Abordagem

A crioglobulinemia tipos II e III (crioglobulinemia mista [CM]) pode estar associada a distúrbios infecciosos ou autoimunes. A infecção pelo vírus da hepatite C (HCV) é a causa mais comum de crioglobulinemia mista e pode representar até 90% dos casos.[10][11][12]O tratamento de crioglobulinemia mista (CM) é decidido com base na atividade/gravidade dos sintomas clínicos.

A crioglobulinemia do tipo I é mais frequentemente associada a neoplasias hematológicas. O tratamento da síndrome crioglobulinêmica é direcionado contra a malignidade subjacente.

Tratamento da infecção pelo vírus da hepatite C (HCV)

CM é fortemente associada à infecção crônica por HCV. A terapia de primeira linha para CM que não representa risco de vida decorrente da infecção por HCV devem incluir terapia antiviral. Evidências demonstram resposta virológica sustentada (RVS) em uma proporção significativa de pacientes com CM associada ao HCV.[43][44]​ Além disso, a RVS está associada à redução do risco de CM e manifestações extra-hepáticas de infecção crônica por HCV.

Quando a terapia antiviral é considerada no contexto de crioglobulinemia relacionada ao HCV, deve-se consultar um hepatologista com o objetivo de estadiar a doença hepática e obter recomendações no que diz respeito à terapia mais adequada considerando as comorbidades do paciente, como o nível de cirrose e comprometimento renal, bem como o genótipo de HCV do paciente e se ele foi previamente tratado com terapia antiviral para HCV. A presença de crioglobulinemia não influencia a escolha da terapia antiviral. Devem ser seguidas as diretrizes locais sobre recomendações de tratamento para o HCV. Os antivirais de ação direta são o tratamento padrão.[45]

Consulte Hepatite C (Abordagem de manejo).

Uma pequena série de casos relatou altas taxas de RVS entre pacientes sintomáticos e assintomáticos tratados com antivirais de ação direta (com ou sem interferona peguilada) para crioglobulinemia associada ao HCV.[10][46][47][48][49][50]​ No entanto, a interferona peguilada não é mais recomendada como opção de tratamento em algumas diretrizes atuais. Os esquemas baseados em sofosbuvir foram associados à viremia de HCV na semana 12 (RVS12) e na semana 24 (RVS24) após o tratamento, em um estudo prospectivo com 44 pacientes consecutivos com vasculite crioglobulinêmica mista associada ao HCV.[51]

A vasculite crioglobulinêmica respondeu ao tratamento em todos os pacientes (avaliados pelo escore de atividade de vasculite de Birmingham [Birmingham Vasculitis Activity Score]); anemia, fadiga e náuseas foram os efeitos adversos mais comuns.[51]

Uma melhora imunológica e clínica significativa em longo prazo (média de 24 meses) foi relatada em pacientes com vasculite crioglobulinêmica associada ao HCV (n=46) e em pacientes assintomáticos com crioglobulinas circulantes (n=42) tratados com antivirais de ação direta.[52] No entanto, após o tratamento as crioglobulinas persistiram em 22% (n=10) dos pacientes com vasculite crioglobulinêmica associada ao HCV e em 21% (n=9) dos pacientes assintomáticos com crioglobulinas circulantes. Uma pequena proporção de pacientes com vasculite crioglobulinêmica associada ao HCV (11%, n=5) tiveram uma recidiva após a erradicação do HCV (incluindo danos graves a órgãos e morte).[52]

Crioglobulinemia mista assintomática

Em pacientes assintomáticos, o monitoramento cuidadoso das manifestações de crioglobulinemia como úlceras, acrocianose, gangrena digital e púrpura geralmente é suficiente. Os pacientes devem ser acompanhados inicialmente a cada 2 ou 3 meses.

A terapia antiviral é recomendada para os pacientes com infecção por HCV; a escolha do agente se baseia nas diretrizes locais.[45]

Crioglobulinemia mista leve a moderada

Para pacientes com manifestações leves a moderadas (púrpura, fraqueza, artralgia, artrite, neuropatia leve), devem ser consideradas doses mais baixas de corticosteroides com menor duração de tratamento para controlar os sintomas. O uso prolongado de corticosteroides não é recomendado.[16]

A terapia antiviral é recomendada para os pacientes com infecção por HCV; a escolha do agente se baseia nas diretrizes locais.[45]

Crioglobulinemia mista moderada a grave

Pacientes com manifestações moderadas a graves (vasculite leucocitoclástica, mononeurite múltipla, glomerulonefrite) precisam de tratamento imunossupressor urgente antes de iniciarem a terapia para infecção crônica por HCV.[53] A reativação ou o aumento da replicação viral é motivo de grande preocupação quando são usados agentes imunossupressores.[54] Devem ser seguidas as diretrizes locais sobre recomendações de tratamento para o HCV. Os antivirais de ação direta são o tratamento padrão.[45]

Consulte Hepatite C (Abordagem de manejo).​​

Corticosteroides em doses médias são usados para tratar glomerulonefrite moderada e vasculite cutânea. Doses altas são indicadas na presença de mononeurite múltipla e glomerulonefrite grave. A resposta a corticosteroides isolados ou em combinação com alfainterferona para manifestações vasculíticas é variável.[55] Ao usar corticosteroides, deve-se considerar o período mínimo de tratamento para controlar os sintomas. O uso prolongado de corticosteroides não é recomendado.[16]

