Abordagem
Crianças podem se apresentar de duas maneiras. Algumas crianças são assintomáticas na apresentação e procuram ajuda por confirmação ou suspeita de terem tomado uma superdosagem ou ingerido uma toxina. Outras crianças apresentam sintomas de intoxicação aguda. Os sintomas podem incluir achados inespecíficos como estado mental alterado, convulsões ou sinais vitais anormais. Pode haver indicações históricas como tempo para procurar ajuda, padrões de comportamento e tipo de ingestão que podem levar o médico a suspeitar de intoxicação intencional em vez de não intencional.
Uma superdosagem ou ingestão tóxica em uma criança constitui diagnóstico clínico com suporte de achados laboratoriais. Em ingestões acidentais, é frequentemente possível usar investigações direcionadas se a identidade da substância ingerida for conhecida, ou se o leque de possíveis substâncias ingeridas for restrito. Entretanto, se a identidade da substância for desconhecida, ou se a ingestão foi deliberada, os exames devem ser abrangentes para identificar todas as substâncias ingeridas. Toxicologistas e especialistas em laboratório desenvolveram uma lista de testes diagnósticos recomendados que devem estar disponíveis a profissionais da saúde que estejam tratando uma criança com intoxicação. Esses exames específicos devem ser realizados em todos os pacientes para identificar as toxinas ingeridas.[33]
Ingestão de medicamentos em casa
O objetivo principal da anamnese é estabelecer como e quando a ingestão ocorreu e, se possível, a identidade da substância ingerida. Ingestões acidentais tendem a ocorrer em crianças <6 anos de idade que estão explorando o ambiente ao seu redor, enquanto ingestões deliberadas tendem a ocorrer em crianças mais velhas e em adolescentes. Apesar de uma falta generalizada de evidências sobre a efetividade dos medicamentos para tosse ou resfriado, seu uso continua disseminado, e intoxicações intencionais e não intencionais são comuns. Felizmente, a morte de crianças com intoxicação não intencional por medicamentos para tosse e resfriado é incomum.[34] Por outro lado, um estudo constatou que fatalidades pediátricas associadas a medicamentos para tosse e resfriado, quando ocorriam, envolviam crianças pequenas (<2 anos de idade), e a administração pelo cuidador era proposital com intenção não terapêutica.[35]
Crianças imóveis: em crianças que são imóveis e que ainda não rastejam, engatinham ou andam, a ingestão de medicamentos geralmente está ligada a um erro acidental de um cuidador. Geralmente, o cuidador está consciente do erro.
Crianças pequenas: medicamentos que se parecem com doces ou com objetos familiares podem ser ingeridos quando o cuidador está distraído por um curto período de tempo. Nessa situação, a ingestão é frequentemente testemunhada. Crianças também podem ingerir objetos encontrados na bolsa de algum membro da família, atrás de um sofá ou em outros locais da casa. Crianças mais velhas podem escalar armários e encontrar medicamentos que são guardados em locais altos, ou ingerir acidentalmente substâncias que tenham sido colocadas em recipientes que não os originais (por exemplo, produtos químicos em garrafas de refrigerantes). Geralmente, a procura por ajuda médica é imediata se a ingestão foi testemunhada, envolveu uma ingestão química (que causa choro ou indicações físicas típicas), ou a criança foi encontrada com uma garrafa ou pílula na boca. Do contrário, a criança pode não ser levada à atenção de um médico até que o cuidador note uma alteração de comportamento ou outros sintomas.
Crianças mais velhas: as ingestões tendem a ser deliberadas, geralmente significando um pedido de ajuda, e a criança contará a um amigo ou a um adulto que a supervisiona. Meninas têm mais propensão que meninos a considerar lesões auto-infligidas.[11] Geralmente, é mais fácil identificar a substância a partir da anamnese e é mais provável que se trate de um medicamento presente na casa ou que pode ser facilmente comprado sem prescrição. Um produto químico disponível na garagem, no sótão ou em estoque também pode ser ingerido. Se a criança não contar para ninguém sobre a ingestão tóxica ou superdosagem, ela poderá não se manifestar até que os sintomas apareçam, que podem ser presumidos como consequências de outras doenças (por exemplo, superdosagem de paracetamol manifestando-se com náusea e vômitos).
