Abordagem

O fundamento para a terapia de miocardite consiste em cuidados de suporte e terapia convencional para insuficiência cardíaca.[15][55][57][58]​​​[75]​​ Pode haver uma considerável sobreposição entre uma cardiomiopatia dilatada e a miocardite; cerca de 16% dos pacientes que apresentam cardiomiopatia dilatada aguda que se submetem a uma biópsia endomiocárdica têm miocardite confirmada por biópsia.[70] O tratamento, portanto, é direcionado ao manejo tanto de cardiomiopatia como de miocardite nos pacientes com cardiomiopatia concomitante.[76]

Instável hemodinamicamente com ou sem choque cardiogênico

Uma pequena proporção de pacientes com miocardite aguda apresentará insuficiência cardíaca fulminante, arritmias ventriculares sustentadas ou choque cardiogênico, exigindo monitoramento hemodinâmico invasivo e terapia farmacológica agressiva.[21]​ Pode ser introduzido um cateter na artéria pulmonar para ajudar a otimizar as pressões de enchimento cardíaco e para a titulação rápida das terapias cardiovasculares. A terapia farmacológica para os adultos pode incluir vasodilatadores como nitroprusseto de sódio, vasopressores como a noradrenalina e inotrópicos positivos como a dobutamina.[77] Uma bomba de balão intra-aórtico ou dispositivo de assistência ventricular esquerda (DAVE) pode ser necessário como ponte até a recuperação ou o transplante cardíaco.[57][78]​ Em crianças, o suporte inotrópico pode ser fornecido por milrinona ou dobutamina, com intensificação precoce para o suporte circulatório mecânico (como DAVE ou oxigenação por membrana extracorpórea [ECMO]), se necessário.[15]

Hemodinamicamente estável com disfunção sistólica ventricular esquerda (VE)

Deve-se iniciar o quanto antes um inibidor da ECA, um antagonista do receptor de angiotensina II, ou sacubitrila/valsartana. Um inibidor da proteína cotransportadora de sódio e glicose 2 (SGLT2) é recomendado quando o paciente estiver estável. A terapia com diuréticos, vasodilatadores e inotrópicos é usada tanto no contexto agudo quanto no crônico, com a finalidade de otimizar as pressões de enchimento intracardíaco e aumentar o débito cardíaco. A terapia com anticoagulação em longo prazo pode ser necessária para reduzir o risco de AVC ou de outra embolia arterial. Os pacientes com disfunção de VE devem evitar a prática de exercícios.[21]

Inibidor da enzima conversora de angiotensina (ECA), antagonista do receptor da angiotensina II ou sacubitrila/valsartana:

  • Além da eficácia demonstrada na insuficiência cardíaca crônica, estudos em animais sugerem que, quando iniciados precocemente na evolução da miocardite aguda, os antagonistas do sistema renina-angiotensina melhoram a sobrevida e inibem a progressão para cardiomiopatia dilatada.[79]

  • A eficácia de sacubitrila/valsartana para o tratamento da insuficiência cardíaca foi bem documentada e pode ser superior aos IECAs, embora faltem dados especificamente para miocardite. A sacubitrila é um inibidor da neprilisina.[80]

Inibidores de SGLT2:

  • Os inibidores de SGLT2 são recomendados para os adultos hospitalizados com insuficiência cardíaca, desde que estejam clinicamente estáveis.[81] Os inibidores de SGLT2 são recomendados nos adultos com insuficiência cardíaca crônica sintomática, independentemente da presença de diabetes, para reduzir a mortalidade cardiovascular e a hospitalização por insuficiência cardíaca.[57][82]

  • Estudos pré-clínicos sugerem um papel anti-inflamatório dos inibidores de SGLT2 na miocardite.[83][84]

Vasodilatador ou inotrópico:

  • Vasodilatadores orais arteriais (hidralazina) e venosos (nitratos como dinitrato de isossorbida) melhoram agudamente o débito cardíaco e diminuem as pressões pulmonar e de enchimento do VE.[77] Essa combinação de terapia também pode reduzir a morbidade e a mortalidade em pacientes com insuficiência cardíaca que são intolerantes a IECAs, antagonistas do receptor de angiotensina II ou sacubitrila/valsartana.[57]

  • Hidralazina e nitratos orais raramente são usados em cuidados pediátricos. Se vasodilatadores são necessários em crianças, os inibidores da ECA e agentes relacionados são frequentemente mais apropriados.

