Abordagem

Os pacientes devem receber a transfusão em ambientes clínicos, sob observação direta de uma equipe treinada na administração de hemoderivados e no manejo de pacientes que recebem transfusão de sangue, inclusive o tratamento de emergência para anafilaxia.[1] Se o paciente desenvolver novos sintomas durante a transfusão, ela deve ser interrompida. A identidade do paciente e a compatibilidade do hemoderivado devem ser confirmadas.[1] Caso os sintomas sejam leves, o paciente pode ser monitorado de acordo com os esquemas de monitoramento padrão; em caso de suspeita de reação mais grave, é necessária uma avaliação clínica adicional.[1]

O sucesso do tratamento de reações transfusionais mediadas imunologicamente agudas está no rápido reconhecimento do início das reações e na interrupção imediata da transfusão; o reconhecimento e o manejo imediato devem ser incorporados nas políticas locais de transfusão, e a equipe deve receber treinamento obrigatório sobre o processo de transfusão.[1]

O tratamento inicial deve ser orientado pelos sinais e sintomas; não devem ocorrer atrasos no tratamento enquanto são aguardados os resultados das investigações.[1] O tratamento específico das várias reações mediadas imunologicamente está delineado a seguir.

Reação transfusional hemolítica aguda

Os pacientes com reação transfusional hemolítica clinicamente significativa devem ser tratados na unidade de terapia intensiva.[3] Dependendo da gravidade da condição do paciente, podem ser necessários o suporte das vias aéreas com intubação e ventilação mecânica, o monitoramento hemodinâmico invasivo, a administração de vasopressores e a terapia renal substitutiva com diálise.[1] Deve-se iniciar rapidamente a ressuscitação com cristaloides para dar suporte à circulação e à manutenção da perfusão cortical renal. A meta para o débito urinário é de >0.5 a 1.0 mL/kg de peso corporal por hora, para evitar a insuficiência renal oligúrica. Se a ressuscitação fluídica falhar em atingir a meta para o débito urinário, a diurese forçada deverá ser considerada, e a diálise renal pode ser necessária.[3]​ Geralmente, o manitol é o diurético de escolha nessa situação, pois ele age como um varredor de radicais livres, teoricamente minimizando a lesão celular renal, embora deva ser usado com precaução em pacientes com anemia e comorbidades cardíacas.​​[3][39]​​[40][41]​​ Antes de iniciar uma diurese forçada, deve-se descartar a depleção de volume intravascular por meio de evidências da pressão venosa central ou do monitoramento por cateter da artéria pulmonar.

Reação anafilática ou reação alérgica grave

Normalmente, os sintomas ocorrem minutos após o início da transfusão, embora as reações possam aparecer muito depois, mesmo horas após o término da transfusão.[1]​ Pode ocorrer anafilaxia após a urticária e, normalmente, ela afeta dois ou mais sistemas orgânicos com características como angioedema, hipotensão, dispneia, sibilância, estridor e colapso.[5][6]

A anafilaxia requer a administração imediata de adrenalina intramuscular, assim que a houver suspeita do diagnóstico: o tratamento de emergência não deve ser protelado para se esperar a confirmação formal do diagnóstico ou até que critérios diagnósticos específicos sejam atendidos.[1][5]​​[6][42] A administração tardia foi considerada um fator contribuinte para a mortalidade e, também, foi associada a um aumento do risco de reações bifásicas.[5][43]

A adrenalina intramuscular pode ser repetida a cada 5 minutos, conforme necessário, para aliviar o estridor e melhorar a pressão arterial. A infusão de adrenalina por via intravenosa pode ser administrada em um cenário de parada cardíaca ou de hipotensão grave refratária à injeção de adrenalina intramuscular.[42]

As vias aéreas deverão ser protegidas com intubação e início de ventilação mecânica se os sintomas não apresentarem resposta imediata à injeção de adrenalina. O oxigênio suplementar deve ser considerado para todos os pacientes com anafilaxia, independentemente do seu estado respiratório, e deve ser administrado a qualquer paciente com comprometimento respiratório ou cardiovascular e àqueles que não responderem ao tratamento inicial com adrenalina.[42] O broncoespasmo pode melhorar em decorrência do uso adjuvante de um broncodilatador por via inalatória (por exemplo, salbutamol).

