Etiologia

A dengue é causada por 4 sorotipos antigenicamente distintos do vírus da dengue: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Eles são vírus de ácido ribonucleico (RNA) que pertencem ao gênero Flavivirus/família Flaviviridae, que também incluem o vírus da febre amarela, o vírus do Nilo Ocidental, o vírus da encefalite japonesa, o vírus da Zika e o vírus da encefalite de Saint Louis.[1]

Coinfecção com mais de um sorotipo foi relatada em 48% dos surtos. O sorotipo DENV-2 foi o sorotipo em surtos antes do ano 2000, com o sorotipo DENV-3 predominante entre 2000 e 2009 e o DENV-1 como sorotipo predominante após 2010.[18] O sorotipo DENV-2 foi o sorotipo mais prevalente no sudeste asiático, representando 41% dos casos, seguido por DENV-1 (22%), DENV-3 (15%) e DENV-4 (6%).[19]​ Todos os 4 subtipos têm a capacidade de causar doença grave; no entanto, há evidências de que sorotipos específicos podem aumentar o risco de infecção grave.[20]

O vetor primário para a disseminação da infecção é o Aedes aegypti, um mosquito altamente domesticado que costuma picar durante o dia (mais ativo durante o anoitecer e o amanhecer). No entanto, uma outra espécie, Aedes albopictus, também é responsável pela disseminação da dengue. Embora o mosquito seja de origem asiática, já se espalhou para a África, a Europa e os EUA. Viagens internacionais e transportes de mercadorias ajudaram a propagar o vetor e o vírus, tornando a dengue uma infecção global.[1] O mosquito Aedes também é um vetor dos vírus Zika e chikungunya.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: O mosquito Aedes aegypti, que espalha o vírus da dengueDo acervo de N. Samarasinghe, Department of Zoology, University of Peradeniya, Sri Lanka [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@60ee5d8e

A evolução, adaptação e alteração da virulência da dengue se deram ao longo de séculos. Não há evidência clara sobre a origem do vírus; porém, acredita-se ser da África ou Ásia. Relatou-se que alguns sorotipos possuem ciclos silváticos (ou seja, parte da expectativa de vida do patógeno durante o ciclo entre animais selvagens e o vetor), mas é essencialmente um vírus humano.[17] O vírus passa por um ciclo de desenvolvimento no revestimento das células epiteliais do intestino médio do mosquito antes de ser transmitido para humanos.[21]

Uma variação genética considerável ocorre em cada sorotipo viral, formando, assim, genótipos filogeneticamente distintos. O vírion consiste em 3 proteínas estruturais mais um envelope de lipoproteína e 7 proteínas não estruturais, das quais a proteína não estrutural 1 (NS1) tem importância diagnóstica e patológica. A infecção por qualquer sorotipo confere imunidade permanente para aquele sorotipo específico; no entanto, a proteção cruzada para outros sorotipos dura apenas alguns meses.[1][2][22] Alguns estudos mostraram que a infecção pelo sorotipo DENV-1 ou DENV-2 pode resultar em infecção mais grave.[23][24]

Além da transmissão por mosquito, o vírus da dengue pode ser transmitido por meio de hemoderivados, exposição mucocutânea ou lesão por picada de agulha.[25][26] Um estudo estima que a capacidade de transmissão da dengue pode chegar a 37% por meio de hemoderivados.[27]

Fisiopatologia

A patogênese está ligada à resposta imune do hospedeiro, que é ativada pela infecção pelo vírus da dengue.[28] A infecção primária geralmente apresenta natureza benigna; no entanto, a infecção secundária por um sorotipo diferente ou várias infecções por sorotipos diferentes pode causar uma infecção grave, que pode ser classificada como dengue hemorrágica (DH) ou síndrome do choque da dengue (SCD), dependendo dos sinais clínicos. O período de incubação dura de 4 a 10 dias.

Anticorpos não neutralizadores com reatividade cruzada eliciada por uma infecção primária prévia estão envolvidos no fenômeno de anticorpos potencializadores da infecção (ADE), que causa uma carga viral pesada. As células da linhagem monócito-macrófago são os principais locais de replicação viral, mas o vírus pode infectar outros tecidos do corpo, como o fígado, o cérebro, o pâncreas e o coração.[29][30][31]

As células dendríticas que apresentam antígeno, a resposta imune humoral e a resposta imune mediada por células estão envolvidas na patogênese. A proliferação das células T de memória e a produção de citocinas pró-inflamatórias levam à disfunção da célula endotelial vascular, o que resulta em extravasamento plasmático. Ocorre uma alta concentração de citocinas, como a gamainterferona, o fator de necrose tumoral (TNF)-alfa e a interleucina-10, bem como níveis reduzidos de óxido nítrico e alguns fatores complementares. O NS1 é um modulador da trajetória complementar e desempenha um papel em baixos níveis de fatores complementares.[29][32] Após a infecção, os anticorpos específicos com reatividade cruzada, assim como as células T CD4+ e CD8+ permanecem no corpo por anos.[2]