O rituximabe (um anticorpo monoclonal direcionado ao CD20 nas células B) pode ser considerado em pacientes selecionados (que não apresentam evidência de infecção ativa por HIV ou hepatite B) com:[56][57]​​

  • CM moderada a grave ou grave e rapidamente progressiva

  • vasculite crioglobulinêmica

  • comorbidades que impeçam outras terapias

As diretrizes de consenso italianas afirmam que o rituximabe é relativamente seguro e eficaz para as manifestações moderadas a graves da CM (glomerulonefrite, isquemia digital ou úlceras cutâneas necrosantes, poliartrite, vasculite gastrointestinal e neuropatia periférica).[56][57]​​ No entanto, uma revisão Cochrane sugeriu que as evidências de recuperação renal são fracas.[58] Isto pode dever-se, em parte, ao baixo número de pacientes com manifestações renais de vasculite crioglobulinêmica incluídos nos ensaios.

O efeito de rituximabe sobre a replicação do HCV e sobre o criócrito é incerto.[58] O rituximabe não foi associado à exacerbação da hepatite. Mais mortes foram relatadas no grupo de rituximabe em um estudo, mas isso pode refletir um viés de sobrevida.[56]

Os esquemas de dosagem de rituximabe podem variar.[57][59][60]

No caso de recidiva clínica após o tratamento com rituximabe, um segundo ciclo de tratamento demonstrou ser seguro e eficaz em pacientes com CM moderada a grave.[57]

A decisão de usar rituximabe na CM deve ser individualizada, com orientação cuidadosa dos pacientes em relação aos efeitos adversos de curto e longo prazo e a consideração das comorbidades.[56]

Azatioprina e ciclofosfamida têm sido usadas para tratar manifestações graves da síndrome crioglobulinêmica. No entanto, elas não foram estudadas em larga escala e podem estar associadas à significativa toxicidade.[61]

A terapia antiviral é recomendada para os pacientes com infecção por HCV; a escolha do agente se baseia nas diretrizes locais.[45] ​Para pacientes com glomerulonefrite relacionada ao HCV, as diretrizes Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) afirmam que todos os pacientes com função renal estável e sem síndrome nefrótica devem iniciar antivirais de ação direta. A terapia imunossupressora é recomendada como adjuvante se houver falta de resposta aos antivirais de ação direta.[62]​​

Crioglobulinemia grave com progressão rápida

Plasmaférese com imunossupressão sequencial é usada em pacientes com manifestações graves de rápida evolução ou doenças que representam risco de vida (gangrena nos membros, comprometimento fulminante de múltiplos órgãos, glomerulonefrite grave, neuropatia periférica progressiva e úlceras graves de membros inferiores).[16][63]​​ Em pacientes com síndrome da hiperviscosidade, a plasmaférese pode reverter as complicações de hiperviscosidade aguda; no entanto, precisa ser seguida por tratamento da causa subjacente.[53][64]​​ Para evitar a precipitação de crioglobulinas, os fluidos de reposição para plasmaférese devem ser aquecidos antes da infusão.

O tratamento imunossupressor normalmente consiste em corticosteroides intravenosos com rituximabe ou ciclofosfamida. Devido a um melhor perfil de toxicidade, o rituximabe é a escolha como terapia de primeira linha para manifestações não renais da crioglobulinemia.[53][57]​​[58]​​ É importante ressaltar que é obrigatório rastrear a coinfecção por hepatite B e consultar especialistas para tratá-la durante o uso de imunossupressão potente, especialmente rituximabe.

  • Corticosteroides: para manifestações graves, os corticosteroides são usados como terapia ponte. Corticosteroides em dose pulsada são usados para manifestações graves de vasculite e glomerulonefrite e são reduzidos rapidamente de acordo com a condição clínica.[7][16]

  • Rituximabe: a decisão de usar rituximabe na CM deve ser individualizada, com orientação cuidadosa dos pacientes em relação aos efeitos adversos de curto e longo prazo e a consideração das comorbidades.[56]​ As diretrizes italianas sugerem o uso de rituximabe (para terapia inicial e de manutenção) em pacientes com manifestações graves ou com risco de vida.[57]

  • Ciclofosfamida: em alguns estudos, o tratamento começou com ciclofosfamida intravenosa em dose mensal, e a administração diária foi reservada para casos refratários.[65][66] O tratamento com ciclofosfamida oral por 5 a 6 semanas durante a redução gradual de sessões de aférese se mostrou eficaz na prevenção do efeito rebote observado após a descontinuação de plasmaférese.[4]

  • ​Infecção por HCV: considerar terapia antiviral de ação direta; a escolha do agente é baseada nas diretrizes locais.[45]

Para pacientes com glomerulonefrite rapidamente progressiva relacionada ao HCV, as diretrizes KDIGO recomendam que antivirais de ação direta e tratamento imunossupressor sejam iniciados sem demora, com ou sem plasmaférese.[62] Embora os ensaios clínicos não tenham demonstrado melhora da função renal na vasculite crioglobulinêmica após rituximabe, as diretrizes KDIGO recomendam rituximabe como terapia imunossupressora de primeira linha em pacientes com glomerulonefrite histologicamente ativa associada ao HCV concomitantemente com terapêutica antiviral.[58][62]

Crioglobulinemia associada à malignidade (tipo I)

A crioglobulinemia do tipo I é mais frequentemente associada a neoplasias hematológicas como mieloma múltiplo ou macroglobulinemia de Waldenström. O tratamento da síndrome crioglobulinêmica é alcançado pelo tratamento específico da malignidade subjacente.[53]

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