Abordagem

O risco trombótico varia de acordo com o motivo da internação no hospital e as características do paciente. Os médicos devem avaliar o risco para tromboembolismo venoso em todos os pacientes hospitalizados e, ao mesmo tempo, também considerar o risco de sangramento e de quaisquer contraindicações à profilaxia farmacológica do tromboembolismo venoso. As investigações iniciais incluem função renal e hemograma completo, com perfil de coagulação se houver suspeita de distúrbio da coagulação.

Estratificação de risco para trombose venosa

As diretrizes gerais abordam opções para profilaxia de acordo com o tipo de paciente (com afecção cirúrgica ou médica) e do tipo de cirurgia. A tromboprofilaxia deve, então, ser adaptada para cada paciente em termos de fatores de risco adicionais para tromboembolismo venoso.[52]

Os principais fatores de risco incluem tromboembolismo venoso prévio (trombose venosa profunda [TVP] e/ou embolia pulmonar [EP]), trombofilia, neoplasia maligna, quadro pós-operatório, trauma, cateter de demora central (membro superior ou inferior) e imobilidade. Outros fatores de risco incluem afecções clínicas crônicas, internação em unidade de terapia intensiva, doença neurológica com paresia de membro, idade avançada, obesidade, pílulas contraceptivas que contenham estrogênio e terapia de reposição hormonal (TRH), terapia de privação androgênica, veias varicosas, gravidez e até 6 semanas pós-parto, parente de primeiro grau com história de tromboembolismo venoso e viagens prolongadas. No entanto, eles muitas vezes apresentam evidências conflitantes.

Estratificação de risco para sangramento (fatores relacionados ao paciente, anestesia espinhal, procedimentos neurocirúrgicos)

Como os agentes anticoagulantes farmacológicos são considerados a base da profilaxia do tromboembolismo venoso, a estratificação de risco para sangramento deve ser avaliada. Os agentes farmacológicos são contraindicados se o paciente se apresentar com sangramento ativo, trombocitopenia grave ou um distúrbio da coagulação.[3]​ O hemograma completo inicial e os parâmetros de coagulação (se houver suspeita de um distúrbio da coagulação) ajudam a excluir essas contraindicações. Os agentes não farmacológicos, incluindo meias de compressão graduada (MCG) e dispositivos de compressão pneumática intermitente (CPI), são recomendados nos pacientes com alto risco de sangramento.[3]​ Escores clínicos podem ajudar a avaliar o risco de sangramento e orientar as decisões clínicas. O índice de risco de sangramento IMPROVE foi validado prospectivamente e pode ajudar na tomada de decisão para se administrar ou não uma tromboprofilaxia farmacológica.[53][54]

Uma avaliação do risco de sangramento também deve considerar a presença de anestesia neuroaxial e analgesia. O hematoma espinhal (sangramento sintomático dentro do neuroeixo espinhal) é uma complicação rara, mas potencialmente catastrófica da anestesia raquidiana ou epidural, e o risco varia com fatores como idade, anormalidades associadas da coluna, coagulopatia subjacente e um cateter neuroaxial permanente durante anticoagulação.[55] É preciso ter cuidado para evitar a administração de anticoagulantes proximamente a inserção e remoção de cateter, de modo que nenhum efeito anticoagulante clinicamente significativo esteja presente no momento do procedimento.

Outras contraindicações para agentes farmacológicos

História pregressa de trombocitopenia induzida por heparina (TIH) é uma contraindicação importante para a heparina não fracionada (HNF) ou heparina de baixo peso molecular (HBPM). Mesmo se os anticorpos anti-fator 4 plaquetário séricos (anti-FP4) não forem detectáveis, é aconselhável evitar a HNF ou a HBPM para tromboprofilaxia se agentes alternativos estiverem disponíveis.[56]

A hipersensibilidade a um agente farmacológico é outra contraindicação que exige o uso de um agente alternativo.

Exames iniciais

Antes de iniciar a tromboprofilaxia, todos os pacientes devem ter realizado os seguintes exames.

  • Função renal: agentes como HBPM e fondaparinux são eliminados através dos rins e devem ser usados com precaução em pacientes com insuficiência renal crônica.[57][58] Antes de iniciar a tromboprofilaxia, a creatinina deve ser medida e o clearance da creatinina calculado posteriormente.

  • Hemograma completo: descarta uma queda aguda na hemoglobina ou trombocitopenia grave, que são contraindicações para a tromboprofilaxia farmacológica.

  • Perfil de coagulação: deve ser solicitado se houver suspeita de distúrbio da coagulação.

  • Anticorpos séricos anti-heparina PF4: devem ser solicitados se houver suspeita clínica de TIH enquanto o paciente está recebendo HNF ou HBPM (queda >50% na contagem plaquetária, trombose arterial ou venosa enquanto o paciente está recebendo heparina).