É importante que se obtenha uma lista completa de medicamentos presentes ou que estiveram presentes na casa anteriormente, assim como de outros produtos químicos aos quais a criança possa ter tido acesso.
A intoxicação pode estar associada à doença fabricada ou induzida. Deve-se suspeitar de uma intoxicação intencional deste tipo quando grandes quantidades de uma substância tiverem sido ingeridas, se a criança está intoxicada, ou se não há história ou apenas uma história de ingestão de pequenas quantidade de toxinas inconsistente com o quadro clínico. Os agentes mais comuns de intoxicação intencional incluem medicamentos prescritos para membros da família (por exemplo, anticonvulsivantes, antidepressivos, sal, ferro, laxantes eméticos, insulina ou drogas recreativas). Apresentações frequentes com suposta ingestão 'acidental' devem levantar a suspeita de negligência à criança, em decorrência de supervisão inadequada ou falta de segurança na residência.
Pacientes pediátricos com ingestões não acidentais, ou qualquer suspeita de ingestão acidental de analgésico/antipirético/medicamento para tosse ou gripe, devem ter os níveis de paracetamol e de salicilato checados, já que a criança pode estar assintomática na apresentação inicial.
Ingestão de plantas ou de cogumelos tóxicos
A ingestão de plantas ou de cogumelos geralmente causa náusea, vômitos e diarreia, mas algumas plantas podem ser fatais. Exemplos de plantas fatais incluem o açafrão-do-prado (colchicina) e mandrágora americana (podofilotoxina), cicuta d'água e cicuta venenosa (cicutoxina e coniína), acônito (aconitina) e dedaleira (digitalina). A podofilotoxina e a colchicina inicialmente manifestam náusea, vômitos e diarreia, mas podem progredir para falência medular e alterações no estado mental com convulsões, coma e morte. A cicutoxina é uma neurotoxina excitatória que causa convulsões, e a coniína pode causar insuficiência respiratória. A aconitina e a digitalina podem causar arritmias cardíacas letais. Existem vários cogumelos potencialmente letais que podem se parecer com outros cogumelos não tóxicos. O início dos sintomas é protelado para alguns tipos de cogumelos. Caso se suspeite de ingestão de cogumelo ou planta, a consulta a um especialista (por exemplo, um toxicologista clínico) ou um centro toxicológico regional pode ajudar a identificar a planta ou cogumelo e o tratamento subsequente.
Uso indevido de substâncias
Geralmente, as crianças que ingerem medicamentos para 'viajar' são mais velhas, na idade em que a pressão dos colegas é significativa. Características da história que devem levantar suspeita incluem:
Uma criança que chega tarde em casa, esteve festejando ou está com amigos que os pais não conhecem ou com quem não se sentem confortáveis; pode ter havido uma mudança súbita de amizades
Uma piora recente do desempenho escolar
Esquecimentos ou comportamento misterioso
Comportamento ausente ao chegar em casa, sonolência ou alucinações
Falar sobre substâncias desconhecidas pelos pais ou 'festas de medicamentos' (pharm parties), 'trail mix' (mistura de ecstasy e Viagra) ou 'festas da tigela' (bowl parties).
A principal droga de abuso nessa população é o etanol, mas outras substâncias também podem ser usadas. Os medicamentos que crianças usam para atingir um estado alterado incluem benzodiazepínicos como alprazolam, opioides como hidrocodona ou oxicodona, anfetamina e metilfenidato e medicamentos para tosse e resfriado de venda livre como dextrometorfano, difenidramina e pseudoefedrina, mas não se limitam a esses medicamentos. Existem várias substâncias ilícitas passíveis de serem protagonistas do abuso por crianças, como maconha ou antagonistas do receptor canabinoide ("spice" [maconha sintética]), metanfetamina e anfetaminas serotoninérgicas (metilenodioximetanfetamina [MDMA], MDA, 2C-I, 25i-NBOMe), "sais de banho" (anfetamina alucinogênica derivada de metcatinona como MDPV e metilona) e opioides. Elas também podem inalar hidrocarbonetos halogenados (por exemplo, o produto Dust-off), ou solventes orgânicos através de métodos descritos como "huffing" (inalação pela boca), "sniffing" (inalação pelo nariz) ou "bagging" (inalação por meio de sacos).
