Abordagem
O tratamento é de suporte, já que não há terapia antiviral específica disponível para o tratamento da infecção por dengue, e é baseado nas diretrizes produzidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras autoridades específicas da região. O único tratamento reconhecido é a manutenção da hidratação adequada para dengue e terapia de reposição de fluidos para dengue hemorrágica (DH) e na síndrome do choque da dengue (SCD). Em regiões endêmicas de dengue, a triagem dos pacientes com suspeita de infecção por dengue deve ser realizada em uma área especificamente designada do hospital.
O diagnóstico precoce e o manejo clínico ideal reduzem a morbidade e a mortalidade associadas. Atrasos no diagnóstico, diagnóstico incorreto, uso de tratamentos impróprios (por exemplo, anti-inflamatórios não esteroidais) e intervenções cirúrgicas são considerados prejudiciais. Todos os pacientes com suspeita clínica de dengue devem receber o tratamento adequado sem se esperarem os resultados dos testes diagnósticos. Educar o público sobre a identificação precoce dos sinais e sintomas da infecção por dengue, e quando procurar orientação médica, é o ponto principal para o diagnóstico e o tratamento ideais.
Em regiões endêmicas de dengue, os casos suspeitos, prováveis e confirmados de infecção por dengue devem ser relatados às autoridades competentes o quanto antes, para que as medidas adequadas possam ser colocadas em prática a fim de prevenir a transmissão.[2]
Gravidade da infecção
O plano de tratamento mais prático e mais comumente usado foi desenvolvido pela OMS e baseado na gravidade da infecção.[2] A classificação da OMS separa os pacientes em 1 dos 3 grupos (A, B ou C), dependendo do quadro clínico.
Grupo A
Os pacientes com as seguintes características são classificados como grupo A; tais pacientes podem ser tratados em casa:
Nenhum sinal de alerta (sobretudo quando a febre abaixa)
Podem tolerar um volume adequado de fluidos orais e urinar ao menos uma vez a cada 6 horas
Contagem sanguínea e hematócrito quase normal.
Grupo B
Os pacientes com as seguintes características são classificados como grupo B; tais pacientes precisam ser hospitalizados:
Desenvolvimento de sinais de alerta (ou seja, dor ou sensibilidade abdominal, vômito persistente, acúmulos clínicos de líquido, como ascite ou derrame pleural, sangramento das mucosas, letargia/inquietação, aumento do fígado >2 cm, aumento do hematócrito concomitante com rápida diminuição da contagem plaquetária)
Fatores de risco coexistentes para infecções graves (por exemplo, gestação, extremidades etárias, obesidade, diabetes, comprometimento renal, doenças hemolíticas)
Pouco suporte familiar ou social (por exemplo, pacientes que moram sozinhos ou longe de centros médicos e não possuem transporte adequado)
Aumento dos hematócritos ou uma rápida diminuição na contagem plaquetária.
Grupo C:
Os pacientes com as seguintes características são classificados como grupo C; tais pacientes precisam de intervenção médica emergencial:
Sinais de alerta estabelecidos
Na fase crítica da infecção, com extravasamento plasmático grave (com ou sem choque), hemorragia grave, ou insuficiência grave no órgão (por exemplo, comprometimento renal ou hepático, cardiomiopatia, encefalopatia ou encefalite).
Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) também separam os pacientes em 3 grupos (A, B, C) para o tratamento. O grupo A inclui os pacientes sem sinais de alerta; o grupo B inclui os pacientes com sinais de alerta ou doenças coexistentes; e o grupo C inclui os pacientes com extravasamento plasmático intenso com choque e/ou acúmulo de fluidos com desconforto respiratório, sangramento intenso ou comprometimento orgânico grave.[96]
Enquanto a OMS e o CDC classificam os pacientes em 1 de 3 grupos, as diretrizes da Organização Pan-Americana da Saúde classificam os pacientes em 1 de 4 grupos (A, B1, B2, C). O grupo B é dividido em B1 e B2. O grupo B1 não apresenta sinais de alerta e não atende aos critérios de hospitalização, mas tem uma comorbidade ou doença, ou a presença de um risco social. O grupo B2 apresenta sinais de alerta, mas não de dengue grave.[97] Os tratamentos recomendados neste tópico se baseiam nas orientações da OMS.
Consulte as diretrizes locais, pois as recomendações podem variar de acordo com o país.
Manejo dos pacientes do grupo C da OMS
Esses pacientes precisam de intervenção médica emergencial. O acesso a centros de tratamento intensivo e a transfusão sanguínea devem estar disponíveis. Recomenda-se a administração rápida de cristaloides e coloides intravenosos, de acordo com os algoritmos produzidos pela OMS.[1][2] Deve-se fazer uma tentativa para calcular há quanto tempo o paciente está na fase crítica e o equilíbrio hídrico prévio.
