Etiologia
Os agentes causadores variam significativamente a depender de vários fatores, incluindo a região, o tamanho do hospital, a estação do ano e o tipo de unidade (neonatal, transplante, oncologia ou hemodiálise; se adquirida no hospital).[17][18][19][20][21][22][23][24][25][26]
Vale ressaltar que os organismos patogênicos são identificados apenas em cerca de metade dos casos de sepse.[27] Quando são identificados organismos, as bactérias (Gram-positivas e Gram-negativas) são identificadas como o agente causador em aproximadamente 90% dos casos, com um aumento progressivo da frequência de infecções fúngicas.[28]
Estudos concordam amplamente quanto à frequência relativa de fontes de infecção.[29][30][31] Um grande estudo prospectivo mostrou que o trato respiratório foi responsável por 64%, o abdome por 20%, a corrente sanguínea por 15% e o trato renal ou geniturinário por 14%.[31] O estudo observacional Surviving Sepsis Campaign, de mais de 15,000 pacientes, revelou um número menor de pacientes com origens respiratórias (44.4%) e uma frequência maior de urosepse (20.8%).[30] No entanto, em 20% a 30% dos pacientes com sepse não foi encontrada uma fonte definida da infecção.[16]
Nas pessoas com mais de 65 anos, o sítio mais comum é o trato geniturinário.[32]
Desde meados da década de 1980, a frequência de septicemia por gram-positivos (principalmente causada pelo Staphylococcus aureus e por estreptococos, enterococos e estafilococos coagulase-negativos) ultrapassou a septicemia por gram-negativos (principalmente causada por Enterobacteriaceae, em especial Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae e Pseudomonas aeruginosa). No entanto, E coli continua sendo o mais prevalente patógeno causador de sepse.[15][17][33][34][35]
Na maioria dos casos de sepse que surgem na comunidade, os organismos causadores serão bactérias sensíveis, muitas vezes endógenas. Nos EUA, quase 63% dos casos de sepse surgem de infecções adquiridas na comunidade.[36]
Padrões de resistência
Os padrões de resistência dos organismos mudam continuamente e podem variar muito de acordo com a região. Por exemplo, em um amplo estudo multicêntrico europeu, >50% dos S aureus isolados na unidade de terapia intensiva (UTI) eram resistentes à meticilina (MRSA).[29] Ao longo das últimas duas décadas, surgiram os enterococos resistentes à vancomicina (ERVs), que representam >10% dos enterococos.[37] Também é preocupante o número significativo de isolados de E coli atualmente resistentes à amoxicilina/ácido clavulânico (cerca de 40%).[38] O MRSA está se tornando cada vez mais prevalente na comunidade; o MRSA adquirido na comunidade apresenta-se como pneumonia grave, muitas vezes com cavitação, em pacientes com infecções de vias aéreas superiores recentes.
Sepse na gestação e no puerpério
A sepse ou infecção causa 14.3% das mortes maternas nos EUA e afeta 0.1% dos partos nos EUA, de acordo com um estudo de coorte retrospectivo.[39][40] E coli e estreptococos do grupo A e do grupo B são os organismos causadores de sepse mais comuns na gestação e no puerpério.[41]
Patógenos fúngicos
O principal patógeno fúngico causador da sepse foi identificado como uma espécie de Candida.[17] Em um estudo de prevalência europeu, os fungos foram isolados em 17% dos pacientes na UTI com infecção nosocomial.[42] Os fungos são mais prevalentes, pois se isolam em pacientes com peritonite secundária ou terciária, sendo a Candida identificada em até 20% dos pacientes com perfuração do trato gastrointestinal.[43] Os fatores de risco incluem contaminação fecal do peritônio, perfuração gastrointestinal recorrente, terapia imunossupressora para neoplasia ou após transplantes e a presença de doenças inflamatórias. Esses pacientes apresentam alto risco de mortalidade.[44]
Alguns especialistas acreditam que a resposta do hospedeiro a algumas infecções virais mimetiza rigorosamente a sepse que deve ser considerada como tal.
Fisiopatologia
A sepse é uma síndrome que abrange um conjunto de respostas fisiológicas a um agente infeccioso mediadas pelo sistema imunológico.
Sinais clínicos como febre, taquicardia e hipotensão são comuns, mas a evolução clínica depende do tipo e do perfil de resistência do organismo infeccioso, do local e do tamanho do irritante infeccioso, e das propriedades, adquiridas ou determinadas geneticamente, do sistema imunológico do hospedeiro.
