Abordagem

O prognóstico dessa doença melhorou muito desde a introdução de corticosteroides, que continuam sendo a primeira linha de terapia da granulomatose eosinofílica com poliangiite (GEPA). Os casos graves da doença são tratados de maneira semelhante à de outras vasculites associadas aos anticorpos anticitoplasma de neutrófilo (ANCA) (granulomatose com poliangiite [GPA, anteriormente conhecida como granulomatose de Wegener] e poliangiite microscópica [PAM]).

O manejo continua sendo um desafio, com ensaios clínicos limitados em coortes bem definidas de pacientes. O tratamento precisa ser adaptado à gravidade da doença. O manejo de pacientes com doença multissistêmica com possível risco de vida deve ser conduzido em conjunto com um especialista que tenha experiência apropriada.

As diretrizes do American College of Rheumatology e da Vasculitis Foundation para o tratamento da vasculite associada a anticorpo anticitoplasma de neutrófilo diferencia o tratamento inicial da GEPA por definir dois grupos de pacientes.[34]

A GEPA grave é definida como uma vasculite com manifestações que ameaçam a vida ou os órgãos, como:

  • hemorragia alveolar

  • glomerulonefrite

  • vasculite no sistema nervoso central

  • mononeurite múltipla

  • comprometimento cardíaco

  • isquemia mesentérica

  • isquemia de membros/digital.

A GEPA não grave é definida como uma vasculite sem manifestações que ameaçam a vida ou os órgãos, como:

  • rinossinusite

  • asma

  • sintomas sistêmicos leves

  • doenças cutâneas não complicadas

  • artrite inflamatória leve.

A diretriz observa que, embora as definições de GEPA grave e não grave não se baseiem no escore de cinco fatores (FFS [Five-Factor Score]), os componentes do FFS podem servir como marcadores de doença grave que requer tratamento mais agressivo.[34] Por causa da falta de ensaios randomizados, a qualidade das evidências em que se baseiam as recomendações é de baixa a muito baixa.[34]

O FFS estratifica os pacientes em categorias de baixo risco e de alto risco.[37][39] Aqueles com um escore de cinco fatores ≥1 requerem uma progressão na terapia imunossupressora semelhante à necessária nos casos graves de GPA. Consulte Critérios de diagnóstico.

Embora se obtenha remissão em >80% dos pacientes, a GEPA é comumente uma doença recidivante (10% a 43%). Exacerbações secundárias à vasculite precisam ser diferenciadas das exacerbações asmáticas, pois elas demandam outro tratamento.[37][39]

Minimizar os efeitos adversos dos tratamentos é uma meta adicional importante da terapia.

GEPA não grave

Indução da remissão

Um corticosteroide oral associado ao mepolizumabe é o tratamento inicial preferido para pacientes com GEPA ativa não grave.[34] Um corticosteroide isolado pode ser apropriado para pacientes com asma leve, sintomas alérgicos, uso durante a gravidez, ou com outros fatores individuais do paciente.[34]

O perfil clínico da GEPA não grave inclui predominantemente asma, sinusite e vasculite não grave.[34]

O mepolizumabe, um anticorpo monoclonal antagonista dos receptores da interleucina (IL)-5, é aprovado nos EUA e na Europa para o tratamento da GEPA. A IL-5 é importante para a maturação eosinofílica, quimiotaxia e adesão ao endotélio vascular. Níveis elevados de IL-5 são encontrados na GEPA ativa.[40][41] A aprovação se baseou em um ensaio clínico randomizado e controlado (ECRC) multicêntrico do mepolizumabe, em comparação com um placebo, como agente complementar aos corticosteroides, com ou sem outros imunossupressores, em pacientes com GEPA recidivante ou refratária. Foram excluídos pacientes que tiveram manifestações em órgãos ou com risco de vida nos últimos 3 meses. Seu uso foi associado a mais semanas em remissão (um desfecho combinado para vasculite e asma) e à redução no uso de corticosteroides.[42] Com base nos dados deste ensaio, justifica-se considerar o mepolizumabe como agente poupador de corticosteroides em pacientes sem manifestações de vasculite ativa grave ou nos quais tais manifestações tenha sido controladas. Seu lugar ideal na terapia ainda não foi estabelecido.

