Abordagem

O diagnóstico dos transtornos de tique é feito com base na história e em um exame físico normal. Não são necessárias investigações adicionais, salvo se a apresentação e os achados clínicos sugerirem outros diagnósticos diferenciais possíveis que precisem ser descartados.

História

A história pode revelar presença de fatores de risco fortemente relacionados com transtornos de tique como idade <18 anos, sexo masculino, história familiar de tiques e presença ou história familiar de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), TDAH ou depressão.

Os tiques devem ser classificados com base nas características a seguir:

  • Duração dos sintomas

  • Tipo: motor, vocal ou uma combinação.

Os tiques podem ser dos tipos a seguir:

  • Tiques motores simples. Podem incluir: fazer caretas, piscar, sacudir a cabeça, erguer os ombros, tensionar o abdome ou chutar.

  • Tiques vocais simples. Podem incluir: fungar, gemer, pigarrear, latir, bufar ou tossir.

  • Tiques motores complexos. Podem incluir: balançar a cabeça, estalar os dedos, tocar, pular, esfregar, ecopraxia (imitar os gestos dos outros) ou copropraxia (executar gestos obscenos).

  • Tiques vocais complexos. Podem incluir: assobio, eructação, palavras ininteligíveis ou ilógicas, mudanças no tom ou volume da fala, coprolalia (pronunciar obscenidades ou profanidades), ecolalia (repetir as palavras ou as frases dos outros) e palilalia (repetir suas próprias palavras, principalmente a última sílaba).

O diagnóstico da síndrome de Tourette (transtorno de Tourette) é feito com base na história e em um exame físico normal. A apresentação inicial ocorre antes dos 18 anos de idade.[38] É definida como tiques motores e vocais em uma frequência que pode aumentar e diminuir, mas necessariamente com duração >1 ano, a contar da apresentação inicial, não podendo os sintomas serem explicados por outros quadros clínicos.[3][38]

É importante determinar a partir da história:

  • O curso temporal dos tiques

  • Sensações relacionadas com os tiques

  • Fatores de exacerbação e melhora

  • Problemas de comportamento e humor.

Na maioria das vezes, os tiques começam na infância, embora os adultos também possam raramente apresentar novo episódio de transtornos de tique. A causa mais comum dos tiques em adultos é o ressurgimento de tiques da infância que podem ou não ter sido reconhecidos ou diagnosticados durante a infância. Os transtornos de tique com apresentação inicial na vida adulta são geralmente mais graves e resultam em morbidade social mais intensa. Raramente, o início dos transtornos de tique se dá em gestantes. Até 80% de todos os pacientes descrevem uma necessidade interior ou uma sensação premonitória local que é aliviada ao executar o tique.[3] É mais comum em adultos que em crianças.[2]

Os tiques ocorrem com uma frequência variável, sendo muitas vezes descritos como intermitentes. Costumam ser mais frequentes em situações relacionadas com níveis maiores de estresse, ansiedade, transições ou agitação.[1][2] Podem ocorrer com menos frequência caso a pessoa se distraia com outras tarefas mentais.[1][2] Pessoas com tiques conseguem controlar ou suprimi-los temporariamente por períodos breves, uma característica que ajuda a diferenciar os tiques de convulsões focais (as quais os pacientes não conseguem controlar).[1][2][3]

A história (ou o exame físico) pode revelar ou sugerir a presença de uma condição clínica associada. As pessoas com transtornos de tique, em especial pacientes com síndrome de Tourette, podem apresentar comorbidades, sobretudo TDAH e TOC.[3][46] Um estudo de prevalência ao longo da vida revelou que as meninas tinham maior probabilidade de TOC comórbido e os meninos tinham maior probabilidade de TDAH comórbido.[46]

A história familiar de transtornos psiquiátricos também pode ser questionada devido à associação de diagnósticos psiquiátricos parentais com síndrome de Tourette/transtorno de tique crônico nos descendentes.[42][43]

