Abordagem

O objetivo do tratamento é melhorar a qualidade de vida ao máximo grau possível por meio do alívio seguro e sustentável da incongruência/disforia de gênero. As opções para os cuidados para afirmação de gênero incluem as terapias hormonais e as cirurgias. As opções adjuvantes incluem depilação, fonoterapia e aconselhamento de apoio. O tratamento é altamente individualizado, e não existe uma abordagem de tratamento “de tamanho único”. As pessoas transgênero podem optar por submeter-se a todas, algumas ou nenhuma das intervenções acima mencionadas para apoiar a sua afirmação de gênero.

Evidências de metanálises demonstram que, para a maioria das pessoas transgênero, o tratamento para afirmação de gênero (incluindo terapia hormonal) resulta em melhoras significativas na qualidade de vida e no funcionamento psicossocial.[41][42][43]​​​​

Vários órgãos grandes de profissionais da área médica publicaram orientações sobre a assistência a pessoas transgênero, incluindo cuidados para afirmação de gênero; isso inclui a orientação norte-americana da The Endocrine Society e do American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG), e a orientação internacional da World Professional Association for Transgender Health (Associação Profissional Mundial para Saúde de Pessoas Transgênero; WPATH).[4][31][44]​​​​​

Um princípio de abrangência geral é o de que as etapas reversíveis sejam negociadas com êxito antes que as etapas irreversíveis sejam contempladas.[4] Recomenda-se fortemente uma abordagem multidisciplinar ao manejo; as disciplinas relevantes incluem (mas não estão limitadas a) endocrinologia, cirurgia, voz e comunicação, atenção primária, saúde reprodutiva, saúde sexual e saúde mental.[4] Todas as pessoas transgênero que procuram tratamento médico para afirmação de gênero devem receber informações sobre as opções para preservação da fertilidade antes do tratamento com hormônios ou cirurgia.[31]

É importante observar que as pessoas transgênero, enquanto grupo, têm um acesso relativamente menor aos serviços de saúde em comparação com outros grupos de pacientes. As barreiras incluem o preconceito e o estigma por parte dos profissionais de saúde, bem como a falta de conhecimento sobre boas práticas, incluindo a segurança e a eficácia dos tratamentos.[45][46]​​ Uma abordagem aberta, sem julgamentos e inclusiva é importante e pode ajudar a encorajar as pessoas a exporem as suas preocupações e a terem menos probabilidade de obterem hormônios de fontes não licenciadas.[44]​ Tal como acontece com qualquer grupo de pacientes, a colaboração efetiva entre médico e paciente e a tomada de decisão compartilhada podem facilitar o desenvolvimento de uma aliança terapêutica.

Ao assistir pessoas transgênero, use o nome identificado pelo paciente e uma terminologia de gênero neutro até que as preferências de pronomes sejam esclarecidas. A maneira mais direta de determinar os pronomes é simplesmente perguntar: "Quais são seus pronomes de preferência?" Usar o pronome errado pode fazer com que as pessoas transgênero se sintam invalidadas ou desrespeitadas, principalmente se isso ocorrer de maneira repetida. Se você cometer um erro, peça desculpas e siga em frente, com o objetivo de acertar depois.[47]

Os profissionais da saúde também devem estar cientes da falta de padronização no registro da identidade de gênero, e que podem haver opções insuficientes nas plataformas de prontuários eletrônicos.

Fora dos cuidados específicos relacionados com o fato de ser transgênero, as pessoas transgênero têm necessidades de cuidados de saúde semelhantes às da população em geral. No entanto, dependendo da sua história de cuidados para afirmação de gênero (por exemplo, terapia hormonal), podem ser necessárias algumas considerações específicas sobre cuidados primários e preventivos. Ao tratar indivíduos que tomam hormônios para afirmação de gênero, é importante lembrar que eles podem afetar os resultados de exames laboratoriais (por exemplo, testes da função hepática, antígeno prostático específico [PSA]) e alterar fatores de risco para doenças específicas ou aumentar o risco de complicações hospitalares (por exemplo, tromboembolismo venoso).[48]