  • A milrinona (um inotrópico parenteral positivo e vasodilatador) normalmente é usada no ciclo de tratamento de crianças com evidências de disfunção sistólica ventricular esquerda, mesmo que estejam hemodinamicamente estáveis. A milrinona pode causar hipotensão ou, raramente, arritmias ventriculares.

Betabloqueadores:

  • Similarmente, os betabloqueadores (por exemplo, carvedilol, metoprolol, bisoprolol) devem ser iniciados assim que o paciente não apresentar mais insuficiência cardíaca agudamente descompensada

  • Mostrou-se que, em modelos animais de miocardite aguda, o início precoce dos bloqueadores beta-adrenérgicos reduz a inflamação miocárdica.[85][86]

  • Normalmente, o carvedilol é o betabloqueador preferido em crianças.

Antagonista da aldosterona:

  • Um antagonista da aldosterona (por exemplo, espironolactona, eplerenona) deve ser iniciado em pacientes com insuficiência cardíaca classe II a IV da New York Heart Association.[57]

  • A eplerenona não é recomendada em crianças.

Diuréticos:

  • Os diuréticos melhoram a hemodinâmica e o conforto do paciente.[57]

  • A volemia deve ser monitorada.

  • A terapia dupla com uma tiazida (ou um diurético tiazídico) (por exemplo, hidroclorotiazida, clorotiazida, metolazona) e um diurético de alça (por exemplo, furosemida) pode ser necessária em alguns pacientes para intensificar o efeito terapêutico.[57] O diurético tiazídico deve ser administrado ao mesmo tempo ou 30 minutos antes do diurético de alça.

Anticoagulantes:

  • Os pacientes com acinesia anteroapical ventricular esquerda ou aneurisma resultante de cardiomiopatia apresentam um aumento do risco de acidente vascular cerebral (AVC) ou outra embolia arterial secundário à formação de trombo no ventrículo esquerdo.[57]

  • A varfarina é adequada para reduzir o risco em crianças e adultos.

Terapias imunossupressoras e imunoglobulina intravenosa (IGIV)

Uma vez que as alterações miocárdicas de longo prazo associadas à miocardite parecem ser mediadas pela ativação imune celular e humoral anormal, supõe-se que a imunossupressão deve ser uma forma efetiva de tratamento. Apesar dessa lógica, os estudos sobre imunossupressão com o objetivo de atenuar a resposta imune na miocardite em adultos têm sido amplamente decepcionantes. Ensaios clínicos randomizados e controlados (ECRCs) prospectivos e bem desenhados envolvendo supressão imune com corticosteroides com ou sem ciclosporina ou azatioprina para o tratamento de miocardite confirmada por biópsia não mostraram melhora de longo prazo na fração de ejeção do VE (FEVE) ou benefício à sobrevida.[87][88]

Similarmente, o uso de IGIV para o tratamento de miocardite aguda tem sido avaliado em vários estudos pequenos. Um ECRC envolvendo pacientes com cardiomiopatia dilatada aguda recém-diagnosticada não encontrou benefício na mortalidade ou melhora na FEVE nos pacientes tratados com IGIV em comparação com os submetidos ao padrão de cuidados.[89] Essa ausência de benefícios persistiu nos pacientes com miocardite confirmada por biópsia. Uma revisão Cochrane que avaliou a IGIV para suposta miocardite viral em crianças e adultos não estabeleceu conclusões sobre sua eficácia devido à escassez de dados.[90] Em comparação com adultos, a IGIV é usada com muita frequência em pacientes pediátricos com miocardite. Em um estudo multicêntrico, a IGIV foi usada como agente terapêutico em 51% das crianças internadas com disfunção cardíaca leve, e em 88% das crianças internadas com função moderada ou pior.[24]

De maneira geral, os esquema imunossupressores padrão e a IGIV não podem ser recomendados para o tratamento de rotina da miocardite devido à falta de evidências robustas. A decisão de usá-los ou não deverá ser determinada caso a caso. As exceções a esse fato incluem pacientes com miocardite de células gigantes ou miocardite secundária a doenças autoimunes; mostrou-se que ambas as populações de pacientes se beneficiam da supressão da resposta imune de forma agressiva e precoce.[33][91]

