Abordagem

A cirurgia das paratireoides é o tratamento definitivo do hiperparatireoidismo primário (HPTP). Ela é indicada para todos os pacientes sintomáticos e recomendada para muitos pacientes assintomáticos.[1][2]​​[30]​​​ Se o paciente for assintomático e atender aos critérios para tratamento clínico, recusar a cirurgia ou não for candidato cirúrgico, o monitoramento é uma opção.[2][12]

Sintomático; ou assintomático com indicações cirúrgicas

A paratireoidectomia é indicada para todos os pacientes com hiperparatireoidismo sintomático.[1][2]​​​​[58]​​[30]​​ A paratireoidectomia é recomendada em pacientes com hiperparatireoidismo assintomático com evidências de complicações subclínicas de órgãos-alvo, como doença óssea (osteoporose/fraturas) ou comprometimento renal (função renal reduzida, cálculos ocultos) e naqueles em risco de evolução da doença.[1][2]​​​[30]​​

Em pacientes com HPTP assintomáticos, as vantagens da cirurgia são de que ela corrige a anormalidade subjacente e pode melhorar a densidade mineral óssea e a sobrevida livre de fraturas inferida.[59][60]​​​​[61][62]​​ Tais achados foram observados em idosos, reforçando a ideia de que a cirurgia pode ser considerada em idosos com indicações.[63]

Pacientes considerados assintomáticos às vezes relatam melhoras na qualidade de vida após a cirurgia.[28] No entanto, os benefícios da paratireoidectomia para sintomas de desfechos não esqueléticos/renais permanecem controversos.[58][64][65] [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​

As indicações de cirurgia em pacientes assintomáticos, de acordo com algumas autoridades, incluem:[1]​​[2][12]​​​

  • Idade <50 anos

  • Cálcio sérico >0.25 mmol/L (>1 mg/dL) acima da faixa normal

  • Clearance da creatinina <60 mL/minuto

  • T-score de densidade mineral óssea (DMO) <-2.5 na coluna lombar, fratura total de quadril, colo do fêmur ou terço distal do rádio, e/ou fratura vertebral por radiografia, tomografia computadorizada (TC), ressonância nuclear magnética (RNM), ou avaliação de fratura vertebral (AFV) por absorciometria por dupla emissão de raios X (DEXA; T-score compara o DMO com a densidade ideal de adultos saudáveis com 30 a 40 anos de idade, e então avalia o risco de fratura)

  • Cálcio urinário >250 mg/dia em mulheres ou >300 mg/dia em homens

  • Presença de nefrolitíase ou nefrocalcinose por radiografia, ultrassonografia ou TC.

A preparação pré-operatória inclui hidratação adequada e exames da localização pré-operatória. A restrição de cálcio na dieta não é aconselhável, e a reposição de vitamina D no pré-operatório é recomendada para pacientes com deficiência de vitamina D. A avaliação subjetiva da qualidade da voz é também recomendável no pré-operatório.[2]

Muitas vezes, a paratireoidectomia pode ser realizada em ambiente ambulatorial com alta no mesmo dia. Ela geralmente tem taxas de morbidade e mortalidade ≤1%.​[66] Possíveis complicações significativas incluem sangramento, hematoma, rouquidão por lesão no nervo laríngeo recorrente, alteração de voz decorrente de lesão no nervo laríngeo superior, pneumotórax ou hipocalcemia (transitória ou permanente).

Quando os estudos de imagem são positivos para localização de um adenoma solitário (que ocorre em aproximadamente 85% dos pacientes com HPTP), o paciente é candidato à paratireoidectomia direcionada e minimamente invasiva.[67] Em pessoas com doença multiglandular (esporádica ou familiar), a exploração cervical completa com identificação de todas as 4 glândulas e ressecção subtotal do tecido paratireóideo é a abordagem cirúrgica.[68] Raramente, a hipercalcemia do hiperparatireoidismo pode ser grave (>3.5 mmol/L [>14 mg/dL]); por exemplo, em pacientes com carcinoma das paratireoides. Esses pacientes requerem tratamento clínico pré-operatório para hipercalcemia grave aguda, como fluidoterapia intravenosa e furosemida.

Se os pacientes recusarem a cirurgia ou não forem candidatos cirúrgicos, os níveis de cálcio sérico, vitamina D e clearance da creatinina devem ser medidos a cada 12 meses, e a densidade óssea deve ser medida a cada 1 a 2 anos.​[1]​​ Deve-se oferecer suplementação aos pacientes com deficiência de vitamina D.[1]​ Os pacientes devem evitar medicamentos que aumentem os níveis de cálcio sérico (por exemplo, diuréticos tiazídicos, lítio). Se ocorrerem sintomas de alteração do estado mental ou letargia, deve-se providenciar a hospitalização, para hidratação intravenosa e uma paratireoidectomia, se possível. Uma paratireoidectomia definitiva pode ser realizada a qualquer momento se o paciente concordar e for candidato à cirurgia.