Se o mepolizumabe for contraindicado, deve-se considerar um corticosteroide associado a metotrexato, azatioprina, ou micofenolato.[34] Há uma experiência clínica significativa com estes tratamentos, mas poucos dados de ensaios clínicos quanto à sua eficácia.[34] Um estudo mostrou que o tratamento deste grupo com um corticosteroide e azatioprina, em comparação com um corticosteroide isolado, não proporcionou desfechos superiores e não foi associado a nenhuma redução significativa nas taxas de recidivas nem a nenhum feito poupador dos corticosteroides.[43]

O rituximabe (um anticorpo monoclonal anti-CD20) em associação com um corticosteroide pode ser considerado para os pacientes com GEPA ativa não grave se outros agentes não forem efetivos.[34]

Manutenção da remissão

Para pacientes que conseguem a remissão apenas com corticosteroides, com base nos sintomas e em marcadores laboratoriais de inflamação, os corticosteroides podem ser lentamente reduzidos ao longo de vários meses. Talvez seja preciso manter os pacientes em baixas doses (≤10 mg/dia) de prednisolona em longo prazo.[44] Isso pode ser necessário para controlar os sintomas da asma.

Para pacientes que conseguem remissão com mepolizumabe, metotrexato, azatioprina ou micofenolato associados a um corticosteroide, a continuação do mesmo tratamento é condicionalmente recomendada.[34] A redução gradual dos corticosteroides deve ser guiada pela resposta clínica, conforme tolerada pelo paciente.[34]

Para pacientes que conseguem a remissão com o rituximabe, o tratamento com metotrexato, azatioprina ou micofenolato é condicionalmente recomendado para a manutenção da remissão.[34]

GEPA grave

Indução da remissão

Um corticosteroide (dose intravenosa em pulsos ou dose oral alta) associado à ciclofosfamida ou ao rituximabe pode ser considerado para indução da remissão em pacientes com GEPA grave ativa.[34][45]

O tratamento deve ser individualizado; por exemplo, a ciclofosfamida seria o tratamento de escolha para pacientes com comprometimento cardíaco, pois a cardiomiopatia é o principal preditor independente de morte na GEPA e há mais evidências que respaldem esse tratamento. A ciclofosfamida é também preferida se os pacientes forem ANCA-negativos e tiverem manifestações neurológicas ou gastrointestinais graves.[34] O rituximabe pode ser preferido para pacientes com resultados positivos de ANCA, glomerulonefrite ativa, tratamento prévio com ciclofosfamida ou para aqueles com risco de toxicidade gonadal decorrente da ciclofosfamida.[34]

Ciclofosfamida

A ciclofosfamida pode ser administrada por via intravenosa ou oral. O ensaio CYCLOPS (ciclofosfamida diariamente por via oral versus em pulsos para tratamento da vasculite renal) na GPA sugeriu que é preferível utilizar uma dosagem intravenosa em pulsos porque a eficácia parece semelhante e pode ser mais segura, pois a dose total de ciclofosfamida recebida é mais baixa, embora ainda seja necessário determinar se isso pode aumentar a taxa de recidiva.[46] Embora pacientes com GEPA tenham sido excluídos deste e de outros ensaios clínicos randomizados e multicêntricos sobre a vasculite com ANCA, a recomendação é tratar a GEPA com manifestações graves da mesma forma que a GPA e a PAM.

A escolha entre administração diária oral ou intravenosa em pulsos da ciclofosfamida pode ser influenciada por fatores que incluem o risco de recidiva do paciente, a adesão ao tratamento e aos esquemas de monitoramento, problemas de fertilidade e a possível suscetibilidade a outros efeitos adversos da ciclofosfamida. Se for usada a ciclofosfamida intravenosa, o protocolo deve incorporar fluidoterapia intravenosa e mesna (um agente uroprotetor) para diminuir a toxicidade para a bexiga. Para reduzir o risco de toxicidade da ciclofosfamida oral, ela deve ser tomada pela manhã e uma ingestão abundante de fluidos deve ser mantida durante todo o dia. O hemograma completo e a urinálise devem ser monitorados regularmente, de acordo com os protocolos locais.

Rituximabe

Para os pacientes com GEPA grave que tiverem contraindicações à ciclofosfamida, recomenda-se o rituximabe em combinação com um corticosteroide como alternativa.[34][47]​​ Um ECRC, incluindo 105 pacientes com GEPA inicial ou recidivada, dos quais 42 pacientes apresentavam doença com risco de vida ou com risco a órgãos (escore de cinco fatores ≥1), demonstrou que o rituximabe foi tão efetivo quanto a terapia padrão para indução da remissão a 180 e a 360 dias.[48] Os resultados foram semelhantes tanto na doença recém-diagnosticada quanto na recidivante. No entanto, o desenho de superioridade, a ausência de publicação completa dos resultados e o número limitado de pacientes não permitem conclusões fortes sobre a não inferioridade.[47] Um ensaio clínico randomizado controlado por placebo de fase 3 está em andamento.[49]

Manutenção da remissão

Para pacientes com GEPA grave que obtêm remissão com 3 a 6 meses de ciclofosfamida ou 4 semanas de rituximabe associado a um corticosteroide, o tratamento com metotrexato, azatioprina ou micofenolato é recomendado condicionalmente para a manutenção da remissão.[34] A redução gradual dos corticosteroides deve ser guiada pela resposta clínica, conforme tolerada pelo paciente.