Terapia voltada à causa específica de miocardite

Miocardite linfocítica (viral)

  • A miocardite linfocítica é tratada principalmente com cuidados de suporte e terapias padrão para insuficiência cardíaca. Como em todas as etiologias de miocardite, pacientes apresentando insuficiência cardíaca fulminante e choque cardiogênico podem exigir monitoramento hemodinâmico invasivo, terapia agressiva com diuréticos intravenosos ou com inotrópicos e até mesmo dispositivos mecânicos de suporte hemodinâmico. Em decorrência do alto índice de recuperação, a terapia agressiva é recomendada, principalmente no início da evolução da doença.

  • Na maioria dos casos, foi mostrado que a terapia imunossupressora é ineficiente na miocardite viral.[92] [ Cochrane Clinical Answers logo ] Existem dados insuficientes para dar suporte ao benefício da gamaglobulina intravenosa.[90] Novas terapias com medicamentos imunomoduladores, como betainterferona, têm-se mostrado altamente promissoras em estudos clínicos fase II.[93]

  • Para pacientes com gripe (influenza) documentada, os agentes antivirais podem ser benéficos. De maneira similar, em indivíduos com infecção por SARS-CoV-2, tanto agentes antivirais quanto anticorpos monoclonais podem ser usados. Para obter mais informações sobre o tratamento da infecção por influenza e da infecção por SARS-CoV-2, consulte Infecção por influenza e Doença do coronavírus 2019 (COVID-19).

Miocardite de células gigantes

  • Essa é uma doença rara e rapidamente progressiva, que provavelmente constitui o mais fatal de todos os casos de miocardite.[9] Arritmias ventriculares que representam risco à vida são observadas em 14% dos pacientes com miocardite de células gigantes na primeira apresentação, evoluindo para arritmias refratárias em mais da metade dos pacientes.[21] ​Embora tenha sido mostrado que os regimes imunossupressores agressivos melhoram apenas de forma modesta a sobrevida, dados limitados sugerem que eles prolongam a vida o suficiente para permitir um tratamento mais efetivo com transplante cardíaco.[10][91][94]

Miocardite relacionada a doença autoimune

  • Pacientes com miocardite decorrente de doenças do sistema autoimune geralmente apresentam uma resposta significativa a regimes imunossupressores agressivos, incluindo corticosteroides sistêmicos. Estudos em animais com terapias através de substâncias imunomoduladoras, como rapamicina e micofenolato de mofetila, são promissores.

Miocardite por hipersensibilidade

  • Acredita-se que a miocardite por hipersensibilidade esteja relacionada a uma relação alérgica a vários medicamentos. Com a remoção do agente desencadeante e o tratamento com corticosteroides sistêmicos, a melhora clínica é de praxe.[95]

Miocardite chagásica

  • A doença de Chagas é a causa mais comum de miocardite no mundo. Os pacientes com miocardite chagásica devem ser tratados com um agente antiparasitário adequado; consulte Doença de Chagas para obter informações detalhadas sobre o tratamento. O tratamento da insuficiência cardíaca dessa doença consiste principalmente no manejo dos sintomas. Muitas vezes, é necessário um marca-passo permanente com desfibrilador, em virtude das anormalidades de condução e arritmias ventriculares. A terapia imunossupressora é controversa; o transplante cardíaco é frequentemente necessário para a insuficiência cardíaca refratária.[33]

Miocardite relacionada a inibidor de checkpoint imunológico (ICI)[32]

  • O ICI deve ser descontinuado imediatamente, e o tratamento com metilprednisolona intravenosa em altas doses deve ser iniciado. Ele pode ser trocado por uma dosagem de desmame de prednisolona oral, se os pacientes apresentarem sinais contínuos de melhora clínica. Os pacientes refratários a corticosteroides ou hemodinamicamente instáveis com miocardite fulminante devem ser tratados com terapia imunossupressora de segunda linha. Vários agentes de segunda linha estão em pesquisa (por exemplo, micofenolato, abatacepte, IGIV), e recomenda-se obter orientação de um especialista. Após a recuperação, uma equipe multidisciplinar deve analisar se a terapia com ICI deve ser reiniciada.

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