Abordagem

Em comum com todos os transtornos relacionados ao uso de substâncias, o diagnóstico do transtorno relacionado ao uso de cocaína se baseia na avaliação clínica por meio de uma combinação de entrevista com o paciente, história colateral e revisão dos registros médicos disponíveis. Vários sinais e sintomas, além de exames laboratoriais, podem fornecer evidências adicionais de um uso de substâncias recente ou em longo prazo, ou de abstinência do uso.

Para os pacientes que tiverem usado cocaína recentemente, é importante avaliar para sintomas de intoxicação por cocaína, como dor torácica, perda de consciência (como resultado de uma convulsão induzida por cocaína) ou queixas neurológicas focais (por exemplo, fraqueza, perda sensorial, afasia, déficit do campo visual, ataxia). Qualquer um deles requer investigação e tratamento de emergência. Consulte Toxicidade por cocaína.

História

O transtorno relacionado ao uso de cocaína é definido como a presença de dois ou mais dos seguintes itens ao longo de um período de 12 meses:[1]

  • Usar quantidades maiores de cocaína ou por um período mais longo que o pretendido

  • Desejo persistente de eliminar ou esforços malsucedidos de controlar o uso

  • Grande quantidade de tempo utilizado para obter, usar ou se recuperar após o uso

  • Fissura, forte desejo ou necessidade de fazer uso da substância

  • Falha ao cumprir obrigações no trabalho, na escola ou em casa em razão de um uso recorrente de cocaína

  • Uso continuado apesar de problemas sociais ou interpessoais, persistentes ou recorrentes, causados ou agravados pelos efeitos do uso da cocaína

  • Abandono ou redução de atividades sociais, ocupacionais ou recreacionais em decorrência do uso de cocaína

  • Uso recorrente de cocaína em situações fisicamente perigosas

  • Uso continuado de cocaína apesar da consciência de se ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente causado ou exacerbado pelo uso da substância

  • Tolerância (necessidade de quantidades acentuadamente elevadas; efeito claramente reduzido com o uso continuado da mesma quantidade)

  • Abstinência manifestada após a interrupção do uso de cocaína ou uso de cocaína (ou substância intimamente relacionada) para aliviar ou evitar sintomas de abstinência.

A gravidade do transtorno relacionado ao uso de cocaína é classificada como leve (presença de 2-3 sintomas), moderada (4-5 sintomas) ou grave (6 ou mais sintomas). Deve-se especificar se o indivíduo está em um ambiente onde o acesso à cocaína é restrito.

Perguntas sobre o seguinte orientam a avaliação de risco e informam as medidas de redução de danos:[27]

  • Quantidade e frequência do uso, incluindo uso massivo

  • Via de administração

  • Uso de estimulantes sem a presença de outras pessoas

  • Uso combinado com bebidas alcoólicas ou outras drogas

  • História de overdose

  • História de idas a prontos-socorros e hospitalizações relacionadas a estimulantes

  • História de tratamento prévio (inclusive abstinência supervisionada por médicos)

  • Comportamentos sexuais de risco

  • História de transtorno de saúde mental, inclusive depressão

  • Ideação suicida

Uma avaliação biopsicossocial é recomendada, incluindo a idade de início do uso de substâncias, a história familiar de problemas relacionados ao uso de substâncias, riscos contínuos relacionados ao uso de substâncias e comportamentos associados, história e desfechos do tratamento, funcionamento psicossocial e fatores que possam orientar as necessidades de tratamento e apoio à recuperação. Isso inclui os determinantes sociais da saúde, como o acesso a habitação segura, o bem-estar econômico e os desafios para o transporte.[27]

Exame

O uso de cocaína causa um estado hiperadrenérgico associado a uma atividade mental anormal. Os sintomas do estado hiperadrenérgico são os mesmos, não importa a droga ou a doença causadora; eles incluem náuseas, agitação, dificuldade de concentração, ansiedade, paranoia e euforia. Enquanto alguns sintomas hiperadrenérgicos (taquicardia, hipertensão, hipertermia e agitação) sugerem a necessidade de internação do paciente (normalmente sob cuidados intensivos), os sintomas hiperadrenérgicos leves podem ser tratados no cenário clínico.[27]