Transição social

A transição social é o processo de adoção de um papel de gênero ou apresentação de gênero novo ou em evolução na vida cotidiana. Se a transição social deve necessariamente preceder o tratamento hormonal ainda é uma questão controversa. Em geral, muitos médicos acreditam que o tratamento hormonal geralmente não deve ser iniciado a menos que o paciente já tenha alterado seu papel de gênero.[31] Isto pode incluir a alteração legal do registro para o do sexo de preferência e a alteração do nome da pessoa em todos os documentos, bem como sensibilizar amigos, familiares e outros contatos sobre esta alteração e pedir-lhes que tratem a pessoa como sendo do sexo escolhido. Com base na experiência clínica, as vantagens desta abordagem são que ela pode permitir que tanto o paciente como o médico apreciem o grau em que a mudança na expressão e no papel de gênero pode ser aplicada na prática. O arrependimento após o tratamento de afirmação de gênero é raro, mas ocorre; o arrependimento é mais provável de ocorrer naqueles que enfrentam dificuldades com a transição social.[41][49] Além disso, as mudanças no papel social de gênero para um papel não-binário podem ser mais difíceis de realizar do que as pessoas preveem, e depois de experimentarem um período inicial de transição social para um papel não-binário, algumas pessoas podem preferir modificar a sua transição social em favor de desenvolver um papel social de gênero mais distinto.

Menos comumente, o tratamento hormonal é utilizado para os pacientes que não desejam fazer uma transição social de gênero, ou que não conseguem fazê-la.[4]​ Alguns grupos de pacientes afirmam que o tratamento hormonal deve preceder uma alteração do papel de gênero. A experiência clínica sugere que as potenciais desvantagens desta abordagem são que ela envolve um período prolongado de tratamento com hormônios, com potencial associado para efeitos adversos, que pode resultar na insatisfação da pessoa com o grau de alteração corporal (que pode ser permanente), e adiando indefinidamente qualquer mudança de papel.

Os pacientes com autoginefilia podem buscar tratamento hormonal sem qualquer alteração do papel de gênero e podem apresentar esse argumento (de forma explícita ou veladamente) para atingir esse objetivo. A autoginefilia pode posteriormente se dissipar, deixando-os com uma feminização indesejada.

Existe um acordo universal de que um período de transição social de, pelo menos, 6 meses a 1 ano (incluindo pelo menos 1 ano de tratamento hormonal consistente, a menos que seja inadequado ou contraindicado) deve preceder qualquer cirurgia genital.[4][31]​ Períodos mais longos podem ser necessários se houver algum problema durante a experiência no novo papel de gênero, para dar tempo para que esses problemas sejam abordados. Os pacientes não devem ser submetidos a tratamento cirúrgico até que estejam prosperando (não apenas sobrevivendo) em seu novo papel de gênero.

Observe que a transição legal não deve depender do uso de medicamentos ou cirurgia e varia de acordo com as leis locais (isto é, nacionais ou estaduais); médicos e pacientes devem consultar as orientações legais locais relevantes.[44]

Fertilidade e contracepção

A discussão pré-tratamento sobre as consequências do tratamento clínico e cirúrgico sobre a fertilidade é essencial, incluindo uma discussão sobre as opções de preservação da fertilidade, incluindo banco de esperma, preservação de ovócitos, preservação de embriões e (menos comumente) criopreservação de tecido ovariano ou testicular.[31][44]​ Todas os pacientes devem ser aconselhados sobre métodos contraceptivos de barreira para a prevenção de infecções sexualmente transmissíveis. A terapia hormonal de afirmação de gênero não é um método contraceptivo efetivo; as pessoas transgênero com gônadas mantidas devem ser aconselhadas sobre a possibilidade de gravidez se estiverem tendo atividade sexual que envolva espermatozoides e oócitos. A terapia com testosterona é contraindicada durante a gestação, mas os homens transgênero podem engravidar com segurança após a interrupção da testosterona.[44]

Tratamento hormonal de afirmação de gênero

A terapia hormonal para pessoas transgênero é administrada com o objetivo de se atingir um ou mais dos seguintes objetivos:[4][31]

  • Reduzir os níveis de hormônio endógeno (com uma redução resultante das características sexuais secundárias do sexo atribuído ao nascer da pessoa).

  • Substituir esses hormônios endógenos pelos do sexo reatribuído, seguindo princípios de reposição hormonal para pacientes com hipogonadismo.

  • Fornecer terapia de reposição hormonal (TRH) para prevenir os efeitos do hipogonadismo após o tratamento cirúrgico.

O tratamento individualizado é necessário com base nos objetivos dos pacientes, em quaisquer contraindicações clínicas e no perfil de efeitos colaterais das medicações usadas. De acordo com a WPATH, os critérios para iniciar a terapia hormonal incluem:[4]

  • A incongruência de gênero é acentuada e sustentada.