Exame físico

Caso não sejam observados tiques durante o exame físico, o médico pode pedir que o paciente ou os pais enviem um vídeo para fins de avaliação. O exame neurológico geralmente se mostra normal, exceto pelos tiques observados. No entanto, pode haver sinais mínimos como pequenas dificuldades de coordenação e em motricidade fina, distração e inquietação.[2]

Os tiques podem ser secundários a outro quadro clínico em caso de exame neurológico anormal (por exemplo, aumento de tônus, espasticidade, rigidez ou fraqueza), início abrupto de tiques associados a outros sintomas neurológicos, padrão incomum de tiques (unilateral ou associado a distonia) ou início na vida adulta. O paciente deve ser encaminhado a um neurologista.[3]

Avaliação de causas secundárias e outras causas neurológicas

O diagnóstico de transtornos de tique é feito a partir da história médica, não sendo recomendado qualquer teste específico. No entanto, outros exames devem ser realizados em caso de suspeita de transtorno de tique secundário ou diagnóstico não conclusivo.

As causas secundárias incluem:

  • Infecções (por exemplo, encefalite, doença de Creutzfeldt-Jakob e coreia de Sydenham)

  • Drogas (estimulantes, por exemplo, cocaína, metanfetamina; ou antipsicóticos, por exemplo, tiques tardios)

  • Toxinas (por exemplo, monóxido de carbono)

  • Trauma cranioencefálico

  • Lesões cerebrais inespecíficas, como hipóxia ou isquemia.

Os transtornos neurológicos que podem se manifestar com tiques incluem:[3]

  • Encefalopatia estática

  • Transtornos de espectro autista

  • Neuroacantocitose

  • Doença de Huntington

  • Doença de Wilson

  • Neurodegeneração associada à pantotenato quinase

  • Hipertireoidismo

  • Encefalite antirreceptor de N-metil-D-aspartato

  • Lúpus eritematoso sistêmico

  • Acidente vascular cerebral (AVC).

A avaliação destas causas começa geralmente com ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica, com e sem contraste intravenoso. A RNM não é indicada em pacientes com exame neurológico normal.[23]

Convulsões motoras focais ou mioclônicas devem ser consideradas como possíveis diagnósticos diferenciais caso o paciente apresente nível alterado de consciência durante a ocorrência dos tiques ou não consiga controlar seus movimentos. É necessário realizar um eletroencefalograma para ajudar na confirmação do diagnóstico.

Pacientes com febre, estado mental alterado e início abrupto de um transtorno de tique podem apresentar encefalite e requerem uma punção lombar com estudos de líquido cefalorraquidiano, incluindo proteínas totais, glicose, contagem de células e diferentical, coloração de Gram, cultura bacteriana e cultura viral. Deve-se consultar um neurologista.

Nos casos de tiques de início abrupto que não são acompanhados de outros sintomas neurológicos, como coreia ou encefalite, pode-se recomendar cultura faríngea, títulos antiestreptolisina O sérica e anti-DNase B. O transtorno neuropsiquiátrico autoimune pediátrico associado a infecções estreptocócicas (PANDAS) foi modificado para descrever uma entidade clínica mais ampla com menos ênfase em infecções precedentes, a síndrome neuropsiquiátrica pediátrica de início agudo (PANS), que não é mais associada à presença de tiques como o sintoma manifesto primário. Os termos PANS ou sintomas neuropsiquiátricos agudos da infância (SNAI) são agora frequentemente usados, em vez de PANDAS.[36][37]

O uso de profilaxia antibiótica é mais apropriado para apresentações mais semelhantes à coreia de Sydenham ou que estão associadas ao comprometimento funcional, comportamental e acadêmico. Os riscos e benefícios dos antibióticos profiláticos para os tiques requerem estudos adicionais e devem se restringir às infecções documentadas (que podem exacerbar os tiques).

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal