a eficácia seja menor.[2]

Uma metanálise de 16 estudos não relatou nenhuma diferença significativa na reversão da SHR, eventos adversos graves e sobrevida de pacientes sem transplante de fígado com a terlipressina em comparação com a noradrenalina.[33]​​ Constatou-se que tanto a terlipressina quanto a noradrenalina são superiores à combinação de midodrina associada à octreotida na reversão da SHR.[33]

Evidências sugerem que a terlipressina pode reduzir a incidência de SHR persistente, em comparação com a farmacoterapia vasoativa alternativa, e pode melhorar a função renal em pacientes com SHR-LRA.[34][35][36][37][38] [ Cochrane Clinical Answers logo ] No entanto, a terlipressina é mais comumente associada a efeitos adversos, como diarreia/dor abdominal, cianose periférica, eventos cardiovasculares menores e insuficiência respiratória.

A European Medicines Agency (EMA) e a Medicines and Healthcare Products Regulatory Agency (MHRA) do Reino Unido recomendam várias medidas de segurança ao se usar a terlipressina, após uma revisão de segurança com base nos achados de um grande ensaio clínico randomizado e controlado com SHR-LRA.[37][39][40]​ Os resultados do ensaio clínico sugerem que pacientes tratados com terlipressina têm maior probabilidade de apresentar ou de morrer em decorrência de distúrbios respiratórios (por exemplo, insuficiência respiratória) dentro de 90 dias da primeira dose, em comparação com placebo, e identificaram um risco de sepse não relatado anteriormente.[37] Distúrbios respiratórios são um risco conhecido da terlipressina; no entanto, a frequência de insuficiência respiratória observada neste ensaio clínico (11%) foi maior do que a relatada anteriormente. A menos que os benefícios superem os riscos, a EMA recomenda evitar a terlipressina em pacientes com disfunção renal avançada (creatinina sérica ≥442 micromoles/L [5 mg/dL]) e em pacientes com agudização de doença hepática crônica de grau 3 e /ou um MELD (Model End-Stage Liver Disease) ≥39.[39] Qualquer novo episódio ou agravamento dos sintomas respiratórios deve ser tratado e estabilizado antes de iniciar terlipressina, e os pacientes devem ser monitorados durante e após o tratamento. Se sintomas respiratórios se desenvolverem durante o tratamento, uma redução da dose de albumina humana deve ser considerada e a terlipressina deve ser descontinuada se os sintomas respiratórios forem graves ou não se resolverem. Os pacientes também devem ser monitorados quanto a sintomas de infecção. A infusão contínua de terlipressina pode ser considerada uma alternativa à injeção em bolus, pois pode reduzir o risco de eventos adversos graves.[39]​ Além disso, a MHRA recomenda orientar os pacientes sobre os riscos e benefícios da terlipressina, de preferência antes do tratamento. Os pacientes também podem ser orientados após o tratamento com terlipressina em determinadas circunstâncias.[40]​ A MHRA também afirma que essas recomendações não são relevantes quando a terlipressina é usada para tratar hemorragias por varizes esofágicas. A suspeita de reações adversas relacionadas com a terlipressina deve ser notificada.[40]

A terlipressina está aprovada e disponível em muitos países, e agora foi aprovada nos EUA pela Food and Drug Administration (FDA).[41] A aprovação da terlipressina pela FDA para pacientes com SHR-LRA também inclui recomendações de segurança em relação ao potencial de insuficiência respiratória grave ou fatal, particularmente para pacientes com sobrecarga de volume ou insuficiência hepática crônica agudizada de grau 3. Elas recomendam avaliar a saturação de oxigênio por meio de oximetria de pulso antes de iniciar a terlipressina. O tratamento é contraindicado em pacientes com hipóxia (SpO₂ <90%) até que os níveis de oxigenação melhorem ou se apresentarem sintomas respiratórios que se agravam. A oximetria de pulso contínua deve ser usada para monitorar os pacientes durante o tratamento, devendo-se interromper o tratamento se ocorrer hipóxia ou aumento dos sintomas respiratórios. A sobrecarga de volume intravascular deve ser controlada com a descontinuação da albumina e/ou outros fluidos com o uso de furosemida intravenosa; a terlipressina deve ser pausada, reduzida ou interrompida até que a volemia melhore. O tratamento também é contraindicado em pacientes com isquemia coronariana, periférica ou mesentérica em curso e deve ser descontinuado em qualquer paciente que apresente sinais ou sintomas de uma reação adversa isquêmica.[41]

A noradrenalina associada à albumina é uma alternativa à terlipressina. Ela foi associada à reversão da SHR em uma metanálise em rede e pode estar relacionada a menos efeitos adversos que a terlipressina associada à albumina.[34][35] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​ A dose de noradrenalina deve ser ajustada até atingir um aumento de 10 mmHg na pressão arterial média em relação à linha basal.

