Abordagem

A maioria dos tiques em crianças é leve e não precisa de tratamento. Mesmo pacientes com síndrome de Tourette leve (transtorno de Tourette) podem não necessitar de tratamento.

O tratamento é indicado para pacientes cujos tiques interferem nas atividades da vida diária, interações sociais ou desempenho escolar ou profissional. O principal objetivo é otimizar a qualidade de vida do paciente por meio da redução dos tiques e melhora dos problemas comportamentais, se presentes. A maioria dos médicos usa terapia comportamental e/ou farmacoterapia para tratar tiques que afetam a qualidade de vida e as atividades da vida diária. O tratamento deve ser individualizado e colaborativo e levar em consideração as comorbidades.[52]

Medidas iniciais para todos os pacientes

A psicoeducação para o paciente e seus pais, professores e colegas é o passo inicial mais importante.[52] Os pacientes e seus pais devem ter certeza de que o prognóstico é favorável para a maioria das pessoas afetadas por tiques. Eles também devem estar cientes da tendência dos tiques aumentarem em momentos de estresse, ansiedade, transições e agitação. A família e a escola devem ser aconselhadas a tentar não focar na presença dos tiques.

Os pacientes devem ser avaliados para transtornos comórbidos, como TDAH, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), ansiedade e transtornos do humor e de comportamento disruptivo.[52]

Terapias comportamentais

As terapias comportamentais constituem um componente essencial no tratamento de tiques. A intervenção comportamental abrangente para tiques (ICAT) é um programa que inclui treinamento de reversão de hábitos, treinamento de relaxamento e uma intervenção funcional para lidar com situações que sustentam ou pioram os tiques. A ICAT (se disponível) é recomendada como opção de tratamento inicial em relação a outras intervenções psicossociais/comportamentais e em relação aos medicamentos.[52] A maioria das crianças e adultos que apresentam uma resposta inicial positiva à ICAT mantém os ganhos do tratamento por pelo menos 6 meses. A eficácia da ICAT parece semelhante a dos medicamentos, e há algumas evidências de que a eficácia é maior para pacientes que não tomam medicamentos anti-tique ao mesmo tempo.[52][53][54][55] A maioria dos estudos foi realizada com participantes com 9 anos ou mais, mas um estudo aberto em crianças de 5 a 8 anos demonstrou efeitos benéficos da ICAT nessa faixa etária.[56]

Outras terapias comportamentais que podem ser usadas para tratar tiques se a ICAT não estiver disponível incluem prevenção de exposição e resposta (PER), treinamento de reversão de hábitos (como terapia autônoma) e terapia cognitivo-comportamental.[52][57][58][59][60]

As terapias comportamentais são ministradas por profissionais treinados, incluindo psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos.[61][62][63] Entretanto, esse tipo de terapia pode não estar disponível com facilidade em algumas comunidades. Se as opções presenciais não estiverem disponíveis, as terapias podem ser ministradas por videoconferência ou teleconferência, ou usando módulos de aprendizado online, embora as evidências de eficácia sejam limitadas.[52][60]

Há evidências insuficientes para corroborar o uso de exercícios físicos e/ou intervenções dietéticas no tratamento de transtornos de tique.[52][55]

Farmacoterapia

Se a terapia farmacológica for indicada e desejada pelo paciente e família, o tratamento deve ser escolhido com base no perfil de efeitos adversos e na presença de comorbidades (incluindo gravidez; ver abaixo).[2] Como muitos pacientes com tiques são crianças, a dosagem para um paciente individual deve ser baseada na idade e no peso do paciente. As doses de todos os medicamentos devem ser fornecidas por um especialista com experiência no manejo de transtornos de tiques.

As opções farmacológicas incluem agonistas alfa-2-adrenérgicos, antipsicóticos, injeções de toxina botulínica tipo A e topiramato.

Agonistas alfa-2-adrenérgicos

  • Quando a medicação é considerada adequada (ou seja, depois de, ou além de, terapia comportamental), agonistas alfa-2-adrenérgicos são preferenciais como agentes farmacológicos de primeira linha.[55] Embora uma eficácia menor seja relatada quando usado em transtornos de tiques sem comorbidades, os médicos e seus pacientes podem estar mais dispostos a tentar um agonista alfa-2-adrenérgico para tiques antes de passar para medicamentos "mais fortes".[13][52][64][65]

  • As opções incluem clonidina oral ou transdérmica e guanfacina oral.[13][52][66] Os agonistas alfa-2-adrenérgicos estão associados a menos efeitos adversos e menos graves do que os medicamentos antipsicóticos (neurolépticos), mas deve-se ter cautela devido ao risco potencial de fadiga diurna. A frequência cardíaca e a pressão arterial devem ser monitoradas em todos os pacientes, e o intervalo QTc monitorado em pacientes de alto risco em uso de guanfacina.[52]

Injeções de toxina botulínica

  • As injeções de toxina botulínica tipo A podem ser usadas em adultos e adolescentes mais velhos com tiques motores focais simples afetando a região da face ou pescoço, ou com tiques vocais gravemente incapacitantes ou agressivos.[52] Esta terapia não é adequada para pacientes com tiques complexos envolvendo vários grupos musculares. As injeções são aplicadas diretamente nos músculos afetados.

