Etiologia
Geralmente complexa, envolvendo mais de um mecanismo. As causas mais comuns podem ser agrupadas da seguinte forma:[5][10]
Isquemia
Hipoperfusão sistêmica: causada por desidratação (por exemplo, diarreia grave e vômitos), sangramento, queimaduras extensas, trauma, cirurgia cardíaca, sepse avassaladora ou cirurgia de grande porte.
Hipoperfusão local: causada por isquemia fria durante o transplante renal, cirurgia renal, trombose da artéria renal, cirurgia cardíaca ou dissecção da aorta.
A sensibilidade de cada paciente a uma redução da perfusão renal é variável. Por exemplo, alguns pacientes sofrem de NTA após alguns minutos de hipoperfusão, enquanto outros toleram várias horas de isquemia sem sofrerem danos estruturais ao rim.
Toxinas exógenas
Muitos medicamentos e venenos podem causar NTA. Em geral, as nefrotoxinas causam lesões renais pela indução de uma combinação variável de vasoconstrição intrarrenal, toxicidade tubular direta e/ou obstrução tubular. Exemplos: aminoglicosídeos, anfotericina-B, venenos (por exemplo, etilenoglicol), agentes quimioterápicos (por exemplo, cisplatina), anti-inflamatórios não esteroidais, meio de radiocontraste ou toxinas bacterianas.
O potencial nefrotóxico da maioria dos agentes aumenta drasticamente na presença de isquemia limítrofe ou evidente, sepse ou outras lesões renais.
Toxinas endógenas
Elas incluem aumento do grupo heme (causado pela liberação de mioglobina, como na rabdomiólise, ou aumento da liberação de hemoglobina, como na hemólise), aumento do ácido úrico (por exemplo, gota, síndrome de lise) ou aumento de proteínas de cadeias leves (por exemplo, “rim de mieloma”).
Fisiopatologia
Embora a patogênese exata da NTA seja desconhecida, muitos mecanismos possíveis foram estudados.
O rim é um órgão extremamente vascular, recebendo 20-25% do débito cardíaco. O fluxo sanguíneo renal é distribuído seletivamente; o fluxo sanguíneo para o córtex externo é maior (até 90%) em comparação com a medula externa e interna, pois a maior parte da perfusão sanguínea é direcionada à filtração glomerular. Essa arquitetura vascular gera um gradiente decrescente de oxigênio que resulta em um estado de relativa hipóxia dentro da medula renal, onde se localiza parte do sistema tubular, mais sensível aos insultos isquêmicos. Além disso, o túbulo proximal apresenta grande necessidade de oxigênio, pois é responsável pela reabsorção de sódio e transporte de glicose, aminoácidos e outros solutos.[11][12]
Após uma situação de hipoperfusão ou nefrotoxicidade, as células epiteliais são incapazes de manter uma adenosina trifosfato (ATP) intracelular adequada para processos essenciais. Essa redução da ATP leva à lesão celular e, se suficientemente grave, à apoptose com descolamento da membrana basal. Isso resulta em dilatação tubular proximal e formação de cilindro no túbulo distal, que pode obstruir o lúmen do túbulo.[12] Lesão e disfunção das células tubulares proximais também causam vasoconstrição mediada por feedback tubuloglomerular, renina-angiotensina-aldosterona ou endotelina. O próprio dano tubular pode estar associado a um declínio na taxa de filtração glomerular (TFG). No entanto, esse dano geralmente afeta a reabsorção de sódio no túbulo proximal, resultando em uma alta concentração de sódio no filtrado atingindo o túbulo distal, estimulando a mácula densa mediando a vasoconstrição arteriolar aferente.[12]
Danos às células endoteliais desencadeiam uma resposta imune, com recrutamento de leucócitos, liberação de quimiocinas (por exemplo, fator de necrose tumoral alfa, interleucina 1), citocinas e outros mediadores solúveis que contribuem para a patogênese.[12]
Evolução clínica
A sequência de progressão da doença na NTA pode ser dividida em quatro etapas:[10]
Fase inicial: a lesão das células epiteliais tubulares causada por isquemia ou nefrotoxinas está em evolução, mas ainda não foi estabelecida. À medida que a disfunção evolui, ocorre uma depleção da ATP que leva à morte celular e ao descolamento da membrana basal, causando necrose tubular que reduz o volume sanguíneo e a perfusão renal. Imediatamente após o dano às células endoteliais ou epiteliais, uma resposta imune é desencadeada, levando ao recrutamento de células inflamatórias e à geração de estresse oxidativo. Ocorre um declínio agudo da taxa de filtração glomerular (TFG), com um aumento súbito das concentrações de creatinina sérica e nitrogênio ureico no sangue. A NTA é potencialmente prevenível durante esse período.
Fase de extensão: nesta fase, o diagnóstico e tratamento precoces desempenham um papel fundamental. Os dois eventos principais que ocorrem nesta fase, ocorrendo principalmente na junção corticomedular, incluem a hipóxia contínua e a resposta inflamatória. A lesão celular continua e apoptose ou necrose podem estar presentes, principalmente na medula externa, levando a uma queda contínua da TFG. O fluxo sanguíneo retorna aos níveis normais nas células do túbulo proximal do córtex, que passam a sofrer reparo celular. Há produção e liberação contínua de quimiocinas e citocinas que amplificam a resposta inflamatória. A interrupção dessa resposta inflamatória pode ter implicações terapêuticas. Devido à redução da TFG, a creatinina e a ureia continuam a aumentar e a oligúria pode estar presente. A redução na capacidade dos néfrons de eliminar resíduos resulta em azotemia, retenção de fluidos, desequilíbrio eletrolítico e acidose metabólica.
Fase de manutenção: a lesão renal está estabelecida. As células sofrem reparo, migração, apoptose e proliferação a fim de tentar restabelecer a integridade celular e tubular. A necrose das células endoteliais e a descamação causam obstrução tubular e aumento da permeabilidade tubular. A TFG atinge um nadir estável. Esta fase pode durar de vários dias a meses e determinará o prognóstico. A oligúria e uma fase de manutenção prolongada são sinais de prognóstico renal desfavorável.
Fase de recuperação: os pacientes recuperam a função renal por meio de reparo e regeneração do tecido renal. Há diferenciação celular, a polaridade epitelial é restabelecida e a função celular normal começa a retornar. Fatores de crescimento são liberados e auxiliam no reparo, promovendo a proliferação das células tubulares renais. A função tubular é restaurada e é caracterizada pelo aumento do débito urinário (se havia oligúria na fase de manutenção) e pela redução gradual da ureia e da creatinina séricas para seus níveis pré-lesão.
Classificação
Tipos de necrose tubular aguda (NTA)[5]
Isquêmica:
Causada por hipoperfusão sistêmica ou renal.
Nefrotóxica:
Causado por drogas, venenos, meios de radiocontraste ou endotoxinas.
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