Etiologia
Na maioria dos pacientes com miocardite não há causa identificada, e o caso é classificado como idiopático ou de causa indefinida. Naqueles com causa identificada, as etiologias comuns podem ser infecciosas ou não infecciosas.[4][5][25][26][27][28][29][30][31][32][33][34][35]
Causas infecciosas:
Viral
SARS-CoV-2
Influenza A e B
Adenovírus
Coxsackie B
Flavivírus (por exemplo, dengue, febre amarela)
Hepatites B e C
Caxumba
Sarampo
Rubéola
Vírus da imunodeficiência humana (HIV)-1
Ecovírus
Vírus Epstein-Barr
Citomegalovírus
Parvovírus B-19
Herpes-vírus humano tipo 6
Poliovírus
Raiva
Varicela-zóster
Herpes simples
Vaccinia
Chikungunya
Vírus sincicial respiratório
Bacteriana
Micobactérias (tuberculose)
Infecção por estreptococos
Pneumonia por micoplasma
Espécies de clamídia
Corynebacterium diphtheriae
Infecção por estafilococos
Infecção por Clostridium
Espécies de Neisseria
Espiroqueta
Borrelia burgdorferi (doença de Lyme)
Leptospira (leptospirose)
Treponema pallidum (sífilis)
Micótica
Aspergillus
Cândida
Coccidioides
Cryptococcus
Histoplasma
Nocardia
Blastomyces
Protozoários e Helmintos
Trypanosoma cruzi (doença de Chagas)
Trypanosoma brucei (doença do sono africana)
Toxoplasma gondii (toxoplasmose)
Plasmodium falciparum (malária)
Taenia solium (cisticercose)
Schistosoma (esquistossomose)
Toxocara canis (larva migrans visceral)
Rickettsia
Coxiella burnetii (febre Q)
Rickettsia rickettsii (febre maculosa das Montanhas Rochosas)
Causas não infecciosas:
Relacionadas a toxinas/medicamentos
Antraciclinas (por exemplo, doxorrubicina, daunorrubicina, epirrubicina, idarrubicina)
Fluoropirimidinas (por exemplo, fluoruracila, capecitabina)
Imunoterapias (por exemplo, ipilimumabe, tremelimumabe, nivolumabe, pembrolizumabe, cemiplimabe, atezolizumabe, avelumabe, durvalumabe e trastuzumabe)
Arsênico
Zidovudina
Monóxido de carbono
Etanol
Ferro
Interleucina-2
Cocaína
Anfetamina
Vacina contra varíola ou mpox (varíola símia)
Vacinas de RNAm contra SARS-Cov-2 (COVID-19; pode ocorrer com outros tipos de vacina contra COVID-19)
Catecolaminas (por exemplo, adrenalina, noradrenalina e dopamina)
Ciclofosfamida
Metais pesados (cobre, ferro, chumbo)
Irradiação
Hipersensibilidade
Antibióticos (penicilinas, cefalosporinas, sulfonamidas)
Anfotericina B
Diuréticos tiazídicos
Anticonvulsivantes (carbamazepina, fenitoína, fenobarbital)
Digoxina
Lítio
Amitriptilina
Clozapina
Veneno de cobra
Veneno de abelha
Veneno da aranha viúva-negra
Veneno do escorpião
Veneno de vespa
Distúrbios sistêmicos
Doença reumática cardíaca
Doenças autoimunes (lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide)
Doença inflamatória intestinal (doença celíaca, doença de Crohn)
Miocardite de células gigantes
Doenças vasculares do colágeno
Sarcoidose (miocardite granulomatosa idiopática)
Tireotoxicose
Granulomatose com poliangiite (anteriormente conhecida como granulomatose de Wegener)
Síndrome de Loeffler (síndrome hipereosinofílica com doença eosinofílica endomiocárdica)
Doença do enxerto contra o hospedeiro
Rejeição pós-transplante cardíaco
Para obter mais informações sobre a associação entre infecção por SARS-CoV-2, vacinação para SARS-CoV-2 e miocardite, consulte Doença do coronavírus 2019 (COVID-19).
Fisiopatologia
A patogênese da miocardite não é inteiramente clara. No entanto, na miocardite viral, modelos animais envolveram três mecanismos significativos:[25][36]
Um organismo infeccioso invade diretamente o miocárdio
Rapidamente sobrevém ativação imunológica local e sistêmica
Ocorre ativação celular (CD4+) e humoral (multiplicação clonal de células B), causando o agravamento da inflamação local, a produção de anticorpo antimiocárdio e a mionecrose adicional.
Estes três eventos podem ocorrer no mesmo hospedeiro. Entretanto, o caminho predominante pode ser diferente, dependendo das características individuais da espécie infecciosa, das defesas inatas do organismo do hospedeiro e das predileções potencialmente genéticas. A hipótese dos “dois eventos (two hit)” sugere que os pacientes com mutações genéticas podem estar predispostos a desenvolver miocardite após exposição a certos fatores, como agentes infecciosos. Essa teoria é apoiada por estudos clínicos em crianças e adultos.[37][38][39] No entanto, mais estudos são necessários.