  • Há alguma evidência de uma diminuição significativa nos tiques e impulsos premonitórios com injeção de toxina botulínica tipo A em comparação com placebo em pessoas com tiques motores simples, mas são necessários ensaios clínicos randomizados e controlados adicionais.[67][68]

  • É necessário fazer o encaminhamento do paciente a um especialista em distúrbios do movimento.

Antipsicóticos

Devido ao risco de efeitos adversos, os antipsicóticos são usados principalmente se os agonistas alfa-2-adrenérgicos forem ineficazes ou pouco tolerados.[55] Eles não são adequados para o tratamento de tiques não graves. Os pacientes devem ser informados sobre os potenciais efeitos adversos e deve ser realizado um monitoramento adequado antes e durante o tratamento.[52]

  • Antipsicóticos atípicos

    • Os antipsicóticos atípicos são preferenciais aos antipsicóticos típicos devido ao seu perfil de efeitos adversos mais favorável (por exemplo, menor risco de sintomas extrapiramidais e arritmias cardíacas).[69]

    • O aripiprazol é aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) dos EUA para a síndrome de Tourette e tem suporte para o tratamento de transtornos de tique em crianças e adultos.[52][66][70]

    • A risperidona também é eficaz no tratamento de transtornos de tiques.[52][66][70]

    • Os antipsicóticos atípicos estão associados a ganho de peso, sedação, síndrome metabólica, reações distônicas agudas, discinesia tardia e síndrome neuroléptica maligna. Os pacientes devem ser tratados com a dose mínima mais eficaz.

  • Antipsicóticos típicos

    • Há evidências de eficácia do haloperidol e da pimozida no tratamento de tiques.[52] São os únicos antipsicóticos típicos aprovados para o tratamento da síndrome de Tourette em alguns países.[71]

    • Vários especialistas em distúrbios do movimento utilizam a flufenazina como agente de escolha, dado seu menor risco de efeitos adversos em comparação com haloperidol e pimozida, e sua relativa especificidade para o receptor de dopamina D2; evidência de eficácia é promissora, mas limitada.[12][52][72]

    • Os efeitos adversos potenciais dos antipsicóticos típicos incluem reações distônicas agudas, síndrome neuroléptica maligna, discinesia tardia, sedação, ganho de peso e arritmias cardíacas.[73]

    • Um ECG deve ser realizado antes de iniciar pimozida e depois periodicamente. A genotipagem do CYP2D6 deve ser realizada antes do aumento da dose. Os metabolizadores lentos de CYP2D6 desenvolverão concentrações mais altas de pimozida, aumentando o risco de QT prolongado.[74] A maioria dos estudos sobre pimozida em crianças foi realizada em crianças com 12 anos de idade ou mais. Há pouca informação sobre o uso de pimozida em crianças mais jovens.

Topiramato

  • O topiramato pode ser uma alternativa útil para tratar os tiques em pacientes com obesidade comórbida (devido ao potencial de efeitos mínimos sobre o peso associado a esse medicamento), dificuldade para dormir ou cefaleia enxaquecosa.[52][75][76] Recomenda-se iniciar com uma dose baixa à noite e aumentá-la gradativamente para reduzir os efeitos adversos. Doses muito baixas podem ser eficazes em alguns pacientes, enquanto outros podem exigir doses mais altas.

Outros medicamentos

Vários pequenos estudos não controlados sugeriram o uso de baclofeno para o tratamento de transtornos de tiques, embora as evidências pareçam ser fracas na melhor das hipóteses, e esse medicamento não seja usado na prática.[77][78]

Há relatos de que os benzodiazepínicos como o clonazepam são eficazes no tratamento de transtornos de tique.[79] No entanto, não foram realizados estudos sistemáticos para dar suporte ao uso desse medicamento, e o potencial de tolerância e/ou abuso deve ser considerado. Eles são, portanto, considerados como um último recurso.

