Abordagem
O objetivo da terapia e do manejo intervencionista em pacientes com síndrome de Budd-Chiari (SBC) é aliviar a congestão hepática e prevenir necrose, fibrose e, por fim, insuficiência hepática, cirrose e/ou hipertensão portal.
O manejo da SBC requer uma abordagem em equipe com especialidade em hepatologia, hematologia, radiologia e cirurgia. Recomenda-se o uso de um algoritmo de tratamento gradual, no qual procedimentos terapêuticos são realizados na ordem do aumento da invasão, com base na resposta ao tratamento prévio.[1][2][54]
O manejo convencional de pacientes com SBC é anticoagulação, tratamento clínico das complicações da hipertensão portal e tratamento de qualquer doença (hematológica) subjacente. No entanto, essa abordagem tem êxito em somente 18% dos pacientes. Ao adicionar a recanalização (trombólise, angioplastia ou colocação de stent) de estenoses da veia hepática de comprimento curto, a taxa de sucesso aumenta para 32%.[54] Desse modo, a maioria dos pacientes precisa de tratamentos mais agressivos.
A abordagem intervencionista deve ser realizada em um centro hepático especializado que seja capaz de realizar todas as técnicas radiológicas intervencionistas, bem como shunts cirúrgicos e transplante de fígado.
A abordagem terapêutica à SBC primária é diversificada e deve ser adaptada à gravidade e aos sintomas da doença. O tratamento da SBC secundária é feito pelo tratamento da causa: por exemplo, ressecção tumoral.
SBC primária fulminante
Pacientes com SBC fulminante (encefalopatia hepática dentro de 8 semanas após o desenvolvimento de icterícia; fígado doloroso à palpação e hepatomegalia; insuficiência renal e coagulopatia) requerem transplante de fígado de emergência. Se isso não for possível, uma anastomose portossistêmica intra-hepática transjugular (TIPS) é uma medida temporária até que o transplante de fígado esteja disponível.[2] A terapia anticoagulante é iniciada após o transplante de fígado, sendo também necessário o tratamento da condição pró-coagulante subjacente.
SBC primária não fulminante: terapia medicamentosa
A terapia anticoagulante é necessária para prevenir a progressão da trombose. A anticoagulação é iniciada em todos os pacientes, a menos que existam contraindicações como varizes esofágicas ou evidências de necrose hepática contínua (por exemplo, agravamento dos sintomas, ascite mal controlada, aumento das transaminases séricas).[42] Pacientes assintomáticos também requerem anticoagulação, pois estados protrombóticos subjacentes geralmente estão presentes. Use inicialmente a heparina de baixo peso molecular (por exemplo, enoxaparina, dalteparina), seguida por um antagonista da vitamina K (por exemplo, varfarina).[1]
Trombólise pode ser usada para aliviar obstrução do fluxo de saída venoso hepático e restaurar o fluxo sanguíneo normal.[42] É mais efetiva na SBC aguda (dentro de 72 horas) e na trombose de um pequeno segmento como adjuvante à angioplastia.[55] Trombólise local, sistêmica ou combinada tem sido usada.[56]
A ascite é tratada com diuréticos (por exemplo, furosemida, espironolactona). Recomenda-se terapia diurética combinada se a resposta à terapia isolada não for satisfatória. Se a ascite ainda não for controlada pela terapia medicamentosa, uma paracentese pode ser necessária.
A condição trombofílica predisponente é tratada de acordo com a prática padrão. Veja os seguintes tópicos: Trombocitemia essencial (Manejo), Policitemia vera (Manejo), Mielofibrose (Manejo), Leucemia mieloide crônica (Manejo), Síndrome antifosfolipídica (Manejo), Hemoglobinúria paroxística noturna (Manejo).
Se o controle da ascite e de outras complicações da SBC (por exemplo, encefalopatia, coagulopatia, sangramento gastrointestinal) não pode ser tratado pela terapia medicamentosa isoladamente, ou se características clínicas e testes bioquímicos sugerem necrose hepática contínua, tratamentos invasivos são necessários.
SBC primária não fulminante: terapia intervencionista radiológica.
Os procedimentos intervencionistas incluem angioplastia da veia hepática, veia cava inferior (VCI), ou ambas, e TIPS. Caso haja um coágulo fresco, a terapia trombolítica pode ser administrada junto com o tratamento intervencionista, através de infusão do agente trombolítico diretamente na veia comprometida. A calcificação de um segmento com estenose impossibilita o tratamento radiológico, sendo uma indicação para cirurgia.[57]
A abordagem da terapia intervencionista radiológica difere de acordo com as regiões geográficas, por causa das diferentes etiologias da SBC. Em países ocidentais, predomina a trombose extensa da veia hepática devida a neoplasias mieloproliferativas, enquanto, na Ásia, a obstrução da veia hepática se deve principalmente a uma rede membranosa. Portanto, a abordagem mais comum pode ser a TIPS, nos países ocidentais, e a recanalização (por exemplo, angioplastia transluminal percutânea e colocação de stent), na Ásia.[17]
Angioplastia hepática
Angioplastia hepática (dilatação por balão com ou sem inserção de stent) da veia hepática com estenose localizada aliviou os sintomas em 70% dos pacientes, segundo relatos.[15][58] No entanto, as taxas de sucesso variam muito entre os centros.
