Etiologia

Os transtornos de tique abrangem um espectro clínico que varia de tiques esporádicos leves à síndrome de Tourette (transtorno de Tourette).[2][12][13] Os transtornos de tique podem ser primários ou secundários a um quadro clínico subjacente.[1][14] A maioria dos transtornos de tique é primária; a apresentação inicial ocorre quase sempre na infância ou na adolescência. Os tiques primários podem ser idiopáticos ou hereditários:

Tiques primários

  • "Tiques transitórios"/tiques motores ou vocais temporários (<1 ano)

  • Tiques motores ou vocais persistentes (crônicos) (>1 ano)

  • Síndrome de Tourette (idiopática ou hereditária)

  • Transtorno de tique sem uma causa identificável (por exemplo, com início do tique em uma pessoa de 18 anos de idade).

Os tiques secundários podem ser decorrentes de:

  • Infecções (por exemplo, encefalite, doença de Creutzfeldt-Jakob e coreia de Sydenham). Há evidências conflitantes a respeito de uma associação entre tiques e infecções por estreptococos do grupo A recorrentes.[15]

  • Abuso de substâncias (sendo o abuso de estimulantes o mais comum)

  • Medicamentos (por exemplo, lamotrigina)[16]

  • Toxinas (por exemplo, monóxido de carbono)

  • Trauma cranioencefálico

  • Acidente vascular cerebral (AVC)

  • Metabólicos e endócrinos (coreia gravídica, tireotoxicose)

  • Neurodegenerativo (doença de Huntington, doença de Wilson, neuroacantocitose, neurodegeneração com acúmulo cerebral de ferro).

Fisiopatologia

Há uma hipótese de que os transtornos de tique são provocados por distúrbios nos gânglios da base, causando a desinibição dos sistemas motor e límbico. Essa hipótese é respaldada por vários estudos de neuroimagem e com animais que sugerem que a fisiopatologia da síndrome de Tourette (transtorno de Tourette) envolve projeções dos córtices motor primário, motor secundário e somatossensitivo para os gânglios da base.[17][18] Pesquisas pré-clínicas em modelos com camundongos demonstraram evidências de desregulação microglial na síndrome de Tourette.[19]

A forma do tique aparece determinada pelo local de desinibição focal dentro da organização somatotópica do corpo estriado, enquanto a ativação cortical parece determinar o momento dos tiques individuais.[20] Foram observadas anormalidades estruturais nas vias de substância branca córtico-estriado-pálido-talâmicas em adultos com síndrome de Tourette. Além disso, anormalidades em vias córtico-estriadas, tálamo-corticais e tálamo-putaminais estavam positivamente correlacionadas com a intensidade dos tiques.[21][22] Vários estudos volumétricos por ressonância nuclear magnética (RNM) constataram que os pacientes com tiques graves muitas vezes apresentam afinamento dos córtices motor e sensitivo e volumes do núcleo caudado reduzidos.[23] Os achados de RNM em crianças com síndrome de Tourette incluem menor volume de substância branca bilateralmente no córtex pré-frontal orbital e medial, e maior volume de substância cinzenta no tálamo posterior, hipotálamo e mesencéfalo.[24] Dados funcionais de RNM sugerem que o relacionamento entre aferentes subcorticais aberrantes ao córtex motor primário e inputs do córtex premotor pode ser implicado na gravidade da doença.[25]

A disfunção do circuito córtico-estriado-talâmico-cortical na síndrome de Tourette parece envolver uma série de diferentes neurotransmissores incluindo dopamina, noradrenalina (norepinefrina), serotonina, histamina, ácido gama-aminobutírico, glutamina, acetilcolina e outros.[26][27][28]