Bifosfonatos ou cloridrato de cinacalcete são terapias adjuvantes que podem ser consideradas, em associação com monitoramento, para pacientes não submetidos à paratireoidectomia.[1][59][60]

  • Os bifosfonatos podem aumentar a DMO na coluna lombar em 1 a 2 anos e diminuir a renovação óssea, embora desfechos de fraturas não estejam disponíveis.[69][70]​ Eles podem ser considerados em pacientes com baixa DMO e aumento do risco de fratura.[1]

  • O cloridrato de cinacalcete mostrou reduzir o cálcio sérico e o paratormônio (PTH) intacto sérico.[70][71] Ele é um calcimimético que modula a atividade do receptor sensor de cálcio, o principal regulador da secreção de PTH intacto sérico. O cloridrato de cinacalcete liga-se à região transmembrana do receptor e induz uma alteração adaptável que aumenta a sensibilidade do receptor ao cálcio. Os efeitos adversos mais comuns, náuseas e vômitos, causam baixa tolerância e devem ser monitorados com atenção. A depleção de volume resultante pode piorar a hipercalcemia. Previamente aprovado para manejo de hiperparatireoidismo secundário de tratamento difícil e carcinoma das paratireoides inoperável, agora pode ser usado em alguns casos de hiperparatireoidismo primário; por exemplo, pacientes sintomáticos, não candidatos à cirurgia ou que a recusam.[1][59][60]

Abordagem cirúrgica

Assim que o diagnóstico é confirmado e a cirurgia é planejada, exames de imagem pré-operatórios são importantes para fornecer a localização precisa da doença. Devido à significativa variação regional na precisão dos exames de imagem, os candidatos a paratireoidectomia devem ser encaminhados a um médico especialista para decidir sobre as melhores modalidades de imagem com base no conhecimento que ele tem da disponibilidade dos exames de imagem do local.[2][33][34][35] A combinação de exames é mais eficaz que um único exame.

A coleta de amostragem seletiva das veias paratireoideas tem sido sugerida como uma ferramenta útil em pacientes com exames de imagem pré-operatórios não invasivos e inconclusivos, embora sua natureza invasiva impeça o uso rotineiro.[72]

A taxa de sucesso dos cirurgiões que realizam menos de 10 paratireoidectomias por ano é menor que a de cirurgiões com mais experiência; há uma correlação inversa entre a quantidade de operações e o risco de complicações e o tempo de permanência no hospital. Portanto, é recomendável que as paratireoidectomias só sejam realizadas por cirurgiões com formação adequada e experiência específica no manejo do HPTP.[2]

Quando as investigações são positivas para localização de um adenoma solitário (que ocorre em aproximadamente 85% dos pacientes com HPTP), o paciente é candidato à paratireoidectomia direcionada ou minimamente invasiva.[2][67]​ Em comparação com a exploração (bilateral) das 4 glândulas, a abordagem minimamente invasiva parece ter taxas semelhantes de recorrência, persistência e nova operação, mas taxas de complicação geral mais baixas e tempos de cirurgia um pouco mais curtos.[73] A menor taxa de complicações observadas na cirurgia minimamente invasiva refere-se principalmente a um risco reduzido de hipocalcemia pós-operatória transitória e a um risco menor de lesão recorrente do nervo laríngeo devido à dissecção reduzida.[74][66]​ O procedimento minimamente invasivo pode ser realizado com anestesia geral ou local e por várias técnicas, incluindo uma abordagem assistida por vídeo, endoscópica, rádio-guiada ou lateral focada.

O PTH intacto sérico intraoperatório serve para informar ao cirurgião que o tecido com hiperfuncionamento foi removido.[75] Uma queda de >50% da linha basal em 5 e 10 minutos pós-excisão sugere a remoção adequada do tecido hiperfuncionante.[76] O monitoramento intraoperatório do paratormônio reduz o risco de não se perceber uma doença em múltiplas glândulas durante a paratireoidectomia minimamente invasiva. A taxa de cura para a paratireoidectomia minimamente invasiva foi relatada em 97% a 99%, e provavelmente há um aumento marginal adicionado na taxa de cura em mãos experientes.[2]

Os adjuvantes intraoperatórios são complementares à localização pré-operatória e ajudam a localizar as glândulas paratireoides, confirmando o tecido da paratireoide e estabelecendo a remissão. O adjuvante cirúrgico mais usado é o monitoramento intraoperatório do paratormônio. Outros adjuvantes podem auxiliar com a confirmação de tecido de paratireoide removido (análise de cortes de congelamento, aspiração de paratireoide ex vivo), visualização da glândula (azul de metileno, fluorescência de quase infravermelho ou espectroscopia infravermelha), e localização da glândula (ultrassonografia intraoperatória, amostra venosa jugular bilateral ou orientação por sonda de gama).[2]

Nad pessoas com doença multiglandular (esporádica ou familiar), a exploração cervical bilateral completa com identificação de todas as 4 glândulas e ressecção subtotal do tecido paratireóideo é a abordagem cirúrgica.[68] É também a abordagem recomendada quando a imagem pré-operatória não é localizada ou é discordante, ou quando o monitoramento intraoperatório do paratormônio não está disponível.[2] As indicações para passar de uma abordagem minimamente invasiva para uma exploração cervical completa incluem a descoberta intraoperatória de doença multiglandular e a falha em alcançar uma redução adequada nos níveis de paratormônio intraoperatórios.[2] A exploração cervical completa apresenta índices de sucesso de mais de 95% em longo prazo, quando realizada por um cirurgião endócrino habilidoso.[77][78]

Em caso de suspeita de carcinoma das paratireoides durante a cirurgia, recomenda-se a dissecção completa para evitar a ruptura capsular e aumentar as chances de cura. Isso pode envolver a ressecção em bloco de tecido aderente adjacente.[2]

Assintomático sem indicações cirúrgicas

Pacientes sem indicações específicas para cirurgia podem ser monitorados, mas existem algumas evidências epidemiológicas sugerindo que mesmo o hiperparatireoidismo primário assintomático/leve pode estar associado a vários desfechos negativos, incluindo mortalidade geral e doença cardiovascular, que, por sua vez, podem estar vinculadas a altas concentrações iniciais do paratormônio.[79][80]

Nos pacientes monitorados, os níveis de cálcio sérico, vitamina D e clearance da creatinina devem ser medidos a cada 12 meses, e a densidade óssea deve ser medida a cada 1 a 2 anos.​[1]​ Os pacientes devem evitar medicamentos que aumentem os níveis de cálcio sérico (isto é, diuréticos tiazídicos, lítio). Uma paratireoidectomia definitiva pode ser realizada a qualquer momento se ocorrerem sintomas ou indicações, ou se o paciente preferir a cirurgia e for candidato à cirurgia.

Reposição de vitamina D em pacientes com deficiência de vitamina D concomitante

A suplementação de vitamina D é recomendada para pacientes com HPTP e deficiência de vitamina D concomitante.[2][12][1][30]​​​ As definições de deficiência variam. O Quinto Workshop Internacional sobre Hiperparatireoidismo Primário recomenda a manutenção de níveis >75 nmol/L (>30 ng/mL).[1]​​ Níveis baixos de vitamina D parecem estar associados a uma maior gravidade da doença óssea no HPTP e a um maior risco de síndrome do osso faminto após a paratireoidectomia.[81]

A reposição de vitamina D pode melhorar a densidade mineral óssea em pacientes com HPTP, mas a evidência não é conclusiva.[82]​​[83]​ Uma preocupação é a de que a reposição de vitamina D possa agravar a hipercalcemia e a excreção renal de cálcio nos pacientes com HPTP.

Uma revisão sistemática e metanálise sobre a reposição de vitamina D em pacientes com HPTP leve constatou que a suplementação melhorou o nível sérico de 25-hidroxivitamina D sem agravamento da hipercalcemia ou hipercalciúria preexistentes.[84] No entanto, um estudo observacional, com a participação de 21 pacientes com HPTP leve, tratados com vitamina D, constatou que, embora o tratamento não tenha resultado no aumento médio das concentrações de cálcio sérico no grupo de tratamento, 2 pacientes apresentaram aumento da excreção de cálcio urinário para >400 mg/dia. Isto sugere que alguns pacientes com HPTP podem apresentar aumento da excreção de cálcio urinário após a reposição de vitamina D. Em um paciente, o cálcio sérico aumentou de 2.6 mmol/L para 3.0 mmol/L (10.5 mg/dL para 11.9 mg/dL).[85]

De modo geral, os autores recomendam a reposição de vitamina D no contexto de deficiência. No entanto, em pacientes com níveis elevados de cálcio urinário, por causa do risco de nefrolitíase, aconselha-se cautela para monitorar a excreção de cálcio urinário, sobretudo se a paratireoidectomia não for planejada num período mais curto. Esquemas de tratamento específicos, baseados em dados de ensaios clínicos, ainda não estão disponíveis.

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