O extravasamento vascular é a característica marcante da DH e da SCD e causa um aumento do hematócrito, hipoalbuminemia e o desenvolvimento de derrames pleurais ou ascite. Os dados preliminares sugerem que a disfunção transitória da camada do glicocálice endotelial leva ao extravasamento vascular.[33] Há também uma tendência de hemorragia associada à trombocitopenia grave e a distúrbios de coagulação.[1][29]

Em infecções graves, a perda do fluido intravascular leva à hipoperfusão tecidual, resultando em acidose láctica, hipoglicemia, hipocalcemia e, por fim, falência múltipla de órgãos.[1] A disfunção múltipla de órgãos, incluindo miocardite, encefalopatia e necrose das células do fígado, também pode resultar de danos virais diretos e à subsequente inflamação dos tecidos.[1][30][31]

Os lactentes podem desenvolver infecção grave por dengue durante uma infecção primária (geralmente de natureza benigna) decorrente de uma transferência transplacentária de anticorpos maternos de uma mãe imune, o que subsequentemente amplificará a resposta imune do lactente à infecção primária.[29]

A coinfecção com chikungunya ou vírus da Zika (ou ambos) é possível.[34][35] A coinfecção com a malária também é possível, e os pacientes podem desenvolver malária grave ou dengue grave com complicações hemorrágicas.[36][37]

Polimorfismo no TNF-alfa (-308) tem sido associado com suscetibilidade à dengue.[38][39]

Classificação

Organização Mundial da Saúde (OMS): definição de caso (2009)[2]

A definição de caso da dengue de 1997 (abaixo) é limitada em termos de complexidade e aplicabilidade. Essa limitação levou a uma nova classificação da OMS na qual a gravidade da dengue é dividida em dengue sem sinais de alerta, dengue com sinais de alerta e dengue grave. Embora a OMS ainda dê suporte a ambas as definições de caso, há maior inclinação para a definição de caso de 2009 em virtude da sua facilidade de uso. Um estudo demonstrou que a classificação revisada tinha um potencial maior em facilitar o tratamento e vigilância de casos de dengue e que ela foi mais sensível que a definição de caso de 1997 quanto ao reconhecimento precoce da doença.[3]

Dengue sem sinais de alerta:

  • Febre e 2 dos sintomas a seguir:

    • Náuseas/vômitos

    • Erupção cutânea

    • Dores

    • Leucopenia

    • Prova do laço positiva.

Dengue com sinais de alerta:

  • Dengue (como definida acima) com qualquer um dos seguintes sintomas:

    • Dor ou sensibilidade abdominal

    • Vômito persistente

    • Acúmulo de fluido clínico (por exemplo, ascite, derrame pleural)

    • Sangramento das mucosas

    • Letargia/inquietação

    • Aumento do fígado >2 cm

    • Laboratório: aumento do hematócrito concomitante com rápida diminuição na contagem plaquetária.

  • Os sinais de alerta requerem observação rigorosa e intervenção médica.

Dengue grave:

  • Dengue com pelo menos 1 dos seguintes:

    • Extravasamento plasmático grave causando choque (síndrome do choque da dengue) ou acúmulo de fluido com dificuldade respiratória

    • Sangramento grave (conforme avaliado por um médico)

    • Comprometimento grave de órgãos (ou seja, aspartato transaminase [AST] ou alanina aminotransferase [ALT] 1000 ou superior, diminuição da consciência, insuficiência de órgãos).

Organização Mundial da Saúde (OMS): definição de caso (1997)[2]

A classificação tradicional é dividida em dengue, dengue hemorrágica e síndrome do choque da dengue.

Dengue:

  • Definida pela presença de febre e 2 ou mais dos seguintes (mas não preenchendo a definição de caso da dengue hemorrágica):

    • Dor retro-orbital ou ocular

    • Cefaleia

    • Erupção cutânea

    • Mialgia

    • Artralgia

    • Leucopenia

    • Manifestações hemorrágicas (por exemplo, prova do laço positiva, petéquias, púrpura/equimoses, epistaxe, sangramento gengival, sangue no vômito/urina/fezes, sangramento vaginal).

Dengue hemorrágica (DH):

  • Febre durando de 2 a 7 dias

  • Evidência de manifestações hemorrágicas ou prova do laço positiva

  • Trombocitopenia

  • Evidência de extravasamento plasmático demonstrado por hemoconcentração, derrame pleural ou ascite.

Síndrome do choque da dengue (SCD):

  • Apresenta todos os critérios de DH associados a insuficiência circulatória, conforme evidenciado por:

    • Pulso rápido e fraco e pressão de pulso baixa, ou

    • Hipotensão específica da idade, pele sudorética e fria e inquietação.

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