  • O indivíduo atende aos critérios diagnósticos para incongruência de gênero antes do tratamento hormonal para afirmação de gênero em regiões onde é necessário um diagnóstico para acessar serviços de saúde.

  • O indivíduo demonstra capacidade de consentir com o tratamento hormonal para afirmação de gênero específico.

  • Outras possíveis causas de aparente incongruência de gênero foram identificadas e descartadas.

  • A saúde mental e as condições físicas que poderiam afetar negativamente o desfecho do tratamento foram avaliadas, com riscos e benefícios discutidos.

  • O indivíduo compreende o efeito do tratamento hormonal para afirmação de gênero na reprodução e explorou as opções reprodutivas.

O atendimento do transgênero é um campo interdisciplinar e, portanto, a coordenação do atendimento e o encaminhamento para tratamento hormonal dentro de uma equipe de atendimento global do paciente é recomendado.

O tratamento hormonal varia de acordo com o sexo de nascimento do paciente.

Os médicos devem ressaltar a importância do abandono do hábito de fumar, já que o tabagismo aumenta o risco tromboembólico decorrente do tratamento com estrogênio e da policitemia com o tratamento com testosterona (consulte Abandono do hábito de fumar).

Tratamento feminizante para mulheres transgênero

O termo “mulher transgênero” é usado para significar uma pessoa que foi designada como homem ao nascer, mas que se identifica como mulher ou mulher trans.

Uma discussão aprofundada dos riscos versus benefícios do tratamento é essencial antes do início do tratamento, e orienta a tomada de decisão compartilhada.

O tratamento hormonal para afirmação de gênero visa a provocar em um paciente com sexo atribuído como masculino ao nascer as alterações sexuais secundárias observadas em indivíduos com sexo atribuído como feminino ao nascer na puberdade. Essas alterações serão sobrepostas a quaisquer alterações puberais do sexo masculino já ocorridas e não irão revertê-las. Os efeitos do tratamento podem incluir crescimento das mamas, aumento do percentual de gordura corporal, diminuição da libido, diminuição do tamanho testicular e diminuição da função erétil.[44]​ Não há nenhum efeito sobre a qualidade vocal.[44] O crescimento de pelo facial e corporal é reduzido apenas levemente e nunca para. Para obter informações sobre o tempo esperado para os efeitos de feminilização do estrogênio (consulte Discussões com o paciente).

De acordo com a Endocrine Society dos EUA, os riscos associados à terapia com estrogênio em mulheres transgênero incluem:[31]

  • Risco muito alto de desfechos adversos

    • Doença tromboembólica

  • Risco moderado de desfechos adversos

    • Macroprolactinoma

    • Câncer de mama

    • Doença arterial coronariana (DAC)

    • Doença cerebrovascular

    • Colelitíase

    • Hipertrigliceridemia

O ACOG informa que não há contraindicações absolutas à terapia de feminização em mulheres transgênero.[44]​ No entanto, os médicos devem avaliar (e potencialmente tratar) uma série de condições basais, dado que os riscos relativos podem aumentar com o tratamento hormonal; eles incluem câncer sensível a hormônios, doença arterial coronariana, doença cerebrovascular, hiperprolactinemia, hipertrigliceridemia e colelitíase.[4]

A WPATH aconselha que as pessoas que procuram tratamento feminizante e que têm uma história de eventos tromboembólicos (por exemplo, trombose venosa profunda ou embolia pulmonar) devem ser submetidas a avaliação e tratamento antes do início da terapia hormonal.[4] Para aqueles com fatores de risco não modificáveis que podem aumentar o risco de doença tromboembólica, por exemplo, uma história conhecida de trombofilia, uma história pregressa de trombose ou uma história familiar forte de tromboembolismo, a WPATH recomenda que oferecer um anticoagulante além do tratamento com estrogênio transdérmico pode diminuir o risco de tromboembolismo, embora os dados para orientar as decisões de tratamento sejam extremamente limitados.[4]

