Abordagem

O risco de doença relacionada à sobrecarga de ferro (IORD) em pessoas com ferritina sérica basal <2250 picomoles/L (<1000 nanogramas/mL) é baixo.[31] Estudos também têm mostrado que, ao longo de uma década, apenas cerca de 1 em 3 homozigotos C282Y de meia-idade não tratados com ferritina inicial abaixo de 2250 picomoles/L (1000 nanogramas/mL) evoluirão para uma ferritina que ultrapasse esse limite.[56] Estes achados sugerem que a observação com monitoramento da ferritina sérica pode ser uma estratégia razoável para o tratamento de alguns pacientes com hemocromatose assintomática com elevações leves de ferritina.[56]

Embora muitos pacientes com hemocromatose relatem melhora subjetiva no bem-estar após a flebotomia, outros consideram o procedimento oneroso devido à necessidade de acesso venoso, tempo necessário, etc.[57] Apesar da ausência de evidências, opiniões de especialistas e diretrizes de prática recomendam flebotomia para qualquer paciente com hemocromatose com evidência de reservas expandidas de ferro no organismo na premissa de que o tratamento é seguro, eficaz e de simples execução. O objetivo do tratamento inicial é esgotar as reservas corporais de ferro e o objetivo do tratamento de manutenção é prevenir a reacumulação.[8]

Mudanças no estilo de vida

Em geral, os pacientes devem seguir uma dieta normal e saudável.[8]​ Todos os pacientes devem ser instruídos a evitar alimentos fortificados com ferro ou suplementos contendo ferro.[8][54]

Os suplementos contendo vitamina C também devem ser evitados, pois a vitamina C pode levar a um aumento na absorção intestinal de ferro alimentar.[4][7][8]​​ Apesar disso, alguns médicos podem recomendar baixas doses de vitamina C em pacientes que iniciaram terapia quelante de ferro parenteral. Isso ocorre porque ela aumenta a disponibilidade de ferro para quelação com desferroxamina.

Os pacientes devem ser orientados a evitar excesso de bebidas alcoólicas (ou evitar completamente, se houver presença de doença hepática). Devem ser evitados mariscos crus/mal cozidos e o contato de feridas com água do mar, devido à suscetibilidade dos pacientes com hemocromatose a infeções bacterianas sistêmicas raras, mas graves, por Vibrio vulfinicus.[8]

As vacinações contra hepatite A e B podem ser consideradas em pacientes não expostos ao vírus da hepatite.[58][59]

Estadiamento para tratamento da hemocromatose do tipo 1 (relacionada ao HFE)

O sistema de estadiamento a seguir pode ser usado para orientar a terapia:[6]

  • Estágio 0: homozigosidade da C282Y com saturação normal de transferrina sérica e ferritina normal, sem sintomas clínicos

  • Estágio 1: homozigosidade da C282Y com saturação elevada de transferrina plasmática (>45%) e ferritina normal, sem sintomas clínicos

  • Estágio 2: homozigose de C282Y com saturação de transferrina aumentada (>45%) e ferritina sérica (>300 microgramas/L em homens, >200 microgramas/L em mulheres), mas sem sintomas clínicos

  • Estágio 3: homozigose de C282Y com saturação elevada de transferrina (>45%) e ferritina sérica (>300 microgramas/L em homens, >200 microgramas/L em mulheres), bem como sintomas clínicos que afetam a qualidade de vida que são atribuídos a essa doença (por exemplo, astenia, impotência e artropatia)

  • Estágio 4: homozigose de C282Y com saturação elevada de transferrina (>45%) e ferritina sérica (>300 microgramas/L em homens, >200 microgramas/L em mulheres) e sintomas clínicos que manifestam lesão de órgão predispondo à morte precoce (por exemplo, cirrose com risco de carcinoma hepatocelular, diabetes insulinodependente e cardiomiopatia).

Doença em estágio 0

Os pacientes devem ser monitorados a cada 3 anos com história, exame físico e exames de sangue, incluindo nível de ferritina sérica e saturação de transferrina sérica em jejum.[6]

Doença em estágio 1

Os pacientes devem ter o mesmo esquema de monitoramento do estágio 0, mas anualmente.[6][54]

Doença em estágios 2, 3 e 4

Os pacientes devem ser iniciados em um esquema terapêutico com flebotomia.[6][8]​​[54]​ Isso começa com flebotomia semanal (ou 2 vezes por semana) em uma fase de indução e depois transita para uma fase de manutenção de flebotomia intermitente (frequência variável: geralmente 2 a 6 flebotomias/ano) com o objetivo de manter um nível de ferritina sérica de 112-225 picomoles/L (50-100 nanogramas/mL).[4][7][8][54] Em pacientes com doença cardiovascular preexistente ou hipotensão, recomenda-se iniciar a terapia a cada 14 dias e, depois, aumentar a frequência para semanal, conforme tolerado.

Ao remover o sangue, a medula óssea do paciente é estimulada a produzir novos eritrócitos usando o ferro armazenado. Cada 1 mL de eritrócitos concentrados contém aproximadamente 1 mg de ferro; sendo assim, a remoção de 500 mL de sangue com um hematócrito de 40% remove aproximadamente 200 mg de ferro. Cada unidade de sangue flebotomizado deve reduzir a ferritina em aproximadamente 67 picomoles/L (30 nanogramas/mL). A flebotomia deve ser iniciada com a remoção de 7 mL/kg de peso corporal de sangue por sessão (no máximo 550 mL por sessão) semanalmente.[6] Os pacientes devem ser orientados a manter a hidratação adequada antes da flebotomia e evitar exercícios vigorosos por pelo menos 24 horas após a flebotomia. A hemoglobina e o volume corpuscular médio devem ser medidos antes de cada tratamento, e o tratamento deve ser adiado se a hemoglobina for <11 g/dL. A ferritina sérica deve ser verificada após as 10 a 12 flebotomias iniciais. Exames mais frequentes podem ser necessários à medida que a ferritina sérica do paciente se aproxima do intervalo almejado, para prevenir o desenvolvimento de deficiência de ferro.[54]​ Os níveis de saturação de transferrina geralmente permanecem elevados até que os estoques de ferro sejam depletados.[54]

Os pacientes dispostos a aderir a uma dieta com baixo teor de ferro podem reduzir as necessidades anuais de flebotomia durante a fase de manutenção em 0.5 a 1.5 litros.[60]​ Pacientes com hemocromatose, mas que não apresentam danos significativos aos órgãos, podem se tornar doadores regulares de sangue durante a fase de manutenção.[8]

Em homozigotos de C282Y de meia-idade assintomáticos, cuja ferritina inicial é apenas discretamente elevada (por exemplo, <500 microgramas/L), pode ser razoável monitorar sem tratamento.[56] Se a flebotomia for adiada, a ferritina sérica deve ser verificada anualmente. O tratamento deve ser instituído se houver elevação da ferritina ou desenvolvimento dos sintomas.

A eritrocitaférese (um procedimento de aférese no qual os eritrócitos são separados do sangue total) é uma alternativa à flebotomia.[4][7][8]​ Assim como a flebotomia, envolve uma fase de indução e manutenção, e tem os mesmos níveis alvo de ferritina.[8]​ Resulta em menos alterações hemodinâmicas, bem como menos procedimentos e menor duração do tratamento na fase de indução em comparação com a flebotomia.[8]​ Reações leves ao citrato são comuns.[8]

Os inibidores da bomba de prótons (IBP) podem ser úteis em alguns pacientes. Eles aumentam o pH gástrico, o que por sua vez reduz a absorção de ferro não-heme, o que pode potencialmente reduzir o número de flebotomias necessárias para manter os alvos de ferritina sérica.[4][7][8]​ Contudo, tendo em conta os efeitos relativamente modestos dos IBP, estes podem ser considerados como um tratamento adjuvante e não como primeira ou segunda linha.[8]

Doença nos estágios 2, 3 e 4 em que a flebotomia/eritrocitaférese é contraindicada

Em geral, a terapia quelante de ferro deve ser reservada para pacientes nos quais a flebotomia/eritrocitaférese é contraindicada ou não é viável/disponível (isto é, anemia, cardiopatia grave ou problemas graves de acesso venoso).[6][8]​​​ Só deve ser utilizado após cuidadosa avaliação de risco por um especialista; a quelação de ferro está associada a efeitos adversos, como toxicidade hepática e renal.[4][7][8]

Foi relatado tratamento com o quelante de ferro parenteral desferrioxamina e com os quelantes de ferro orais deferasirox e deferiprona.[8]​ A maior evidência na hemocromatose ocorre com o deferasirox oral, que demonstrou reduzir efetivamente os níveis de ferritina em pacientes com hemocromatose do tipo 1.[8][61][62] No entanto, o deferasirox não deve ser utilizado em pacientes com doença hepática avançada e pode estar associado a efeitos adversos gastrointestinais e comprometimento da função renal.[4][7][8] O uso de um agente quelante oral pode melhorar a adesão em comparação com uma formulação parenteral.[4][7]​ O uso desses agentes pode ser off-label para hemocromatose.​

Em algumas circunstâncias, a terapia quelante de ferro pode ser utilizada em combinação com flebotomia/eritrocitaférese (por exemplo, em casos de manifestação clínica grave de hemocromatose juvenil).[8]

A terapia quelante de ferro pode estar associada a alterações visuais e auditivas, e a visão e audição devem ser verificadas pelo menos uma vez ao ano.

Manejo de pacientes com hemocromatose que não são homozigotos para C282Y

Os pacientes heterozigóticos para C282Y/H63D (ou homozigóticos para H63D) devem ser tratados com base na sua apresentação fenotípica e na presença de fatores de risco adicionais.[8]​ Se apresentarem evidências de sobrecarga de ferro, devem ser investigados para outras causas dessa sobrecarga, podendo ser tratados com flebotomia, mas isso requer avaliação clínica específica do paciente.[8]

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