Avaliação de sinais e sintomas
Uma criança que ingeriu um medicamento ou uma substância pode estar assintomática, com exame físico normal, se tiver ingerido uma pequena quantidade ou procurar ajuda precocemente. Outras crianças apresentam sintomas e sinais de intoxicação aguda. Os sintomas inespecíficos incluem náuseas, vômitos, diarreia, febre e erupção cutânea. Em intoxicações mais graves, os pacientes apresentam estado mental alterado ou convulsões. Ingestões químicas (geralmente devidas a produtos de limpeza) podem deixar indicações físicas como manchas na orofaringe ou na roupa, odores ou queimaduras na boca. Estridor pode estar presente em casos mais graves. A ingestão tóxica deve sempre ser considerada em qualquer criança que apresente convulsões inexplicáveis ou uma alteração aguda no estado mental. Os pacientes requerem exame físico completo, inclusive exame físico neurológico e avaliação dos sinais vitais, para investigação de indicações da causa subjacente.
A combinação de sinais vitais anormais e de achados físicos é chamada de síndrome tóxica, cada qual com características próprias de uma determinada intoxicação. As síndromes tóxicas mais comuns incluem:
Simpatomimético: superestimulação metabólica com hipertensão, taquicardia, taquipneia, hipertermia, agitação, convulsões e midríase. A presença dessa síndrome tóxica sugere a ingestão de agonistas alfa, agonistas beta, anfetaminas/psicoestimulantes, antidepressivos tricíclicos ou inibidores da monoaminoxidase (IMAOs).
Antimuscarínico: hipertensão (menos marcada que aquela produzida por simpatomiméticos), taquicardia, hipertermia, midríase, pele avermelhada, retenção urinária, ruídos hidroaéreos ausentes, perda da transpiração, agitação a sedação e convulsões. Sugere a ingestão de um agente antimuscarínico, como difenidramina.
Opioides: miose, bradipneia e hipopneia, ruídos hidroaéreos ausentes e coma. Bradicardia e hipotensão também podem estar presentes. Esses sintomas sugerem a ingestão de qualquer opioide. Exemplos incluem codeína, heroína, morfina, petidina, tramadol, fentanila, dextrometorfano, hidrocodona, oxicodona, buprenorfina e metadona.
Sedativo-hipnótico: coma ou estado mental deprimido com sinais vitais relativamente normais. O paciente tende a estar poiquilotérmico e se torna levemente hipotérmico. Esses sintomas sugerem a ingestão de um benzodiazepínico ou barbitúrico.
Colinérgico: as características são predominantemente derivadas da estimulação muscarínica, com secreções aumentadas (orais, brônquicas, lágrimas, vômitos, diarreia), bradicardia, hipotensão, pupilas pequenas e alterações do estado mental. Entretanto, a estimulação nicotínica também pode ocorrer, produzindo taquicardia, hipertensão, depressão respiratória e paralisia, fasciculação muscular ou convulsões. Algumas crianças podem não mostrar muitos dos achados muscarínicos mas podem demonstrar fraqueza e claudicação, com um estado mental alterado. Esses sintomas sugerem toxicidade por agentes anticolinesterásicos (por exemplo, intoxicação por organofosforados).