  • O estrogênio, com ou sem um agente para suprimir androgênio, é usado como tratamento feminizante em mulheres transgênero. No entanto, não há ensaios clínicos randomizados e controlados para avaliar a segurança e a eficácia deste tratamento.[50] Uma grande variedade de formulações e preparações diferentes está disponível, e os formulários locais variam consideravelmente. Na prática, tanto os estrogênios orais quanto os transdérmicos são comumente usados. Em teoria, o estrogênio transdérmico pode estar associado a um menor risco de tromboembolismo venoso e AVC (com base no conhecimento do “efeito de primeira passagem” e na extrapolação de dados derivados de mulheres no pós-menopausa que recebem TRH).[51]​ Qualquer risco absoluto dependerá do risco basal do indivíduo para tromboembolismo venoso. Na prática clínica, o estrogênio oral é comumente usado em mulheres transgênero que apresentam baixo risco basal de tromboembolismo venoso. Para aquelas com 45 anos ou mais, ou com outros fatores de risco para tromboembolismo venoso, as preparações transdérmicas geralmente são preferidas.[44]

  • Os dados atualmente disponíveis não fornecem orientações claras ajustes da dose; em vez disso, isso geralmente deve ser baseado nos objetivos da paciente.[44] Como acontece com qualquer medicamento, recomenda-se o uso da menor dose possível para alcançar os resultados desejados.[44] Com base na experiência clínica, uma abordagem é iniciar o tratamento com uma dose baixa/moderada e aumentar ao longo do tempo. Em última análise, o objetivo é atingir uma dose que produza um estradiol sérico na faixa normal feminina pré-menopausa.[44] A experiência clínica sugere que o tratamento com altas doses desde o início pode estar associado a fusão precoce dos ductos e à eventual formação de seios pequenos, duros e cônicos que não podem ser tornados maiores ou com textura mais natural com qualquer manipulação hormonal subsequente.

  • Geralmente é necessária terapia adjuvante para se atingirem níveis de testosterona na faixa normal feminina (supressão androgênica), particularmente nas pessoas mais jovens (<40 anos).[31]​ A supressão androgênica usando um agonista do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) é preferencial quando disponível, considerando os dados favoráveis de segurança e eficácia.​[31][52]​ Esse tratamento apresenta menos efeitos adversos que quando utilizado para câncer de próstata e geralmente é bem tolerado, sendo que a densidade óssea é protegida pela terapia de esteroides sexuais paralela. As desvantagens dos agonistas de GnRH são o requisito para administração parenteral e um custo relativamente maior, o que às vezes impede a colocação nos formulários disponíveis. Os agonistas do GnRH são usados rotineiramente em alguns países, incluindo o Reino Unido, mas em outras partes do mundo, incluindo os EUA, seu uso é limitado devido aos custos e às dificuldades de cobertura por seguros.

  • As opções alternativas para a supressão androgênica onde os agonistas do GnRH não estiverem disponíveis incluem a espironolactona, a ciproterona e os inibidores da 5-alfa redutase.[4][31]​​​ A espironolactona é comumente usada nos EUA.[44] A ciproterona está disponível na maioria dos países, mas não nos EUA; em geral, a sua utilização está diminuindo devido à sua associação com uma série de efeitos adversos, incluindo hiperlipidemia e níveis elevados de prolactina.[53]

  • A progesterona não é indicada, pois não há evidências suficientes de que os benefícios superem os riscos; embora existam relatos anedóticos de seu uso para o desenvolvimento da mama, atualmente não há evidências suficientes quanto à sua eficácia, e sabe-se que aumenta o risco de câncer de mama e tem sido associada a depressão.[4]

  • Tipicamente leva 2 anos ou mais para que os pacientes alcancem resultados feminilizantes máximos a partir dos hormônios. Se tiver ocorrido supressão gonadal com um agonista de GnRH, a mesma dose será necessária após qualquer cirurgia genital, porém, mais adiante na vida pode ser necessário reduzir as doses para alcançar os mesmos níveis hormonais, pois o metabolismo hepático dos esteroides sexuais pode diminuir com a idade. Para pacientes que partem para a orquidectomia, a terapia hormonal com estrogênio ou testosterona geralmente continua por toda a vida, a menos que se desenvolvam contraindicações.[4]

  • Para os esquemas de monitoramento de exame de sangue recomendados para pacientes que recém iniciaram ou já estão em terapia hormonal (consulte Monitoramento).

Tratamento masculinizante para homens transgênero

O termo “homem transgênero” é usado para significar uma pessoa que foi designada como mulher ao nascer, mas que se identifica como homem ou homem trans.

Uma discussão aprofundada dos riscos versus benefícios do tratamento é essencial antes do início do tratamento, e orienta a tomada de decisão compartilhada.