A administração de cristaloides deve ser realizada para dar suporte à circulação. Os betabloqueadores (e a doença subjacente para a qual tiverem sido prescritos, por exemplo, doença arterial coronariana [DAC]) podem complicar o tratamento da anafilaxia grave.[5] Os betabloqueadores podem causar resistência ao tratamento com adrenalina, manifestada por bradicardia refratária e hipotensão.[5] Glucagon pode ser usado para superar o bloqueio beta, mas a taquicardia resultante pode ser prejudicial em pacientes com DAC grave.[44] Logo, é necessário encaminhamento rápido a um cardiologista.​​

Anti-histamínicos também podem ser administrados como adjuvantes à adrenalina.[42] A administração de corticosteroide (como metilprednisolona) não é rotineiramente recomendada, pois não há evidências de benefícios claros na anafilaxia; no entanto, deve ser considerada após a ressuscitação inicial.[42][45]​​​[46]​​ Consulte Anafilaxia (Abordagem de tratamento).

Reação urticariforme sem anafilaxia

Quando a urticária se desenvolve isolada durante a transfusão, é necessário descontinuar temporariamente a transfusão e administrar um anti-histamínico. Após a resolução dos sintomas, a transfusão pode ser reiniciada, e nenhuma investigação adicional é necessária. O paciente deve ser rigorosamente monitorado para o início de anafilaxia, que pode evoluir rapidamente. Nesses casos graves, a transfusão não deve ser reiniciada.

Reação transfusional febril não hemolítica

Um antipirético, como o paracetamol, pode ser administrado para o conforto do paciente, embora sua eficácia não tenha sido comprovada.[1][4] A aspirina deve ser evitada no cenário de trombocitopenia. A transfusão deve ser descontinuada até que uma reação hemolítica tenha sido descartada (embora a febre geralmente ocorra pela primeira vez após a finalização da transfusão). Caso não haja preocupação clínica em relação à hemólise, a transfusão pode ser retomada. De maneira alternativa, o paciente pode receber a transfusão de um novo componente.[1]

Lesão pulmonar aguda relacionada à transfusão (TRALI)

O tratamento é de suporte e pode variar de oxigênio suplementar por máscara por um breve período até ventilação mecânica por um período de dias, dependendo da gravidade da insuficiência respiratória do paciente. A resolução da síndrome geralmente ocorre de maneira rápida, tipicamente em menos de 7 dias após a transfusão.

Reação transfusional hemolítica tardia

A reação transfusional hemolítica tardia pode se manifestar de dias a semanas após a transfusão; se a reação se manifestar com rápida hemólise, o tratamento deverá ser feito como o de uma reação hemolítica aguda.[1]​ Na maioria dos casos, a hemólise observada é extravascular e relativamente leve. Alguns pacientes desenvolvem icterícia. O fato de a hemólise ser principalmente extravascular explica por que a insuficiência renal aguda e a coagulação intravascular disseminada (CIVD) raramente ocorrem. A hemólise tardia normalmente ocorre na ausência de sintomas. O diagnóstico pode ser feito quando um novo teste de antiglobulina direto positivo e/ou um rastreamento positivo para anticorpo são identificados na preparação de uma transfusão subsequente.[3]​ Em geral, não é necessário nenhum tratamento específico.

Doença do enxerto contra o hospedeiro associada à transfusão

A doença do enxerto contra o hospedeiro associada à transfusão raramente ocorre, tipicamente em pacientes imunocomprometidos. Ela tende a causar aplasia da medula óssea, com rápida evolução para óbito. Muitos esquemas imunossupressores foram testados. Corticosteroides, globulina antitimocítica, metotrexato, ciclosporina, azatioprina, inibidores de serina protease, cloroquina e muromonabe CD3 (OKT3) produziram resultados desfavoráveis.[30] O tratamento é de suporte.

Púrpura pós-transfusional

A púrpura pós-transfusional é incomum. A imunoglobulina por via intravenosa em dose alta é a terapia de escolha e deve corrigir a trombocitopenia associada em questão de dias.[4][47][48]

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