As síndromes tóxicas são úteis se a intoxicação é predominantemente causada por um único agente. Entretanto, com a ingestão múltipla de drogas, uma constelação de sintomas está presente, que são mais complexos e difíceis de serem diagnosticados; dessa forma, os sintomas devem ser avaliados individualmente. Os principais sinais e sintomas que fornecem indicações para o diagnóstico incluem:
Hipotensão com bradicardia: sugere intoxicação com betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio, agonistas alfa 2 ou digoxina. Bloqueadores dos canais de cálcio produzem vasodilatação periférica e membros quentes, enquanto betabloqueadores produzem vasoconstrição periférica com membros frios.
Hipertensão com hipertermia sugere intoxicação com simpatomiméticos ou antimuscarínicos.
Hipoventilação: sugere intoxicação com opioides ou agonistas alfa 2.
Hiperventilação: sugere intoxicação com salicilatos, desacopladores da fosforilação oxidativa (por exemplo, cianeto ou ferro), ou substâncias que causam acidose metabólica (por exemplo, salicilatos, ferro ou álcoois tóxicos). Alterações na profundidade e na frequência respiratória que sugerem uma intoxicação por salicilato são frequentemente sutis e facilmente ignoradas.
Hiper-reflexia e mioclonia: sugere síndrome serotoninérgica. Os agentes causadores incluem antidepressivos (inibidores seletivos de recaptação de serotonina [ISRSs], venlafaxina, clomipramina, imipramina), opioides (petidina, tramadol, fentanila, dextrometorfano), IMAOs, anfetaminas, lítio e triptofano.
Rigidez muscular: sugere intoxicação com fenotiazinas, antipsicóticos atípicos, antieméticos ou medicamentos para doença de Parkinson. A síndrome neuroléptica maligna pode ser observada em casos graves.
Nistagmo: sugere intoxicação com dextrometorfano, etanol, IMAOs ou ISRSs.
Ataxia: sugere intoxicação com qualquer hipnótico sedativo, antipsicóticos ou anticonvulsivantes.
Visão reduzida ou cegueira: sugere intoxicação com metanol, quinina, cloroquina ou hidroxicloroquina.
Audição reduzida ou zumbido: sugere intoxicação com salicilatos, diuréticos de alça, aminoglicosídeos, opioides, vancomicina, quinina, hidroxicloroquina e cloroquina.
Descoloração avermelhada da pele: sugere envenenamento por cianeto.
Convulsões: podem ser causadas por diversos medicamentos, incluindo simpatomiméticos, antimuscarínicos, antidepressivos, colinérgicos (incluindo inibidores da colinesterase), propranolol, teofilina ou alguns opioides como tramadol ou petidina.
Icterícia: um sinal tardio de toxicidade do paracetamol. Também pode estar presente na icterícia obstrutiva devido ao uso terapêutico de antibióticos ou contraceptivos orais.
Sinais e sintomas de hipoglicemia: incluem náusea, confusão, tremor, transpiração, palpitações e fome, e podem indicar intoxicação com sulfonilureias.
Investigações iniciais
Eletrólitos séricos
Podem revelar uma gama de anormalidades. A hipocalemia sugere ingestão de simpatomiméticos ou sais de bário e é frequentemente acompanhada por hipomagnesemia. A hipercalemia sugere a ingestão de digoxina ou produtos de limpeza à base de fluoretos. A hiponatremia sugere o uso da anfetamina MDMA. A hipocalcemia sugere toxicidade por fluoretos ou etilenoglicol.
Ureia e creatinina
A lesão renal aguda pode ocorrer devido a overdoses que são diretamente nefrotóxicas ou como resultado de rabdomiólise de convulsões prolongadas, hipotensão ou acidose. Os ensaios que usam a reação de Jaffe para determinar os níveis de creatinina podem apontar creatinina falsamente elevada na presença de corpos cetônicos.
Glicemia capilar e glicose sérica
Hipoglicemia sugere intoxicação com sulfonilureias ou betabloqueadores, ou grave intoxicação com salicilato. Hiperglicemia sugere intoxicação com bloqueadores dos canais de cálcio ou teofilina.