O tratamento hormonal de afirmação de gênero visa a provocar em uma paciente do sexo atribuído como feminino ao nascer as alterações sexuais secundárias observadas em indivíduos com sexo atribuído como masculino ao nascer na puberdade. Essas alterações serão sobrepostas a quaisquer alterações puberais do sexo feminino já ocorridas, e não irão revertê-las. Os objetivos do tratamento podem incluir o desenvolvimento de pelos faciais, o aprofundamento da voz e um aumento dos pelos corporais e da massa muscular. Os outros efeitos do tratamento podem incluir redistribuição da gordura corporal, recessão da linha do cabelo, alterações no odor corporal, redução da libido, cessação da menstruação, atrofia vaginal e aumento do tamanho do clitóris.[44]​ A atrofia vaginal pode aumentar a suscetibilidade a pequenas quantidades de laceração vaginal durante as relações sexuais com penetração (semelhante ao que ocorre nas mulheres no pós-menopausa) e, portanto, pode ser necessária a prescrição de um lubrificante/estrogênio tópico.[44] Para obter informações sobre o tempo esperado para os efeitos de masculinização da testosterona (consulte Discussões com o paciente).

De acordo com a Endocrine Society dos EUA, os riscos associados à terapia com testosterona em homens transgênero incluem:[31]

  • Risco muito alto de desfechos adversos

    • Policitemia (hematócrito >50%)

  • Risco moderado de desfechos adversos

    • Disfunção hepática grave (transaminases > triplo do limite superior do normal)

    • Doença arterial coronariana (DAC)

    • Doença cerebrovascular

    • Hipertensão

    • Câncer de mama ou uterino

Segundo o ACOG, as únicas contraindicações absolutas ao tratamento masculinizante com testosterona são gestação presente, doença arterial coronariana instável e policitemia (hematócrito superior a 55%).[44]​ A WPATH observa que as contraindicações relativas ao tratamento masculinizante com testosterona incluem a hipertensão grave e a apneia do sono, uma vez que ambas podem ser exacerbadas pela administração de testosterona.[4]

  • Preparações, doses e restrições de licenciamento para testosterona variam de acordo com o país de prática. Uma série de preparações e vias de administração estão disponíveis, incluindo injetáveis, géis, emplastros e comprimidos bucais.

  • O objetivo da terapia é sempre alcançar níveis séricos de testosterona dentro da faixa normal fisiológica para jovens do sexo masculino.[44]

  • Dados de estudos relatados na literatura entre 1980 e 2010 sugerem que o tratamento de pessoas transgênero do sexo feminino para masculino com doses suprafisiológicas de testosterona está associado a efeitos adversos mínimos e a nenhum aumento na mortalidade, câncer de mama, doença vascular ou outros problemas de saúde importantes.[54]​ No entanto, os médicos conseguem obter uma boa resposta clínica e minimizar os riscos de efeitos adversos ao evitarem níveis suprafisiológicos de testosterona.

  • Os androgênios são administrados em dosagens suficientes para induzir menopausa, geralmente uma vez ao mês, mas, mais raramente, até uma vez a cada 2 semanas. Quando a menopausa for atingida, geralmente é possível reduzir a frequência sem que as menstruações retornem.

  • A supressão de gonadotrofinas geralmente não é necessária em homens transgênero, pois os androgênios por si só suprimem muito bem a função ovariana. Todos os pacientes devem receber a oportunidade de armazenar gametas antes do tratamento hormonal, como é o caso de qualquer tratamento médico obrigatório que remova a fertilidade natural.[4]

  • Tipicamente leva 2 anos ou mais para que os pacientes alcancem resultados masculinizantes/feminilizantes máximos a partir dos hormônios. Se tiver ocorrido supressão gonadal com um agonista de GnRH, a mesma dose será necessária após qualquer cirurgia genital; porém, mais adiante na vida pode ser necessário reduzir as doses par alcançar os mesmos níveis hormonais, pois o metabolismo hepático dos esteroides sexuais pode diminuir com a idade.

  • Para pacientes que partem para a gonadectomia, a terapia hormonal com estrogênio ou testosterona geralmente continua por toda a vida, a menos que se desenvolvam contraindicações.[4]

  • Para os esquemas de monitoramento de exame de sangue recomendados para pacientes que recém iniciaram ou já estão em terapia hormonal, (consulte Monitoramento).