Vários efeitos físicos podem ser observados nos pacientes que já fumaram, injetaram ou cheiraram cocaína por um período de tempo mais prolongado.[1][28][29][30][31][32]

  • Os efeitos físicos de fumar cocaína incluem:

    • Lesões orais relacionadas ao calor, como vesículas, feridas e cortes

    • Queimaduras nos polegares

    • Problemas respiratórios (por exemplo, dispneia, tosse, bronquite)

    • Distúrbios orais (por exemplo, xerostomia, feridas na boca)

  • Os efeitos físicos de injetar cocaína incluem:

    • Marcas de perfuração na pele (geralmente no antebraço)

    • infecções cutâneas e de tecidos moles

  • Os efeitos físicos do uso intranasal de cocaína incluem:

    • Sinusite, perfuração do septo nasal e sangramento da mucosa nasal

Os outros possíveis achados associados ao uso em longo prazo incluem problemas gastrointestinais, comprometimento neurocognitivo, diaforese, midríase, bruxismo e queixas neurológicas focais (por exemplo, fraqueza, tremor, alteração das sensações, dificuldade na fala, perda de campo visual, problemas de coordenação).

A cocaína contaminada com levamisol pode causar agranulocitose e outros distúrbios hematológicos, necrose da pele e sintomas de hipertensão pulmonar.[3][4][33]

A síndrome de abstinência se caracteriza pelo desenvolvimento de humor disfórico acompanhado de duas ou mais alterações fisiológicas: fadiga, sonhos vívidos ou desagradáveis, insônia ou hipersonia, aumento do apetite, retardo ou agitação psicomotores. A bradicardia costuma estar presente e representa uma medida confiável da abstinência de estimulantes.[1]

Investigações iniciais

Após a coleta da história e o exame físico, podem ser necessários exames adicionais.[34]

  • Exames toxicológicos da urina: os resultados fornecidos pela maioria dos testes de rastreamento são baseados na detecção da benzoilecgonina, um metabólito inativo com uma meia-vida muito mais longa que a cocaína. A benzoilecgonina é usada tanto no cenário clínico como no forense para indicar o uso de cocaína devido à meia-vida curta da cocaína. O cocaetileno pode ser detectado na presença de álcool. Caso seja colocado um peso substancial no resultado do teste (por exemplo, por razões forenses, proteção a crianças), deve ser realizado um exame confirmatório com o uso de cromatografia líquida ou gasosa/espectrometria de massa.[34]

  • Exame cardiovascular: indicado para os pacientes com dor torácica e/ou elevação perigosa da pressão arterial.[35]​ O uso da cocaína pode desencadear infarto agudo do miocárdio nos indivíduos com transtorno relacionado ao uso de cocaína que têm patologia miocárdica e/ou doença arterial coronariana subjacente.

  • Exame neurológico: uma imagem cerebral e/ou um eletroencefalograma podem-se justificar se o paciente apresentar convulsões (especialmente se recorrentes) ou sintomas neurológicos focais.

Após a estabilização, os pacientes devem ser avaliados quanto a doenças infecciosas, caso isso ainda não tenha sido feito, incluindo exames para HIV, hepatite B e C e outras ISTs, bem como tuberculose.[34]​ O local dos testes para clamídia e gonorreia é determinado por todos os sítios de potencial exposição. Embora faltem evidências, este conselho é baseado na opinião de especialistas, dada a maior prevalência dessas doenças nos pacientes com transtornos por uso de estimulantes, independentemente da via de administração.[27]

Outras investigações

Com base na história, na sintomatologia e na presença de fatores de risco, podem ser necessários testes adicionais para avaliar as complicações clínicas do uso de substâncias.[27]​ Eles incluem o hemograma completo, eletrólitos, testes das funções hepática e renal e enzimas musculares. O contaminante da cocaína levamisol foi associado a agranulocitose.[3][27]​​[33]

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