A tetrabenazina é um tipo de antagonista da dopamina que atua esgotando a dopamina pré-sináptica.[80] Há alguma evidência de melhora do tique em pacientes com síndrome de Tourette tratados com tetrabenazina por 2 anos; no entanto, nenhum ensaio clínico randomizado e controlado com tetrabenazina para tiques foi realizado.[81] Foi relatado que a tetrabenazina causa parkinsonismo induzido por medicamento e pode causar depressão e ideação suicida.[82] A deutetrabenazina e a valbenazina, dois medicamentos com mecanismo de ação semelhante à tetrabenazina, não demonstraram eficácia significativa em comparação com placebo para o tratamento de tiques em vários ensaios.[83]

Considerações adicionais para pacientes com TDAH e/ou TOC coexistentes

É importante reconhecer e tratar as comorbidades, sendo o TDAH e o TOC as mais frequentes.[52] Para muitos pacientes, abordar e tratar as comorbidades pode ser mais útil que apenas controlar os tiques. É necessário fazer o encaminhamento a um psicólogo ou psiquiatra pediátrico caso os problemas comportamentais sejam expressivos.

Transtorno de deficit da atenção com hiperatividade (TDAH)

O tratamento de tiques para pacientes com TDAH é amplamente semelhante ao de pacientes sem TDAH. Os agonistas alfa-2-adrenérgicos clonidina e guanfacina são comumente usados para tratar tiques em crianças com TDAH devido aos seus efeitos benéficos em ambas as condições.[84][85][86] O topiramato deve ser usado com cautela em pacientes com TDAH devido a potenciais efeitos adversos na cognição.

Os medicamentos estimulantes para crianças com TDAH e tiques não foram consistentemente comprovadas como exacerbando os tiques, mas pacientes individuais podem ter esse efeito colateral.[85][86] Podem ser necessários alguns ajustes no medicamento caso a exacerbação dos tiques represente uma preocupação. Podem ser feitas tentativas com medicamentos alternativos no tratamento do TDAH. A atomoxetina foi relatada como eficaz para o tratamento de TDAH em crianças com transtornos de tiques, sem piorar a gravidade dos tiques.[52][66][85][86]

Consulte Transtorno de deficit da atenção com hiperatividade em crianças e  Transtorno de deficit da atenção com hiperatividade em adultos.

OCD

O medicamento antipsicótico tem maior probabilidade de ser o medicamento de primeira escolha para o tratamento de tiques em pacientes com TOC, pois os antipsicóticos têm eficácia como tratamento adjuvante aos inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs) para o TOC e, portanto, podem ser úteis para sintomas de tiques e TOC.[87] 

Há relatos de que inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRSs), como a fluoxetina ou sertralina, são efetivos no tratamento do TOC e da síndrome de Tourette associada.[88] No entanto, houve relatos contraditórios de piora dos sintomas de tique após a iniciação de um ISRS.[89]

Consulte Transtorno obsessivo-compulsivo.

TDAH e TOC

Cerca de 25% dos pacientes apresentam TDAH e TOC em associação com os tiques.[90] O encaminhamento para especialista é indicado. A definição de prioridades dos quadros clínicos a serem tratados primeiramente é feita pelo paciente. 

Estimulação cerebral profunda para pacientes com tiques graves refratários a terapias comportamentais e farmacológicas

A estimulação cerebral profunda (ECP) pode ser considerada como uma opção para pacientes com tiques incapacitantes graves (ou seja, incapazes de realizar atividades cotidianas, como escola ou trabalho, ou em risco de lesões graves) resistentes a terapias comportamentais e farmacológicas.[52]

Pequenas séries de casos e estudos cruzados de ECP usando vários alvos cerebrais (ou seja, globo pálido interno, núcleo accumbens, tálamo) mostraram resultados contraditórios; as informações de ensaios clínicos randomizados e controlados são limitadas.[52][66][91][92][93] Em alguns casos, houve melhora de TOC, TDAH e/ou distúrbios do humor comórbidos associados aos sintomas de tique.[91][94]

Pacientes elegíveis para ECP (ou seja, com tiques graves refratários à terapia comportamental e vários tipos de medicamentos) devem passar por uma avaliação multidisciplinar para estabelecer se os benefícios potenciais superam os riscos, e devem ser rastreados no pré-operatório e acompanhados no pós-operatório para transtornos psiquiátricos.[52][94]

Manejo dos tiques durante a gravidez

Os tiques podem ter os primeiros episódios durante a gestação. Deve-se avaliar a possibilidade de tratamento (incluindo intervenções tanto comportamentais como medicamentosas) caso a paciente apresente sintomas que interferem nas atividades diárias. Se for necessário tratamento, a paciente deve ser encaminhada a um especialista em distúrbios do movimento e a um obstetra de alto risco.

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