A cota total de fluidos para 48 horas deve ser calculada com base na seguinte fórmula:[1][75]
Manutenção (M) + 5% de deficit de fluido
M = 100 mL/kg para os primeiros 10 kg de peso corporal, 50 mL/kg para os segundos 10 kg de peso corporal, e 20 mL/kg para cada quilo acima dos 20 kg de peso corporal até 50 kg; e 5% de deficit de fluido é calculado como 50 mL/kg de peso corporal até 50 kg
Por exemplo, para um adulto que pesa 50 kg ou mais, a cota total de fluidos para 48 horas seria de 4600 mL.
A fórmula pode ser usada para crianças e adultos; no entanto, a taxa de administração varia entre esses grupos de pacientes, e os protocolos locais devem ser seguidos. O peso corporal ideal deve ser usado na fórmula para crianças.
Outras fórmulas para a terapia de reposição de fluidos foram reportadas, então os protocolos locais devem ser consultados e seguidos. A taxa de infusão deve ser ajustada de acordo com os parâmetros usuais de monitoramento, e a terapia geralmente só será necessária para 24 a 48 horas, com redução gradual assim que a taxa de extravasamento plasmático diminuir até o final da fase crítica.[2]
Não há vantagens clínicas em administrar coloides (por exemplo, dextran 70) em vez de cristaloides (por exemplo, soro fisiológico a 0.9%, Ringer lactato).[98][99][100] As diretrizes da OMS indicam claramente quando os coloides devem ser usados (por exemplo, choque intratável, resistência à ressuscitação com cristaloides).[1][2]
O paciente deve ser monitorado rigorosamente o tempo todo, incluindo os sinais vitais, perfusão periférica, equilíbrio hídrico, hematócrito, contagem plaquetária, débito urinário, temperatura, glicose sanguínea, testes da função hepática (TFHs), perfil renal, perfil coagulatório e outros testes de funções orgânicas conforme indicados.
Geralmente, o quadro clínico do paciente se tornará estável dentro de algumas horas de fluidoterapia. Se o paciente continuar instável, outras causas contribuintes, como a acidose metabólica, desequilíbrios eletrolíticos (por exemplo, hipocalcemia, hipoglicemia), miocardite ou necrose hepática devem ser investigadas e tratadas da forma adequada. Se o paciente não estiver melhorando e o hematócrito cair, deve-se suspeitar de sangramento interno e deve-se administrar uma transfusão sanguínea imediatamente; no entanto, recomenda-se cautela devido ao risco de sobrecarga hídrica. Há um consenso sobre o uso precoce de coloides e transfusão sanguínea em pacientes instáveis refratários.
Um tratamento excessivamente otimista e com hidratação muito rápida pode levar à sobrecarga hídrica, causando edema pulmonar, congestão facial, pressão venosa jugular elevada, derrame pleural ou ascite. Tais complicações devem ser tratadas com restrição da fluidoterapia intravenosa e doses em bolus de furosemida intravenosa até que o paciente fique estável.
Manejo dos pacientes do grupo B da OMS
Esses pacientes requerem internação hospitalar. A gravidade da infecção deve ser avaliada. Se o paciente não estiver no início da fase crítica (isto é, com extravasamento plasmático), ele deve ser encorajado a tomar fluidos por via oral (por exemplo, aproximadamente 2500 mL/24 horas para um adulto, ou manutenção de fluido adequado para a idade, em crianças). Se isso não for possível, ou se o paciente entrar na fase crítica (indicada pelo aumento do hematócrito, hipoalbuminemia, leucopenia progressiva, trombocitopenia, perda de fluidos do terceiro espaço e pressão arterial convergente com queda postural), deve-se iniciar terapia de reposição de fluidos intravenosa com soro fisiológico a 0.9% (ou Ringer lactato) usando a fórmula manutenção (M) + 5% de deficit de fluido.[1][75] Não há vantagens clínicas em administrar coloides (por exemplo, dextran 70) em vez de cristaloides (por exemplo, soro fisiológico a 0.9%, Ringer lactato).[98][99][100] As diretrizes da OMS indicam claramente quando os coloides devem ser usados (por exemplo, choque intratável, resistência à ressuscitação com cristaloides).[1][2]
O paciente deve ser monitorado rigorosamente o tempo todo, incluindo os sinais vitais, perfusão periférico, equilíbrio hídrico, hematócrito, contagem plaquetária, débito urinário, temperatura, glicose sanguínea, testes da função hepática, perfil renal, perfil coagulatório.
Manejo dos pacientes do grupo A da OMS
Esses pacientes podem ser tratados em casa. O paciente deve ser encorajado a tomar fluidos por via oral (por exemplo, aproximadamente 2500 mL/24 horas para um adulto, ou manutenção de fluido adequado para a idade, em crianças). Soluções de reidratação oral, sucos de frutas e sopas claras são melhores que água; no entanto, recomenda-se evitar fluidos de cores vermelha e marrom, pois eles podem causar confusão sobre a presença de hematêmese caso o paciente vomite.