Nos casos em que a doença for grave e apresentar risco de vida, a plasmaférese poderá ser usada como adjuvante aos corticosteroides e à ciclofosfamida.[10]​ Uma revisão sistemática e metanálise subsequente demonstrou que o tratamento adjuvante com plasmaférese reduziu o risco de doença renal em estágio terminal a 12 meses, independentemente da doença renal basal, em pacientes com vasculite associada ao ANCA, mas não teve efeito importante sobre a mortalidade e aumentou o risco de infecções graves.[50] ​BMJ: plasma exchange and glucocorticoid dosing for patients with ANCA-associated vasculitis: a clinical practice guideline Opens in new window

Doença recidivante

O mepolizumabe é recomendado condicionalmente para pacientes que tenham doença recidivante com manifestações não graves (ou seja, asma e/ou doença sinonasal), que:[34]

  • estejam sendo tratados apenas com um corticosteroide de baixa dose

  • estejam sendo tratados com metotrexato, azatioprina ou micofenolato

  • tenham altos níveis de IgE sérica e estejam sendo tratados com metotrexato, azatioprina ou micofenolato.

Ensaios clínicos têm demonstrado a eficácia do mepolizumabe em pacientes com GEPA recidivante não grave que estejam recebendo terapia imunossupressora e em pacientes com asma eosinofílica.[51][42] A adição do mepolizumabe é preferível à adição de imunossupressores sistêmicos em pacientes que recebem corticosteroides isolados e à mudança para um agente alternativo em pacientes que estejam sendo tratados com metotrexato, azatioprina ou micofenolato.[34]

Para pacientes que sofreram recaídas com manifestações de doença grave após o sucesso de uma indução prévia da remissão, o rituximabe é preferido para a reindução da remissão, pois o tratamento com a ciclofosfamida deve ser evitado, se possível.[34] Evidências de estudos retrospectivos respaldam o uso do rituximabe em pacientes com GEPA refratária ou recidivante.[52][53]

Terapias adjuvantes

Profilaxia de infecção e de problemas ósseos durante o tratamento com corticosteroides

  • Pacientes que recebem ≥20 mg/dia de prednisolona ou agentes poupadores de corticosteroide devem considerar profilaxia contra Pneumocystis jirovecii.[34][54] Consulte Pneumonia por Pneumocystis jirovecii.

  • Os pacientes que tomam corticosteroides em longo prazo também devem receber tratamento profilático para osteoporose, a depender de fatores individuais.[55]​ Rastreamento e medidas preventivas contra a osteoporose induzida por corticosteroides devem ser instituídos, juntamente com monitoramento e tratamento de outras complicações provenientes do tratamento com corticosteroides (por exemplo, hipertensão, diabetes mellitus, dislipidemia).[55]​ Consulte Osteoporose (Abordagem de tratamento).

Preservação da fertilidade

  • Para tentar preservar a fertilidade, há interesse em tentar induzir menopausa química temporária em mulheres jovens que recebem ciclofosfamida. Isso é feito usando-se manipulação hormonal com o análogo leuprorrelina do hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH). A noretisterona é iniciada ao mesmo tempo que a leuprorrelina e continuada até a retomada da menstruação após o término da supressão ovariana.[56][57]

  • Nos homens, recomenda-se o uso de banco de esperma antes de iniciar a terapia com ciclofosfamida.

  • Nas mulheres, o congelamento de embrião é uma opção, e a criopreservação de oócitos também está surgindo como opção possível.

Tratamento da asma

  • Corticosteroides inalatórios são usados para tratar inflamação das vias aéreas e podem facilitar a redução gradual dos corticosteroides orais. Os pacientes com antagonistas dos receptores de leucotrieno, no momento do diagnóstico da GEPA, podem continuar com esses medicamentos.[20][34] Talvez seja necessária também uma terapia de asma padrão.

  • A terapia inalatória para a asma ativa deve ser otimizada antes de aumentar o tratamento imunossupressor sistêmico em pacientes com recidivas de doença não grave.[34]

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