Os transtornos de tique estão muitas vezes presentes em vários membros de uma mesma família, indicando uma base genética para esses transtornos. No entanto, houve dados conflitantes referentes às funções de alguns genes anteriormente implicados em transtornos de tique. Um estudo de 465 probandos com transtorno de tique crônico (93% com síndrome de Tourette) e ambos os pais de 412 famílias, assim como alguns irmãos de probandos, não encontrou evidências do envolvimento do DRD2, HDC, MAO-A, SLC6A3/DAT1, TPH2, COMT, GABRA2, SLC1A1 e HRH3, que foram genes candidatos relacionados a neurotransmissores anteriormente implicados. Além disso, o estudo não forneceu suporte para envolvimento de polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) previamente implicados nos genes candidatos BTBD9, CNTNAP2, DLGAP3, SLITRK1 e TBCD; os principais SNPs de estudos de associação genômica ampla na síndrome de Tourette e transtornos relacionados; os principais cinco SNPs independentes de desequilíbrio de ligação do primeiro estudo de associação genômica ampla da síndrome de Tourette; ou o gene candidato SLITRK1.[29]

Vários pesquisadores entendem que a síndrome de Tourette provavelmente não apresenta padrão mendeliano monogênico de herança, sendo, em vez disto, decorrente da interação entre vários genes. Há cada vez mais evidências de que a genética da síndrome de Tourette é complexa e pode sobrepor-se com outros transtornos psiquiátricos como transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e o TDAH.[30] A pesquisa também está se focando em potenciais fatores epigenéticos que impactam a expressão gênica. A regulação epigenética alterada de genes dopaminérgicos parece desempenhar um papel na fisiopatologia da síndrome de Tourette. Foi sugerido que as flutuações de tique podem ocorrer como resultado de alterações de curto prazo dos níveis de metilação de genes dopaminérgicos que, por sua vez, afetam a sinalização dopaminérgica tônica e fásica nas vias do corpo estriado e de saída tálamo-cortical.[31]

Há também uma hipótese sugerindo que mecanismos imunológicos exercem uma função na fisiopatologia dos transtornos de tique. História materna de doença autoimune foi vinculada a uma taxa de incidência mais elevada da síndrome de Tourette entre os descendentes, especialmente entre aqueles de sexo masculino.[32][33] Fatores imunológicos pessoais também podem estar envolvidos. A exposição a estreptococos do grupo A foi associada a transtornos de tique e TOC.[34][35] Esse transtorno caracterizado por transtornos de tique ou pelo TOC é conhecido como transtorno neuropsiquiátrico autoimune pediátrico associado a infecção estreptocócica (PANDAS).[15] O critério do PANDAS foi modificado para eliminar os fatores etiológicos específicos (isto é, infecção por estreptococos) e se concentrar no início dos sintomas. Essa entidade clínica expandida é conhecida como síndrome neuropsiquiátrica pediátrica de início agudo (PANS) devido à crescente evidência de que as alterações rápidas na personalidade não estão relacionadas apenas a infecções por estreptococos, mas podem incluir vários estressores fisiológicos, como gripe (influenza).[36] O termo "sintomas neuropsiquiátricos agudos da infância" (SNAI) também é usado para descrever esse fenótipo, geralmente por neurologistas, mas apresenta um escopo de diagnóstico mais amplo, incluindo crianças e adolescentes com início agudo de sintomas associados a fatores infecciosos, pós-infecciosos, induzidos por medicamentos, autoimunes, metabólicos, traumáticos, psicogênicos e outros. Ademais, os tiques não fazem mais parte dos critérios de diagnóstico primário de PANS/SNAI.[36][37]

Classificação

Classificação clínica[1][3]

Tiques motores simples

  • Fazer caretas

  • Piscar

  • Sacudir a cabeça

  • Erguer os ombros

  • Tensionar o abdome

  • Chutar.

Tiques vocais simples

  • Fungar

  • Gemer

  • Pigarrear

  • Latir

  • Bufar

  • Tossir.

Tiques motores complexos

  • Balançar a cabeça

  • Saltitar

  • Pular em um pé só

  • Estalar os dedos

  • Tocar

  • Dar pulos

  • Esfregar

  • Ecopraxia (imitar os gestos dos outros)

  • Copropraxia (executar gestos obscenos).

Tiques vocais complexos

  • Assobiar

  • Irregularidades da fala inclusive mudanças de tom ou volume

  • Eructação

  • Palavras ou frases ininteligíveis ou ilógicas

  • Coprolalia (pronunciar obscenidades ou profanidades)

  • Ecolalia (repetir as palavras ou frases dos outros)

  • Palilalia (repetir suas próprias palavras, principalmente a última sílaba).

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