Deve-se aconselhar ao paciente que repouse. Pode-se usar uma esponja com água morna para a febre. O paracetamol pode ser usado em doses normais para dor ou febre; no entanto, anti-inflamatórios não esteroidais devem ser evitados, pois eles aumentam a tendência ao sangramento.[2]
Uma ficha de instruções destacando os sinais de alerta deve ser entregue ao paciente, e ele deve ser aconselhado ao voltar ao hospital imediatamente caso algum desses sinais surgirem. As contagens sanguíneas devem ser realizadas diariamente.[2]
Gestação
A gestação é um fator de risco para um aumento na mortalidade materna e desfechos pré-natais desfavoráveis. Há também uma incidência mais elevada de cesarianas, pré-eclâmpsia, partos prematuros, baixo peso ao nascer e transmissão perinatal da infecção.[45][46] No entanto, uma metanálise de 14 estudos revelou que evidências atuais não sugeriram que a infecção materna aumenta o risco de nascimento prematuro, baixo peso ao nascer, aborto espontâneo e natimortos.[48] A observação estrita e o manejo meticuloso são importantes nesse grupo de pacientes. A administração de fluidos é a mesma para mulheres adultas não gestantes; no entanto, o peso corporal pré-gestação deve ser usado na fórmula.[1][101]
Como a gestação está associada a várias alterações fisiológicas, como alta frequência de pulso, hipotensão arterial, pressão de pulso mais ampla, diminuição da hemoglobina e do hematócrito e redução da contagem plaquetária, os parâmetros iniciais devem ser avaliados no primeiro dia da infecção, e os resultados subsequentes devem ser interpretados com cautela. Além disso, deve-se lembrar que outras doenças que ocorrem na gestação, como pré-eclâmpsia e síndrome HELLP (hemólise, enzimas hepáticas elevadas e plaquetopenia), também podem alterar os parâmetros laboratoriais.[1][101]
A detecção de extravasamento plasmático (por exemplo, ascite, derrame pleural) é difícil em mulheres gestantes, por isso recomenda-se o uso precoce da ultrassonografia.[1][101]
É imperativo diferenciar a dengue da infecção por vírus da Zika na gestação, pois esta é conhecida por estar associada à microcefalia em neonatos.[83]
Crianças
As diretrizes da OMS são baseadas principalmente em estudos realizados na população pediátrica; por isso, a abordagem do manejo para crianças é semelhante a dos adultos, com cálculos de fluidos baseados no peso corporal ideal.
Como a tendência das crianças desenvolverem DH ou SCD é maior, os parâmetros de laboratório, como o hematócrito, a contagem plaquetária e o débito urinário devem ser monitorados regularmente.
A avaliação da gravidade dos sintomas em crianças muito pequenas é muito difícil comparada a crianças mais velhas e adultos. Os lactentes possuem uma reserva respiratória menor e são mais suscetíveis aos desequilíbrios eletrolíticos e à insuficiência hepática. O extravasamento plasmático que ocorre em crianças pode ser menor e responder mais rápido à ressuscitação fluídica.[1]
Convalescência e alta
A convalescência pode ser reconhecido pela melhora dos parâmetros clínicos, bem como do apetite e do bem-estar do paciente. O paciente pode desenvolver uma diurese quando houver o desenvolvimento de hipocalemia. Se isso acontecer, a fluidoterapia intravenosa deve ser descontinuada e deve-se administrar fluidos ricos em potássio. Os pacientes também podem desenvolver uma erupção cutânea ou prurido generalizado durante a recuperação. Assim que o bem-estar for alcançado, e o paciente se manter afebril por 48 horas, com aumento da contagem plaquetária e hematócrito estável, o paciente pode receber alta.[2]
Terapias adjuvantes
As transfusões profiláticas de plaquetas raramente são necessárias (ainda que com plaquetopenia) e não são recomendadas, exceto em situações nas quais haja sangramento ativo. O valor clínico de plasma fresco congelado, corticosteroides, imunoglobulina intravenosa e antibióticos é controverso e requer mais evidências antes que eles sejam recomendados.[1][102]
Um estudo multicêntrico, randomizado e aberto revelou que a transfusão profilática de plaquetas associada a cuidados de suporte não foi superior a cuidados de suporte isolados na prevenção de sangramento em adultos com dengue e trombocitopenia e que, na verdade, ela pode estar associada a eventos adversos (por exemplo, urticária, anafilaxia, lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão, sobrecarga hídrica).[103]
Como inserir uma cânula venosa periférica no dorso da mão.
Inserção guiada por ultrassom de um cateter venoso central (CVC) não tunelizado na veia jugular interna direita, usando a técnica de inserção de Seldinger.
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