Gasometria arterial
Pode revelar acidose metabólica (observada em intoxicações por salicilato, álcool tóxico ou ferro devido a efeitos diretos no metabolismo, ou em intoxicações simpatomiméticas ou por teofilina devido a isquemia em órgão-alvo), hipoxemia de hiperventilação (observada em intoxicação por opioides ou clonidina), ou alcalose respiratória (observada em intoxicação por salicilatos antes do início da acidose metabólica).
Lactato sérico
Elevado na acidose metabólica produzida por agentes que interferem com o metabolismo aeróbio ou que produzem isquemia.
Níveis de acetona ou de corpos cetônicos
A formação de corpos cetônicos ocorre com a inanição e pode ser observada com um jejum durante a noite, especialmente se os níveis de glicogênio estiverem baixos. Também é observada na intoxicação com salicilato e no abuso de álcool crônico em crianças.
Creatina quinase sérica
Uma creatina quinase elevada indica rabdomiólise, que pode ocorrer devido a convulsões prolongadas, hipotensão ou acidose.
Urinálise
Heme sem eritrócitos sugere rabdomiólise. Cristais de oxalato de cálcio sugerem intoxicação por etilenoglicol. O fenol produz uma coloração amarronzada na urina.
Razão normalizada internacional (INR)
Uma INR aumentada sugere a intoxicação com varfarina, outra cumarina rodenticida ou uma hepatotoxina (por exemplo, paracetamol).
Testes da função hepática
Usados primariamente para monitorar a evolução da hepatotoxicidade. Testes da função hepática anormais indicam a ingestão de uma hepatotoxina, geralmente o paracetamol. Os resultados devem ser interpretados no contexto da INR. A melhora dos testes da função hepática ao mesmo tempo que a INR aumenta e há também uma elevação da bilirrubina total, sugere necrose hepática fulminante.
Teste de gravidez
É importante estar consciente da presença de gestação ao se tratar uma ingestão tóxica, já que o limiar de tratamento para certas intoxicações pode ser mais baixo. O tratamento da mãe é geralmente suficiente para tratar o feto e tem precedência na terapia.
eletrocardiograma (ECG)
Deve ser realizado para detectar sinais de intoxicação por uma substância cardioativa. Achados característicos sugerem ingestões específicas. Certas alterações em ST-T e ritmos são condizentes com intoxicação por digoxina. Uma onda R em aVR e uma onda S em I e aVL são sinais precoces de bloqueio de canais de sódio, que evolui para o alargamento do complexo de QRS. A prolongação do QT sugere bloqueadores dos canais de potássio (antipsicóticos, metadona e outros opioides, arsênico), bloqueadores dos canais de cálcio ou alterações nos eletrólitos como hipocalcemia, hipocalemia e hipomagnesemia. A bradicardia sugere agonistas alfa 2, bloqueadores dos canais de cálcio, betabloqueadores, digoxina ou colinérgicos.
Radiografia abdominal
Pode ser útil para diagnosticar a ingestão de corpos estranhos ou de medicamentos radiopacos (ferro, metais pesados, alguns hidrocarbonetos clorados, comprimidos com revestimento entérico, fenotiazinas).
Radiografia torácica
A radiografia torácica pode ser necessária para sinais de aspiração ou de edema pulmonar não cardiogênico.
Testes diagnósticos específicos
Níveis de paracetamol
Devem ser solicitados para todos os pacientes 4 horas após o momento da ingestão suspeita. O nível sérico de paracetamol relativo ao tempo de ingestão determinará a necessidade de tratamento subsequente. O gráfico usado para avaliar os níveis séricos varia entre países, e os médicos devem consultar os protocolos locais de superdosagem de paracetamol.
No Reino Unido, utiliza-se um gráfico de tratamento que abrange pacientes normais e de alto risco, enquanto, nos EUA, utiliza-se amplamente o nomograma de Rumack-Matthew, sendo uma diretriz semelhante usada na Austrália e na Nova Zelândia.[36][37]
O diagnóstico de toxicidade por paracetamol baseada nos gráficos de tratamento é reservado para ingestões únicas e agudas de paracetamol que ocorreram nas últimas 24 horas. Ele não pode ser usado antes de 4 horas ou após 24 horas.