Abordagens com venografia hepática incluem uma via transjugular ou femoral, abordagem trans-hepática percutânea direta ou abordagem combinada. Uma abordagem combinada é usada quando a ultrassonografia mostra patência de um segmento significativo da veia hepática principal, mas esta não é acessível pela VCI.[59][60]
A angioplastia pode ser usada para tratar complicações de shunts cirúrgicos e tratar obstrução venosa recorrente até que o transplante de fígado esteja disponível.[61][62]
Angioplastia da VCI
Dilatação por balão geralmente é suficiente para abrir a obstrução (rede membranosa ou estenose). No entanto, quando a obstrução está associada ao trombo abaixo, uma trombólise mecânica ou clínica é necessária antes da dilatação.
A inserção de stent na VCI geralmente é necessária quando a dilatação por balão é insuficiente isoladamente ou quando há recuo ou estenose recorrente.[63]
A angioplastia combinada da veia hepática é necessária quando o fluxo da veia hepática está comprometido.[64][65]
TIPS
Uma falha na angioplastia (por conta de veias patentes remanescentes muito pequenas ou com fluxo insuficiente) e a presença de trombose difusa da veia hepática são indicações para procedimentos de shunt (TIPS ou shunt cirúrgico).
A TIPS é considerada o procedimento intervencionista mais comum para SBC em países ocidentais.[66] Para que o shunt funcione, o gradiente de pressão porto-cava deve ser <10 mmHg.
O procedimento da TIPS pode ser usado em situações eletivas e de emergência.[67][68] Uma TIPS eletiva pode ser realizada em pacientes com ascite refratária, hemorragia por varizes recorrente, obstrução do fluxo de saída hepático resultante da compressão da VCI intra-hepática por um lobo caudal hipertrofiado ou pouca reserva hepática, impedindo o shunt cirúrgico. A TIPS é feita em situação de emergência na SBC fulminante para servir como uma ponte para o transplante de fígado.[1][2]
A TIPS tem sido usada no tratamento de pacientes com obstrução do fluxo de saída hepático concomitante e trombose da veia porta, embora o procedimento possa ser desafiador ou impossível com trombose da veia porta crônica.[69]
Foi relatada melhora nos resultados do desfecho em curto prazo da TIPS na SBC com a introdução de stents cobertos.[70] Agora, isso está em uso em centros de intervenção hepática.
SBC primária não fulminante: manejo cirúrgico
Os procedimentos cirúrgicos na SBC incluem cirurgia de shunts e transplante de fígado.
Shunt cirúrgico
Indicado em pacientes que não melhoram com angioplastia radiológica e se o gradiente de pressão venosa porto-cava for ≥10 mmHg.
Indicado se há boa reserva hepática e fibrose não significativa. Melhores desfechos cirúrgicos são observados em pacientes com classe de Child-Pugh A e quando a causa subjacente apresenta um desfecho favorável em longo prazo, como a trombocitemia essencial.[42]
Shunts porto-cava látero-laterais, shunts meso-cava látero-laterais e shunts cavo-atriais são usados para pacientes com obstrução venosa hepática e caval.[71]
O shunt mesoatrial é indicado se a VCI estiver obstruída, com trombose ou comprimida por um lobo caudal hipertrofiado, resultando em baixo gradiente de pressão porto-cava (no entanto, a TIPS geralmente é uma abordagem melhor neste contexto).
A obstrução membranosa da veia cava inferior é tratada por membranectomia transatrial, ou, menos comumente, por ressecção dorso-craniana do fígado com anastomose hepático-atrial.[71][72]
Transplante de fígado
As indicações para transplante incluem cirrose avançada e fracasso das abordagens de tratamento não cirúrgicas ou anastomose portossistêmica.[38][73][74]
Setenta e cinco por cento dos pacientes com SBC apresentam um estado hipercoagulável genético detectável. O transplante de fígado pode curar quase todas as trombofilias hereditárias; no entanto, a trombose ainda pode ocorrer, e a anticoagulação é necessária.[4]
O transplante de fígado com doador vivo por cavoplastia modificada é um tratamento altamente efetivo para a SBC e, em conjunto com a terapia anticoagulante em longo prazo e com o tratamento radiológico intervencionista, promove a sobrevida em longo prazo.[75]
SBC secundária
É necessária remoção cirúrgica de cisto que causa compressão, de abscesso ou de tumor invasivo.
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