Cirurgia para afirmação de gênero

Algumas pessoas transgênero são capazes de viver com êxito em seu papel de gênero preferido sem cirurgia, mas para outros a cirurgia genital é a etapa final (e a mais considerada) no processo de tratamento.[4]

De acordo com a WPATH, os critérios para a cirurgia genital incluem:[4]

  • A incongruência de gênero é acentuada e sustentada.

  • Atender aos critérios diagnósticos para incongruência de gênero antes da intervenção cirúrgica para afirmação de gênero em regiões onde um diagnóstico é necessário para ter acesso a serviços de saúde.

  • Demonstrar capacidade de consentir com a intervenção cirúrgica para afirmação de gênero específica.

  • Compreender o efeito da intervenção cirúrgica para afirmação de gênero sobre a reprodução e ter explorado as opções reprodutivas.

  • Outras possíveis causas de aparente incongruência de gênero foram identificadas e descartadas.

  • A saúde mental e as condições físicas que poderiam afetar negativamente o desfecho da intervenção cirúrgica para afirmação de gênero foram avaliadas, e os riscos e benefícios foram discutidos.

  • Estável em seu esquema de tratamento hormonal para afirmação de gênero (o qual pode incluir pelo menos 6 meses de tratamento hormonal ou um período mais longo, se necessário, para alcançar o resultado cirúrgico desejado, a menos que a terapia hormonal não seja desejada ou seja clinicamente contraindicada).*

*Isso foi classificado como critério sugerido. Observe que não há consenso sobre se o tratamento hormonal deve ou não sempre preceder determinados procedimentos cirúrgicos e, em caso afirmativo, por qual duração. A WPATH observa que o tratamento hormonal para afirmação de gênero causa alterações anatômicas, fisiológicas e psicológicas. O início das alterações anatômicas (crescimento do clitóris, atrofia vaginal) pode começar logo após o início do tratamento, com efeitos máximos esperados em 1-2 anos. Dependendo do resultado cirúrgico necessário, um período de tratamento hormonal pode ser necessário antes da cirurgia por razões anatômicas, por exemplo, para causar virilização do clitóris antes da faloplastia, ou pode ser desejado, por exemplo, para causar crescimento mamário e expansão da pele antes do aumento das mamas. O tratamento hormonal antes da cirurgia também pode ser preferido por razões psicológicas.[4]​ Para pacientes que não fazem tratamento hormonal, é necessária uma abordagem individualizada, idealmente com colaboração multidisciplinar, e é importante que os cirurgiões analisem de maneira cuidadosa o impacto que a falta de terapia hormonal prévia pode ter em qualquer cirurgia proposta. Além disso, muitas clínicas preferem que o paciente tenha experimentado de 1 a 2 anos no papel de gênero desejado antes da cirurgia.[32]

O aconselhamento para discutir as expectativas e limitações da cirurgia é essencial, incluindo os prováveis efeitos sobre a função sexual. Os requisitos relativos à autorização clínica de procedimentos para afirmação de gênero diferem de acordo com a localidade de prática, e os médicos devem consultar as orientações locais; por exemplo, em algumas localidades (por exemplo nos EUA), é necessário um acordo entre um profissional da saúde mental e um médico que supervisione a terapia hormonal para autorização e liberação pelo médico antes da cirurgia.[31]​ As cirurgias genitais devem ser realizadas em centros com conhecimentos especializados, sempre que possível.

Podem ser necessários apoio contínuo de saúde mental e psicossocial antes e depois da cirurgia, conforme apropriado. O acompanhamento urológico ao longo da vida é incentivado para homens transgênero submetidos a metoidioplastia/faloplastia.[4] O acompanhamento de longo prazo pelo cirurgião primário/ginecologista/médico de atenção primária é incentivado para mulheres transgênero que foram submetidas à vaginoplastia.[4]

A percentagem das pessoas que lamentam a sua intervenção cirúrgica para afirmação de gênero é baixa (estimada entre 0.3% e 3.8%).[4] O arrependimento pode ser temporário ou permanente; neste cenário, recomenda-se a colaboração multidisciplinar para explorar mais esta questão, sendo os possíveis desfechos o tratamento clínico e/ou cirúrgico para continuar a transição, ou a cirurgia de revisão para devolver a anatomia ao sexo atribuído ao nascimento.[4]

Mulheres transgênero: tratamentos e cirurgias feminizantes

Remoção de pelos

  • Isso pode ser feito com eletrólise ou laserterapia. Todos os outros métodos não são permanentes.