Os seguintes casos devem ser discutidos com um centro toxicológico regional ou um toxicologista pediátrico: crianças com ingestões supraterapêuticas repetidas de paracetamol; ingestões repetidas ao longo do tempo; coingestões com medicamentos que alteram a motilidade gástrica, como opioides ou medicamentos antimuscarínicos; coingestão com etanol; ingestão de produtos de liberação sustentada de paracetamol; ingestões que ocorram 24 horas ou mais antes da apresentação; ou casos nos quais o momento da ingestão é desconhecido. Os nomogramas, como o de Rumack-Matthew, não podem ser usados nessas circunstâncias.
Níveis de salicilato
Devem ser solicitados em todos os pacientes com superdosagem intencional, devido à ubiquidade e à fatalidade dessas ingestões. Um resultado positivo é observado na intoxicação aguda por salicilatos, mas um resultado negativo pode ser observado em intoxicações crônicas ou subagudas. Por essa razão, o diagnóstico deve se basear nas características clínicas e nos achados laboratoriais, incluindo os resultados da análise de gasometria arterial.
Exame de urina para detecção de drogas
Um exame de urina para detecção de drogas deve ser realizado em todas as crianças com ingestão deliberada ou suspeita. No entanto, as limitações desses exames precisam ser avaliadas. Um rastreamento pode detectar substâncias inaladas, injetadas e ingeridas. Vários ensaios de rastreamento estão disponíveis e, geralmente, cobrem uma variedade de substâncias comumente usadas de forma indevida, como anfetaminas, cocaína, fenciclidina (PCP), canabinoides e opioides. Se uma categoria for relatada (por exemplo, opioides), é importante informar-se sobre quais substâncias específicas (por exemplo, ópio, codeína, heroína, morfina) são realmente detectadas, pois alguns componentes específicos podem ser excluídos. Se necessário, podem-se solicitar testes adicionais para quaisquer substâncias de interesse não cobertas por um determinado exame de urina para detecção de drogas.
Os testes são geralmente imunoensaios que avaliam um grupo de substâncias dentro de uma classe de medicamentos e, portanto, podem identificar falso-positivos (por exemplo, o antitussígeno dextrometorfano pode resultar em falso-positivo no ensaio de PCP). Por outro lado, um resultado negativo não exclui a presença do medicamento. Ele pode significar que o rastreamento específico usado não detecta o medicamento, que o mesmo já foi metabolizado a uma forma que o ensaio não pode detectar, ou que está presente em um nível inferior ao limite de detecção. Os resultados devem ser interpretados no contexto dos achados clínicos e podem identificar a necessidade de avaliação por serviços sociais. Um teste confirmatório como a cromatografia gasosa acoplada à espectrometria de massa deve ser considerado em casos que possam resultar em ação judicial contra os pais ou o paciente.
Níveis de etanol
Deve ser considerado em crianças mais velhas se houver suspeita de uso indevido de substâncias. Qualquer nível detectável de etanol usando níveis de álcool séricos é diagnóstico. Há situações que podem causar um resultado falso-positivo com um bafômetro.
Níveis séricos de metanol ou etilenoglicol
Devem ser medidos se os sintomas clínicos sugerirem essas intoxicações ou se houver um anion gap na gasometria arterial que não é explicado por lactato ou corpos cetônicos. Os níveis de etilenoglicol também devem ser medidos se cristais de oxalato de cálcio forem encontrados no exame de urina. Considere o tratamento com fomepizol ou com diálise empiricamente se a investigação laboratorial levará mais que 4 horas ou se a condição do paciente exigir.
Nível sérico de digoxina
Deve ser considerado se houver suspeita de toxicidade por digoxina com base nas características clínicas, presença de hipercalemia ou achados do ECG.
Níveis séricos de anticonvulsivantes
Deve ser considerado se houver suspeita de toxicidade devido a fenobarbital, fenitoína, valproato ou carbamazepina.