A primeira fase da miocardite mediada por vírus é caracterizada por viremia no organismo hospedeiro. Durante esse período, o vírus de RNA cardiotrópico entra no miócito do hospedeiro através de endocitose mediada por receptores.[40][41] Ali o RNA viral é traduzido em proteína viral, e o genoma viral é incorporado ao DNA da célula do hospedeiro como RNA de cadeia dupla. Foi demonstrado que esse último mecanismo acarreta a clivagem da distrofina, o que é considerada uma causa direta de disfunção nos miócitos.
Durante a segunda e terceira fase, os macrófagos, as células Natural Killer e outras células inflamatórias se infiltram no miocárdio. Uma vez no miocárdio, essas células expressam citocinas inflamatórias, incluindo interleucina-1, interleucina-2, gamainterferona e fator de necrose tumoral (TNF).[42] Esse processo ocasiona a produção aumentada de citocinas e causa a ativação de células endoteliais, resultando em maior infiltração de células inflamatórias. O TNF isolado também atua como um agente inotrópico negativo.[43] Além disso, são produzidos autoanticorpos contra proteínas contráteis miocárdicas e estruturais. Acredita-se que isso tenha efeitos citopáticos sobre o metabolismo energético, a homeostase do cálcio e a transdução de sinal, e que também cause ativação do complemento, ocasionando a lise dos miócitos.[44]
Outras etiologias podem desencadear a resposta inflamatória por meio de diferentes vias que levam à inflamação, infiltração e lesão do miocárdio.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Achados de autópsia em um paciente com miocardite. O coração explantado (A e B) está aumentado e adelgaçado, com dilatação principalmente do ventrículo direito. O átrio direito está moderadamente dilatado e o esquerdo não está aumentado (B)De: Rasmussen TB, Dalager S, Andersen NH, et al. BMJ Case Reports 2009; doi:10.1136/bcr.09.2008.0997 [Citation ends].
Classificação
Classificação clinicopatológica[2]
Miocardite fulminante: apresentação com doença aguda após uma síndrome viral distinta. O estudo histológico revela múltiplos focos de miocardite ativa. O quadro clínico consiste em comprometimento cardiovascular e disfunção ventricular graves. Este subgrupo de um risco extremamente alto de doença grave, deterioração rápida e morte súbita. No entanto, se houver suporte adequado, inclusive suporte mecânico, as chances de recuperação são boas.
Miocardite aguda: apresentação com início insidioso da doença e evidência de disfunção ventricular estabelecida. Esse subgrupo pode evoluir para cardiomiopatia dilatada.
Miocardite ativa crônica: apresentação com início insidioso da doença com recidivas clínicas e histológicas apresentando desenvolvimento de disfunção ventricular esquerda e alterações inflamatórias recorrentes crônicas.
Miocardite persistente crônica: apresentação com início insidioso da doença, caracterizada por um infiltrado histológico persistente com focos de necrose de miócitos. Clinicamente, não ocorre disfunção ventricular, apesar da presença de outros sintomas cardiovasculares (como palpitações ou dor torácica).
Variantes importantes
Miocardite linfocítica (viral)
Causa mais comum de miocardite nos EUA, ela é caracterizada por infiltrado miocárdio, sendo os linfócitos as células inflamatórias predominantes.[3][4][5][6]
Cardiopatia de Chagas
A miocardite associada à infecção por Trypanosoma cruzi é a causa mais comum de insuficiência cardíaca no mundo.[7]
Histopatologicamente caracterizada por um infiltrado miocárdico predominantemente linfocitário no contexto de uma história conhecida de infecção por T cruzi. Por meio de técnicas imuno-histoquímicas especializadas e métodos de amplificação de reação em cadeia da polimerase, podem ser encontrados antígenos parasitários através da biópsia endomiocárdica.[8]
Miocardite de células gigantes
Distúrbio inflamatório raro e frequentemente fatal do músculo cardíaco, caracterizado histologicamente por:
Infiltrado inflamatório com a presença de células gigantes multinucleadas
Degeneração e necrose disseminadas das fibras miocárdicas
Ausência de granulomas (para diferenciar de sarcoidose cardíaca).
Apesar da melhora parcial com terapia imunossupressora agressiva, o prognóstico é desfavorável, mas melhora significativamente com transplante cardíaco.[9][10]
Miocardite por hipersensibilidade
Uma forma de inflamação miocárdica autoimune frequentemente relacionada a medicamentos e que se manifesta com erupção cutânea aguda, febre e eosinofilia periférica.[11] Histologicamente, ela é mais frequentemente caracterizada por um infiltrado intersticial miocárdico com eosinófilos proeminentes, mas pouca necrose de miócitos.[12]
Miocardite viral com arritmia ventricular
Pode ocorrer arritmia ventricular polimórfica sem miocardite de células gigantes à apresentação nos pacientes com miocardite viral, e ela pode representar uma infecção sistêmica em curso, enquanto uma arritmia ventricular monomórfica pode sugerir um processo cardiomiopático crônico com desfechos desfavoráveis em longo prazo.[13][14]
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