Fonoterapia

  • As mulheres transgênero que pretendem alcançar uma maior congruência entre a sua voz e o gênero vivenciado podem se beneficiar do encaminhamento para um fonoaudiólogo/patologista com formação e experiência específicas nesta área.[44]

Procedimentos estéticos

  • As opções são variadas e incluem lipoaspiração, lipopreenchimento, aumento de glúteos e reconstrução capilar.[44]

Cirurgia de cabeça e pescoço

  • A cirurgia de redução de cartilagem tireoide é por vezes necessária em pacientes altas, magras, cuja cartilagem tireoide é inaceitavelmente proeminente. Esse procedimento geralmente não é problemático. Ela pode ser combinada com uma aproximação cricotireoidea.

  • A aproximação cricotireoidea pode ser feita isoladamente ou em combinação com uma redução de cartilagem tireoide. Ele altera a qualidade vocal para um timbre mais feminino. Só deve ser realizada quando a fonoterapia falhar e, geralmente, requer acompanhamento com fonoterapia.[44]

  • A cirurgia craniofacial é uma cirurgia complexa e, por vezes, muito radical, que é algumas vezes útil, mas só deverá ser contemplada quando o tratamento com hormônios tiver sido totalmente utilizado e quando uma cosmese mais simples tiver falhado.

Mamoplastia de aumento

  • Embora não seja um pré-requisito formal, é desejável que as pacientes recebam tratamento com hormônio feminizante (por um mínimo de 12 meses) antes da cirurgia.[32] Com base na experiência clínica, é preferível um mínimo de 2 anos. Isso ocorre porque pode ser muito problemático em termos estéticos se o desenvolvimento natural das mamas sob estimulação estrogênica for feito após uma mamoplastia de aumento.

Cirurgia genital

  • Os pacientes devem estar estáveis em seu esquema de tratamento hormonal para afirmação de gênero (o qual pode incluir pelo menos 6 meses de tratamento hormonal ou um período mais longo, se necessário, para alcançar o resultado cirúrgico desejado, a menos que a terapia hormonal não seja desejada ou seja clinicamente contraindicada).

  • Além disso, muitas clínicas preferem que o paciente tenha experimentado de 1 a 2 anos no papel de gênero desejado. Ao longo desse período de tempo, o paciente deve ter mostrado melhora das funções psicológica, social e, provavelmente, ocupacional.[32]

  • A cirurgia genital geralmente envolve penectomia e orquidectomia. A cirurgia usa os órgãos genitais existentes para formar uma vulva, neoclítoris e prepúcio clitoridiano, lábios e (geralmente) neovagina.[44]

  • A remoção dos pelos genitais pré-operatória é algumas vezes necessária, particularmente em pacientes que foram circuncidados. A experiência clínica sugere que os resultados cosméticos podem ser muito bons.

Homens transgênero: tratamentos e cirurgias masculinizantes

Procedimentos estéticos

  • As opções são variadas e incluem lipoaspiração, lipopreenchimento e implantes na região peitoral.[44]

Mastectomia bilateral (“cirurgia alta”)

  • Não há consenso sobre quando os pacientes devem ser submetidos à mastectomia bilateral.[31] Embora a terapia hormonal não seja um pré-requisito formal para a mastectomia bilateral, quase todos os profissionais acreditam que a mastectomia bilateral deve ocorrer após uma mudança do papel de gênero e de tratamento com androgênios. Alguns grupos de pacientes defendem que a mastectomia deve preceder ambos os eventos. O peso e a forma corporais podem mudar consideravelmente quando os pacientes são tratados com androgênios e pode ser que uma aparência pós-cirúrgica inicialmente boa seja alterada negativamente com o tratamento androgênico subsequente. Podem surgir dificuldades quando um paciente afirma inicialmente que deseja um papel não binário e solicita a mastectomia bilateral e a reconstrução torácica sem tratamento precedente com testosterona. Então pode haver uma evolução subsequente para um papel mais claramente masculino e a correspondente necessidades de tratamento com testosterona, que pode ter um impacto negativo na aparência pós-cirúrgica do paciente.