A resposta à terlipressina ou à noradrenalina é definida pela diminuição da creatinina para <133 micromoles/L (<1.5 mg/dL) ou pelo retorno a 26.5 micromoles/L (0.3 mg/dL) do valor basal durante, no máximo, 14 dias. Em pacientes que mantiverem o nível de creatinina igual ou superior ao nível pré-tratamento durante 4 dias, com as doses máximas toleradas do vasoconstritor, a terapia poderá ser descontinuada.[2]

A midodrina (um agonista do receptor alfa-1) associada à octreotida (um análogo da somatostatina que inibe a liberação de glucagon) agem sinergicamente para melhorar a hemodinâmica renal. Embora bem tolerada, a combinação de midodrina associada à octreotida é significativamente menos eficaz que a terlipressina e deve ser reservada para pacientes com contraindicações à terlipressina e à noradrenalina.[42]

Antes de iniciar a terapia com vasopressor, deve-se avaliar o risco de eventos isquêmicos ou cardiovasculares do paciente. Isso deve incluir um eletrocardiograma.[8] Durante o tratamento com vasopressores, os pacientes devem ser cuidadosamente monitorados quanto ao possível desenvolvimento de efeitos adversos dos vasoconstritores e da albumina, inclusive complicações isquêmicas e edema pulmonar.[2]

Terapia renal substitutiva (TRS)

A TRS pode ser indicada em pacientes com SHR-LRA sem resposta clínica à farmacoterapia e com sobrecarga de volume/edema pulmonar, acidose metabólica grave, uremia ou desequilíbrios eletrolíticos.[5][21][29]​ A TRS pode proporcionar para os pacientes uma ponte para o transplante de fígado, com uma sobrevida >70% em 1 ano após o transplante.[43]​ No entanto, pacientes que necessitam de TRS geralmente têm um prognóstico desfavorável, e a American Gastroenterological Association (AGA) não recomenda essa medida em pacientes não indicados para transplante de fígado.[21][44]

A decisão sobre se o candidato precisa de transplante de fígado ou transplante simultâneo de fígado e rim pode ser tomada com base na duração da lesão renal. Prevê-se lesão renal estrutural e irreversível em pacientes que necessitam de diálise por mais de 6-8 semanas.[29]

Transplante de fígado

O transplante de fígado é o tratamento ideal para SHR-LRA, tendo a TRS como ponte.[2][5][21]​ A decisão quanto ao transplante de um recurso limitado é complexa e envolve a gravidade da doença e o prognóstico provável. Idade avançada, comorbidades graves, transtornos decorrentes do uso de bebidas alcoólicas e infecção podem representar barreiras ao transplante de fígado.[20]

O transplante simultâneo de fígado e rim pode ser uma opção em determinados casos e é recomendado para pacientes com LRA prolongada, doença renal crônica subjacente ou doenças renais hereditárias.[5][8]​​​ A equipe de transplante avaliará a aptidão de cada paciente.

Terapias de suporte

É necessário realizar o monitoramento rigoroso do status de fluidos, do débito urinário e dos eletrólitos séricos dos pacientes. Em particular, é importante evitar que os pacientes desenvolvam hiponatremia grave.

A paracentese terapêutica será indicada se houver um acúmulo de ascite sintomático.

É provável que os pacientes precisem de hemofiltração no caso de complicações da insuficiência renal, como distúrbios graves de eletrólitos, sobrecarga de volume ou acidose metabólica.[8]

A imunização com vacinas contra gripe (influenza), COVID-19 e pneumocócica é importante, pois esses pacientes são imunocomprometidos.

O suporte hepático extracorpóreo tem sido investigado em pacientes com SHR-LRA, mas não mostrou benefício em termos de sobrevida.[45]

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