Ativação do sistema imunológico:
A entrada e sobrevida dos patógenos são facilitadas pela contaminação do tecido (cirurgia ou infecção), inserção de corpo estranho (cateteres) e estado imunológico (imunossupressão).[45]
O sistema imunológico inato é ativado pelos produtos da parede celular bacteriana, como lipopolissacarídeo, que se ligam aos receptores do hospedeiro, inclusive receptores do tipo Toll (TLRs).[46][47] Eles são amplamente encontrados em leucócitos e macrófagos, e alguns tipos são encontrados em células endoteliais.[48] Pelo menos 10 TLRs foram descritos em seres humanos. Eles apresentam especificidade para diferentes produtos virais, fúngicos ou bacterianos. Polimorfismos genéticos são associados a uma predisposição ao choque com organismos Gram-negativos.[49]
A ativação do sistema imunológico inato provoca uma série complexa de respostas celulares e humorais, cada uma com etapas de amplificação:[50]
Citocinas pró-inflamatórias como fator de necrose tumoral alfa e as interleucinas 1 e 6 são liberadas, que por sua vez ativam as células imunológicas.
Espécies reativas de oxigênio, óxido nítrico (NO), proteases e moléculas formadoras de poros são liberadas, causando a destruição das bactérias. O NO é responsável pela vasodilatação e pelo aumento da permeabilidade capilar, e tem sido associado à disfunção mitocondrial induzida por sepse.[51]
O sistema complemento é ativado e intermedeia a ativação de leucócitos, atraindo-os para o local da infecção, onde podem atacar diretamente o organismo (fagócitos, linfócitos T citotóxicos), identificá-lo para que seja atacado por outros (células apresentadoras de antígenos, linfócitos B), “lembrar-se” dele no caso de uma futura infecção (células de memória, linfócitos B) e causar o aumento da produção e a quimiotaxia de mais células T auxiliares.[52]
O endotélio e o sistema de coagulação:
O endotélio vascular exerce um papel importante na defesa do hospedeiro contra um organismo invasor, mas também no desenvolvimento de sepse. O endotélio ativado não apenas permite a adesão e migração de células imunológicas estimuladas, mas torna-se poroso a moléculas grandes como proteínas, causando o edema no tecido.
As alterações dos sistemas de coagulação incluem um aumento dos fatores pró-coagulantes, como inibidor do ativador do plasminogênio tipo I e o fator tecidual, e níveis reduzidos de anticoagulantes naturais circulantes, incluindo antitrombina III e proteína C ativada, que também apresenta funções moduladoras e anti-inflamatórias.[53][54]
Inflamação e disfunção orgânica:
Com a vasodilatação (causando a redução da resistência vascular sistêmica) e o aumento da permeabilidade capilar (causando extravasamento de plasma), a sepse provoca reduções relativas e absolutas do volume circulatório.
Vários fatores se combinam para produzir disfunções em múltiplos órgãos. Hipovolemias relativa e absoluta são causadas pela redução da contratilidade ventricular esquerda, produzindo hipotensão. Inicialmente, pelo aumento da frequência cardíaca, o débito cardíaco aumenta para compensar e manter a pressão de perfusão, mas, conforme esse mecanismo compensatório se esgota, pode ocorrer hipoperfusão e choque.
O fornecimento prejudicado de oxigênio para os tecidos é exacerbado por edema pericapilar. Isso significa que o oxigênio precisa percorrer uma distância maior para alcançar as células-alvo. Há uma redução do diâmetro capilar devido ao edema mural e o estado pró-coagulante causa a formação de microtrombos capilares.
Outros fatores contribuintes incluem fluxo sanguíneo desordenado nos leitos capilares, resultante da combinação do desvio de sangue por canais colaterais e do aumento da viscosidade sanguínea secundária à perda da flexibilidade dos eritrócitos.[55] Como resultado, os órgãos podem se tornar hipóxicos, mesmo que o fluxo sanguíneo macroscópico possa aumentar. Essas anormalidades podem causar acidose láctica, disfunção celular e insuficiência de múltiplos órgãos.[56]
Os níveis de energia celular caem conforme a atividade metabólica começa a exceder a produção. Entretanto, a morte celular parece ser incomum na sepse, sugerindo que as células se fecham como parte da resposta sistêmica. Isso poderia explicar o motivo por que relativamente poucas alterações histológicas são encontradas na autópsia e a rápida resolução dos sintomas graves, como anúria e hipotensão, quando a inflamação sistêmica se remite.[57]
Classificação
Third International Consensus Definitions for Sepsis and Septic Shock (Sepsis-3) (2016)[1]
A sepse é uma disfunção de órgãos com risco de vida causada por uma resposta desregulada do hospedeiro a uma infecção.
O choque séptico é uma subcategoria de sepse na qual anormalidades metabólicas, celulares e circulatórias particularmente profundas estão associadas a um maior risco de mortalidade comparativamente ao resultante da sepse quando considerada isoladamente. O choque séptico pode ser definido clinicamente como um paciente diagnosticado com sepse, com hipotensão persistente que requer vasopressores para manter uma pressão arterial média ≥65 mmHg e um nível de lactato >2 mmol/L (>18 mg/dL), apesar da ressuscitação fluídica adequada.
Em virtude das revisões sobre a definição de sepse, o termo "sepse grave" (como descrito anteriormente nas definições do consenso internacional de 1991/2001) não deve ser mais usado.
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