Histerectomia e ooforectomia bilateral

  • Anteriormente, a histerectomia e a ooforectomia totais eram recomendadas para os homens transgênero que recebiam terapia com testosterona, mas a WPATH agora não recomenda a ooforectomia ou a histerectomia de rotina apenas com o propósito de prevenção de câncer de ovário ou uterino para transgêneros submetidos a tratamento com testosterona e que têm um risco médio de neoplasia maligna.[4][31]​​ Os hormônios para afirmação de gênero não demonstraram afetar o risco de câncer, mas a qualidade das evidências é baixa, sendo necessários estudos de longo prazo.[55]

  • A via de histerectomia depende dos achados clínicos, cirúrgicos e da preferência do paciente.[44]

  • As abordagens incluem a laparoscópica, a transvaginal e a transabdominal. Uma vantagem da abordagem laparoscópica é que ela evita deixar uma grande cicatriz abdominal. O acesso vaginal pode ser difícil, se as pacientes forem nulíparas, e muitas vezes nunca tiveram relação com penetração. A abordagem transabdominal pode utilizar qualquer incisão que não a incisão de Pfannenstiel, já que essa incisão é patognomônica de cirurgia ginecológica e a cicatriz resultante pode parecer estranha em um homem.

Faloplastia

  • Este procedimento complexo, muitas vezes em vários estágios, é normalmente considerado apenas quando o paciente tiver recebido tratamento hormonal contínuo por no mínimo 1 ano, a menos que contraindicado.[32]​ Além disso, muitas clínicas preferem que o paciente tenha experimentado de 1 a 2 anos no papel de gênero desejado. Ao longo desse período de tempo, o paciente deve ter mostrado melhora das funções psicológica, social e, provavelmente, ocupacional.

  • As áreas doadoras para a faloplastia podem incluir o antebraço, a pele abdominal ou tecidos de outras partes do corpo. A complexidade, a duração e os custos do procedimento são tão substanciais que apenas uma minoria dos pacientes opta por se submeter a essa cirurgia. A experiência clínica sugere que os resultados cosméticos e funcionais são bastante bons, mas o resultado, mesmo nos melhores centros, é claramente distinguível de um pênis nativo.

Atenção primária: considerações especiais

As necessidades assistência à saúde primárias das pessoas transgêneros são semelhantes às de qualquer outro paciente.[4]​ Contudo, para as pessoas que recebem cuidados para afirmação de gênero, poderão ser necessárias algumas considerações adicionais. Dependendo da organização dos serviços, os profissionais da atenção primária podem estar envolvidos na prescrição de terapia hormonal para afirmação de gênero, de preferência em conjunto com uma equipe especializada em atenção secundária, e com acesso a um endocrinologista, se necessário.[32]​ A avaliação física e o monitoramento contínuo dos parâmetros hematológicos, endócrinos e bioquímicos são essenciais e, idealmente, devem ser realizados de maneira compartilhada/colaborativa com a atenção secundária (consulte Monitoramento).

Observe que em algumas circunstâncias clínicas (menos comuns), um não especialista, por exemplo um médico de atenção primária, pode considerar a prescrição de uma “receita provisória” de tratamento hormonal para suprir a assistência ao paciente até que este tenha acesso a serviços especializados, como parte de uma abordagem de redução de danos. Isto proporciona a oportunidade de realizar exame de sangue e avaliações de saúde para detectar contraindicações ao tratamento. A adequação desta abordagem depende da formação e da experiência de cada médico, bem como das diretrizes e políticas locais, e normalmente só deve ser considerada quando:[56]

  • O paciente já se autoprescrever, ou parece altamente propenso a se autoprescrever, com os hormônios obtidos de uma fonte não regulamentada (online ou de outra forma no mercado negro).

  • A prescrição provisória tem como objetivo mitigar o risco de autolesão ou suicídio.

  • O médico tiver buscado aconselhamento de um especialista em gênero e prescrito a dose mais baixa aceitável nas circunstâncias.

É importante observar que, em algumas partes do mundo, os serviços especializados para pessoas transgênero são limitados ou totalmente indisponíveis, destacando a necessidade de todos os prestadores de assistência receberem formação na prestação segura de cuidados para afirmação de gênero.[4]

Em relação aos cuidados de saúde preventivos, atualmente não há evidências do impacto de longo prazo do tratamento hormonal de afirmação de gênero. O rastreamento de câncer, no geral, deve ser iniciado de acordo com as orientações locais, embora haja algumas questões específicas a serem consideradas para indivíduos que fazem terapia hormonal e/ou aqueles que foram submetidos à cirurgia (por exemplo, em relação ao rastreamento de câncer de mama, cervical e próstata, e osteoporose) (consulte Monitoramento).[4]

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