Níveis séricos de ferro
Deve ser considerado se houver suspeita de toxicidade por ferro.
Outros testes
Testes específicos para ingestões mais raras podem incluir níveis séricos de lítio e teofilina e níveis de metais pesados no sangue total. A mensuração da atividade da colinesterase é considerada útil, mas não essencial. Além disso, a testagem abrangente da urina para detecção de substâncias pode ser considerada confirmatória. Geralmente, esses testes são desenvolvidos para testar algumas centenas de medicamentos usando um método sensível e específico, mas eles são demorados e os resultados podem não ser disponibilizados imediatamente. Os resultados devem ser interpretados no contexto das características clínicas. Caso sejam considerados exames laboratoriais e especializados, um toxicologista clínico ou centro toxicológico deve ser consultado para obter orientações.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Gráfico de tratamento com paracetamol. Consiste em uma linha de tratamento normal, que conecta 1.32 mmol/L (200 mg/L) em 4 horas e 0.04 mmol/L (6.25 mg/L) em 24 horas, e uma linha de tratamento de alto risco para aqueles com risco elevado de dano hepático, que conecta os pontos em 50% das concentrações de paracetamol no plasma da linha normal. Os pacientes devem ser tratados se a concentração plasmática de paracetamol estiver acima da linha de tratamento apropriadaCom a permissão do Professor P.A. Routledge, Therapeutics e Toxicology Centre, Cardiff University [Citation ends].
Tentativa terapêutica com antídoto relevante
Em casos de intoxicação grave com características clínicas de uma determinada ingestão, uma tentativa terapêutica com antídoto relevante pode ser usada para estabelecer o diagnóstico. Isso deve ser realizado sob orientação de um centro toxicológico ou especialista com experiência no tratamento de intoxicações em crianças.
Naloxona: o medicamento deve ser administrado se características da síndrome tóxica opioide estão presentes e se há evidência de depressão respiratória; uma resposta positiva pode ser diagnóstica de ingestão de opioides, mas às vezes pode ser observada na ingestão de clonidina. Não administrar se o paciente estiver intubado.
Bicarbonato de sódio: deve ser administrado se o intervalo QRS no ECG estiver prolongado em combinação com características clínicas de intoxicação por bloqueadores dos canais de sódio. Um estreitamento do QRS é diagnóstico de toxicidade por bloqueadores dos canais de sódio. Também pode ser considerado se houver sintomas de intoxicação por salicilato, que devem melhorar. Para esses pacientes, recomenda-se consultar um especialista.
Atropina e pralidoxima: devem ser administradas se houver características de síndrome tóxica colinérgica, sob orientação de um especialista com experiência no tratamento de intoxicações em crianças. A melhora dos sintomas sugere intoxicação por inibidor da colinesterase.
Flumazenil: pode ser considerado se houver características clínicas de síndrome tóxica hipnótico-sedativa em pacientes que não estão tomando benzodiazepínicos cronicamente e quando a supressão não representar uma preocupação. Isso deve ser administrado sob orientação de um especialista com experiência no tratamento de intoxicações em crianças. A melhora dos sintomas sugere intoxicação por benzodiazepínicos.
Octreotida: pode ser considerada se houver suspeita de hipoglicemia devido à toxicidade por sulfonilureia ou injeção de insulina maciça. Isso deve ser administrado sob orientação de um especialista com experiência no tratamento de intoxicações em crianças. Uma resposta positiva é altamente sugestiva de ingestão de sulfonilureia ou injeção de insulina maciça.
Fisostigmina: pode ser considerada quando houver evidência de características antimuscarínicas centrais e periféricas nos pacientes apropriados. Recomenda-se a consulta a um especialista antes de usar fisostigmina nesses pacientes, pois seu uso em alguns casos de envenenamento (por exemplo antidepressivos tricíclicos) pode ser contraindicado.
Informação diagnóstica disponível online
Uma variedade de recursos online que fornecem informação sobre o diagnóstico de uma gama de intoxicações conhecidas estão disponíveis:
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal