Abordagem
Em muitos casos, o diagnóstico é feito incidentalmente ou após rastreamento motivado por diagnóstico de hemocromatose em um membro da família. Nesses casos, o paciente pode não apresentar qualquer sintoma ou complicação da doença. A hemocromatose deve ser considerada em pacientes com astenia crônica inexplicada, artropatia, impotência, hiperpigmentação, anormalidades em testes de função hepática ou cirrose, diabetes, cardiomiopatia, porfiria cutânea tardia (caracterizada por doença cutânea, como pele frágil, vesículas, bolhas e disfunção hepática leve), condrocalcinose (calcificação radiográfica na hialina e/ou fibrocartilagem), carcinoma hepatocelular e hiperferritinemia. Pacientes com ferro hepático aumentado (evidente em biópsia hepática ou ressonância nuclear magnética [RNM]) também devem ser avaliados para hemocromatose.[8]
Avaliação clínica
Embora letargia, fadiga, perda da libido e bronzeamento da pele sejam considerados os principais sintomas de hemocromatose, um estudo de base populacional indicou que esses sintomas e sinais não são mais comuns em homozigotos C282Y que em indivíduos sem mutações do gene HFE.[28]
Homozigotos C282Y com sangramento crônico por qualquer razão (por exemplo, origem gastrointestinal, menstruação, doação regular de sangue) podem apresentar início tardio dos sintomas.
Exames de sangue laboratoriais
O primeiro passo no diagnóstico é verificar a saturação sérica da transferrina e os níveis séricos de ferritina.[4][7][8] A saturação de transferrina é um marcador fenotípico comum de hemocromatose que pode estar presente antes da expansão das reservas de ferro no corpo (indicada pelo aumento de ferritina sérica). Há variabilidade biológica substancial na saturação de transferrina, que não é mitigada por jejum.[39] A saturação da transferrina é geralmente considerada elevada se for >45%. A European Association for the Study of the Liver é mais específica, afirmando que a saturação da transferrina é elevada se for >45% nas mulheres e >50% nos homens.[8][23] Se houver forte suspeita de hemocromatose e a saturação de transferrina inicial estiver dentro da faixa normal, é razoável repetir o exame e/ou prosseguir com teste adicional.
Os níveis de ferritina são usados para estimar a magnitude da sobrecarga de ferro; níveis >300 microgramas/L em homens e >200 microgramas/L em mulheres são considerados elevados.[8][23] A probabilidade de complicações clínicas graves aumenta com os níveis de ferritina >2250 picomoles/L (>1000 nanogramas/mL).[29][30][31] A ferritina elevada em testes incidentais pode levar à suspeita de hemocromatose. A ferritina é, entretanto, um reagente de fase aguda; elevações isoladas na ferritina sérica podem, portanto, levar a testes desnecessários para hemocromatose.[40]
Em seguida, devem ser considerados testes genéticos para hemocromatose.[4][7][8] A homozigosidade da mutação C282Y é a anomalia genética mais comum associada à doença. Uma heterozigosidade de mutação composta (C282Y/H63D) pode levar a uma variante fenotípica leve, mas isso geralmente também requer outros fatores de risco adquiridos.[4][7] Muito raramente, a homozigosidade H63D está associada ao fenótipo clínico de hemocromatose e só fica evidente no contexto de comorbidade. Uma mutação heterozigótica simples (ou seja, C282Y/WT) praticamente nunca causa doença clínica.
A genotipagem para C282Y deve ser realizada em pessoas de origem europeia com evidência bioquímica de sobrecarga de ferro (mulheres com saturação de transferrina >45% e ferritina sérica >200 microgramas/L, e homens com saturação de transferrina >50% e ferritina sérica >300 microgramas/L, ou saturação de transferrina persistentemente elevada e inexplicável), independentemente de apresentarem ou não sinais ou sintomas clínicos indicativos de hemocromatose.[8] Na prática atual, a demonstração de homozigosidade C282Y juntamente com saturação elevada de transferrina e ferritina sérica é considerada suficiente para fazer o diagnóstico de hemocromatose.[5][8]
A genotipagem para H63D pode ser realizada em determinadas situações, embora o seu valor seja controverso, pois não é necessário para o diagnóstico de hemocromatose e geralmente não é utilizado para orientar o tratamento.[8] No entanto, a maioria dos exames laboratoriais genéticos testa os genótipos C282Y e H63D juntos.[4][7][8] Variantes raras de hemocromatose devem ser investigadas em pacientes com evidência de sobrecarga de ferro significativa e inexplicada que não sejam homozigotos C282Y, bem como em indivíduos jovens com evidência bioquímica e clínica de hemocromatose.[8]
A genotipagem também é recomendada em parentes adultos de primeiro grau de pacientes com hemocromatose.[4][7][8]
Exames posteriores
Os seguintes exames podem ser solicitados para avaliar o grau de deposição e/ou dano de ferro nos tecidos:
Todos os pacientes com hemocromatose devem ser avaliados quanto à fibrose hepática no momento do diagnóstico, utilizando técnicas não invasivas, para orientar o tratamento e acompanhamento adequados.[8] Os testes podem incluir teste de fibrose no soro (por exemplo, índice de proporção de aspartato aminotransferase para plaquetas [APRI] e FIB-4 (idade do paciente, contagem plaquetária, aspartato aminotransferase e alanina aminotransferase) e elastografia transitória, embora poucos estudos tenham validado seu uso.[8]
RNM hepática: uma forma não invasiva de estimar o teor de ferro no fígado com boa sensibilidade e especificidade.[41]
Biópsia hepática: este é um teste sensível e específico para medir o conteúdo de ferro no fígado que também permite ao patologista avaliar lesões relacionadas à sobrecarga de ferro, especificamente fibrose ou cirrose. No entanto, com o desenvolvimento de métodos não invasivos para quantificar os níveis de ferro e a fibrose, a biópsia hepática é agora realizada com menos frequência para avaliar a sobrecarga de ferro ou a fibrose hepática, mas é frequentemente reservada para a detecção de cirrose.[4][7][8]
TFHs: saturação de transferrina e ferritina são comumente obtidas ao longo da avaliação de aminotransferases elevadas. No entanto, a hemocromatose não causa rotineiramente elevações de alanina aminotransferase (ALT) e aspartato transaminase (AST), mesmo em pacientes com fibrose hepática avançada.[42][43] A presença de leves elevações de aminotransferase pode sugerir uma causa adicional de doença hepática crônica (por exemplo, hepatite viral, esteatose hepática).[44]
Glicemia de jejum: deve ser verificada em todos os pacientes com nível elevado de ferritina para avaliar danos ao pâncreas devido à sobrecarga de ferro. Estudos sugerem que a hemoglobina glicosilada pode não ser um marcador tão confiável de controle da glicose em pacientes que passam por flebotomia, pois a renovação dos eritrócitos é mais rápida.[45]
ECG e ecocardiografia: devem ser realizados em pacientes com nível elevado de ferritina, pois a hemocromatose pode causar cardiomiopatia e anormalidades de condução, provocando arritmias.[46]
RNM cardíaca: pacientes com hemocromatose grave e sinais ou sintomas de cardiopatia, e pacientes com hemocromatose juvenil, devem ser submetidos a RNM.[8]
Outras RNMs: a RNM também pode ser útil para investigar os níveis/distribuição de ferro no baço, pâncreas e cérebro em pacientes com suspeita ou diagnóstico de distúrbio de sobrecarga de ferro.[8]
Hormônios sexuais: devem ser verificados em pacientes com nível elevado de ferritina. O hipogonadismo é a segunda endocrinopatia mais comum associada à doença, após o diabetes.[47] O hipogonadismo geralmente é secundário, associado a níveis baixos de gonadotrofinas, em vez de elevados.
Densitometria óssea: deve ser realizada em pacientes com nível elevado de ferritina que tenham fatores concomitantes e predisponentes à osteoporose. Até um quarto dos pacientes com hemocromatose apresenta osteoporose, o que está relacionado ao hipogonadismo e à intensidade de sobrecarga de ferro.[48]
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