Pacientes com afecções não cirúrgicas

Em geral, a profilaxia do tromboembolismo venoso consiste em medidas farmacológicas e não farmacológicas para diminuir o risco de TVP e EP. A tromboprofilaxia farmacológica é indicada se o paciente for internado devido a descompensação pulmonar ou cardiovascular, ou doenças infecciosas, reumáticas ou inflamatórias agudas, ou estiver imobilizado em decorrência de afecção clínica e apresentar um ou mais fatores adicionais de risco para tromboembolismo venoso.[51][59]

Recomendações para pacientes com afecções não cirúrgicas (unidade de terapia intensiva, câncer [ambulatório], relacionadas ao cateter)

Quase todos os pacientes de cuidados intensivos devem receber tromboprofilaxia.[51]

Para pacientes ambulatoriais de baixo risco com câncer que recebem quimioterapia, a tromboprofilaxia geralmente não é indicada.[51]​​[60]​​​[61]​​​ Entretanto, as diretrizes da American Society of Clinical Oncology e da International Initiative on Thrombosis and Cancer agora recomendam a oferta de tromboprofilaxia com apixabana, rivaroxabana ou HBPM para pacientes ambulatoriais de alto risco com câncer selecionados (escore Khorana ≥2 antes de se iniciar um novo esquema de quimioterapia sistêmica), desde que não haja fatores de risco significativos para sangramento ou interações medicamentosas.[62][63]​​ No estudo AVERT, a apixabana demonstrou eficácia na prevenção de eventos tromboembólicos em pacientes com câncer em quimioterapia e risco trombótico intermediário a alto (escore Khorana ≥2).[64] No entanto, o sangramento importante aumentou significativamente neste estudo, particularmente em pacientes com câncer ginecológico e gastrointestinal. No estudo CASSINI, a rivaroxabana não reduziu a incidência de doença tromboembólica e morte em comparação com o placebo em pacientes ambulatoriais com câncer de alto risco.[65] Deve-se observar que os pacientes que recebem talidomida ou lenalidomida com quimioterapia ou dexametasona têm alto risco de trombose venosa. A American Society of Clinical Oncology, a European Society for Medical Oncology e o International Myeloma Working Group recomendam a tromboprofilaxia nesses pacientes.[25][60][62]

A profilaxia não é recomendada para prevenção de trombose relacionada ao cateter.[51][66]

Cirurgia

Na cirurgia vascular, a tromboprofilaxia é recomendada apenas em pacientes com fatores adicionais de risco para tromboembolismo venoso ou para procedimentos importantes (por exemplo, reparo de aneurisma da aorta, cirurgia de revascularização aortofemoral).[3][52]

Na cirurgia ginecológica, urológica, ou geral, a tromboprofilaxia não será indicada se for um procedimento de pequeno porte (por exemplo, procedimento transuretral) e o paciente não tiver fatores adicionais de risco para tromboembolismo venoso.[3]​ As diretrizes do consenso internacional sugerem o uso de meias de compressão graduada (MCG) nesses pacientes de baixo risco.[66] Nenhuma profilaxia é recomendada após um aborto eletivo; no entanto, um aumento do risco de trombose venosa foi documentado.[67] A profilaxia é recomendada após uma cirurgia de grande porte, ou se o paciente tiver fator(es) adicional(is) de risco para tromboembolismo venoso.[3]​​[68][Evidência C][Evidência B]​​​​

Nas cirurgias torácicas e de revascularização miocárdica (CRM), a tromboprofilaxia deve ser usada rotineiramente.[3]

Os pacientes submetidos a neurocirurgia (como ressecção de meningioma) são uma população especial por causa do risco de sangramento e a possíveis consequências graves do sangramento. A tromboprofilaxia mecânica de rotina (MCG e dispositivos de CPI) é recomendada em conjunto com um agente farmacológico em pacientes de alto risco que apresentam baixo risco de sangramento.[3][52][66][68][Evidência C]

Grupos de alto risco incluem pacientes com trauma, pacientes com cirurgia ortopédica e aqueles com lesão aguda da medula espinhal. Os pacientes com trauma maior devem receber a profilaxia farmacológica rotineiramente, a menos que haja contraindicação. A profilaxia mecânica pode ser utilizada em pacientes de alto risco.[3]​​[66] Em pacientes de alto risco submetidos a cirurgia espinhal, a profilaxia farmacológica é combinada à profilaxia mecânica, se não houver contraindicação.

Pacientes submetidos a cirurgia ortopédica são uma população de altíssimo risco.[69][70] O risco de desenvolver TVP assintomática após uma artroplastia do joelho ou quadril é de aproximadamente 40% a 60% sem a profilaxia.[3]​ A profilaxia de rotina é justificada para fratura do quadril, artroplastia total de quadril e artroplastia total do joelho. Se a cirurgia de fratura do quadril for protelada, a profilaxia deverá ser administrada antes da cirurgia.[49][66] A tromboprofilaxia para fraturas de membro inferior na tíbia, fíbula ou tornozelo geralmente não é recomendada, mas pode ser considerada se houver fatores de risco adicionais para tromboembolismo venoso.[49][66]

A incidência de TVP proximal é muito baixa após cirurgia artroscópica, independentemente de receber profilaxia ou não. A tromboprofilaxia após a cirurgia artroscópica não pode ser atualmente recomendada.[71][72] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Acredita-se, também, que os pacientes de cirurgia bariátrica são uma população de alto risco, embora haja poucos dados disponíveis. A tromboprofilaxia de rotina é recomendada com dosagem de agentes farmacológicos ajustada de acordo com o peso.[3]

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