Abordagem
A deficiência de folato em sua forma clássica se manifesta como anemia com contagens de reticulócitos diminuídas e macrocitose oval (volume corpuscular médio [VCM] >100 fentolitros). Uma deficiência de folato grave pode se manifestar como pancitopenia (anemia, neutropenia e trombocitopenia).
Sinais e sintomas neurológicos não são observados habitualmente em pacientes com deficiência de folato.
Devem-se considerar explicações alternativas, como deficiência de vitamina B12 (cobalamina), deficiência de tiamina ou transtorno por uso de álcool coexistentes em casos de anemia macrocítica com sinais e sintomas neurológicos.
Grupos de risco
Certos grupos de pacientes apresentam um risco elevado de desenvolverem deficiência de folato. Os grupos a seguir devem ser considerados ao analisar-se uma história médica:
Grupos de baixa condição socioeconômica com desnutrição
Idosos com ingestão alimentar deficiente
Pessoas que fazem uso indevido de bebidas alcoólicas (produzindo um declínio acentuado no folato sérico em poucos dias)
Gestantes, lactantes e bebês prematuros (demanda elevada)
Pessoas com anemia hemolítica crônica ou dermatite esfoliativa crônica (a renovação celular elevada aumenta a necessidade de folato)
Pessoas que tomam medicamentos que interferem na absorção e no metabolismo do ácido fólico, incluindo sulfassalazina, trimetoprima, pirimetamina, metotrexato e anticonvulsivantes (por exemplo, fenitoína, fenobarbital)
Pessoas com má absorção hereditária de folato e com defeitos congênitos no metabolismo do folato, frequentemente manifestando-se nos primeiros anos de vida
Pessoas com estados crônicos de diarreia e outros distúrbios intestinais (que podem causar uma baixa absorção de folato)
Pacientes em diálise crônica (o folato é hidrossolúvel e é perdido no fluido da diálise)
Lactentes alimentados exclusivamente com leite de cabra e crianças com defeitos congênitos no metabolismo e que recebem uma dieta sintética.
Sintomas e sinais
A anemia megaloblástica é a principal característica da deficiência de folato.
A deficiência de folato grave se manifesta como uma anemia macrocítica sintomática e pancitopenia; a deficiência de folato não grave inclui sinais de macrocitose sem anemia.
A investigação sintomática deve abranger os sintomas associados à anemia, incluindo fadiga, palpitações, dispneia, tontura, cefaleias, icterícia, perda de apetite e perda de peso. Os pacientes podem se queixar de deglutição dolorosa, inflamação da língua (glossite) e desconforto nos cantos da boca (estomatite angular) em casos de deficiência grave de folato.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Queilite angularDo acervo de Dr Wanda C. Gonsalves; usado com a permissão do paciente [Citation ends].
Os sintomas de uma doença subjacente também devem ser elucidados, como diarreia crônica e perda de peso, ou retardo do crescimento pôndero-estatural em distúrbios intestinais.
Deve-se realizar um exame físico completo para procurar por sinais de anemia (palidez, taquicardia, taquipneia, sopros cardíacos, sinais de insuficiência cardíaca, icterícia) e por uma doença subjacente (por exemplo, sinais de abuso de álcool crônico, anemia hemolítica, dermatite esfoliativa). Petéquias podem estar presentes em pacientes com trombocitopenia.
Uma disfunção neurológica, embora raramente relatada, normalmente não está presente. As exceções são as crianças com defeitos congênitos na absorção e no metabolismo do folato, as quais frequentemente têm mielopatia grave e disfunção neurológica.
Exames iniciais
Recomenda-se realizar um hemograma completo com esfregaço do sangue periférico e uma contagem de reticulócitos em todos os pacientes com suspeita de deficiência de folato.
Achados hematológicos
No clássico caso de deficiência de folato grave, o paciente apresenta anemia grave, macrocitose oval (VCM >100 fentolitros) e hemoglobina corpuscular média elevada. As contagens de reticulócitos corrigidas são baixas. Conforme a anemia avança, aparecem poiquilócitos e células em forma de lágrimas. Em casos de anemia extremamente grave, foi relatada macrocitose regredida, um provável efeito da poiquilocitose e da fragmentação dos eritrócitos.[40]
Os achados clássicos podem nem sempre estar presentes ou podem estar alterados:
Nos estágios iniciais da deficiência de folato, a hemoglobina e o VCM estão normais. Conforme a deficiência evolui, há um aumento no VCM, seguido por uma redução da hemoglobina.
A macrocitose pode ser mascarada por uma deficiência de ferro ou talassemia coexistente. Inicialmente, os perfis de ferro podem não revelar uma deficiência; o verdadeiro status do ferro se torna evidente vários dias após o inicio da terapia com ácido fólico.
As transfusões em lactentes com pancitopenia podem causar neutropenia e trombocitopenia, as únicas características hematológicas.
A presença de neutrófilos hipersegmentados é um aspecto característico da deficiência de folato. É definido como a presença de 5 lobos em >5% dos neutrófilos, ou a presença de um ou mais neutrófilos com 6 ou mais lobos. Frequentemente, a hipersegmentação precede a anemia, mas não é encontrada em deficiências de vitaminas subclínicas. Ela também pode estar presente em pacientes tratados com medicamentos que inibem a síntese de DNA (por exemplo, 5-fluoruracila, hidroxiureia) e, raramente, em pacientes com mielofibrose, leucemia mieloide crônica ou uma doença hereditária benigna.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Anemia macrocítica megaloblástica: A. Esfregaço de sangue periférico de um paciente com anemia megaloblástica. B. Esfregaço de sangue periférico de indivíduo saudávelFotomicrografia de Mark J. Koury, MD; usado com permissão [Citation ends].
Neutropenia e trombocitopenia estão presentes em casos de deficiência de folato avançada.
Exames confirmatórios
Nos casos de suspeita de deficiência de folato, recomenda-se realizar a medição do nível do folato sérico, como um rastreamento inicial.
O folato sérico depende da ingestão e, durante uma privação, sofre uma rápida queda para o quadro de deficiência.[1][54] Aproximadamente 5% de pacientes com deficiência de folato apresentarão níveis normais de folato sérico.[55][56] O nível de folato eritrocitário diminui mais lentamente durante um período de renovação de 3 a 4 meses dos eritrócitos. Embora o folato eritrocitário possa ser um melhor indicador dos níveis de folato no tecido, o ensaio é complexo e mais dispendioso que a avaliação do folato sérico. O nível de folato eritrocitário pode estar baixo na deficiência de vitamina B12.
O folato sérico <7 nanomoles/L (<3 nanogramas/mL) indica deficiência de folato, a qual frequentemente apresenta aspectos morfológicos (alterações megaloblásticas na medula óssea e anemia macrocítica).[55] O nível de folato entre 7 nanomoles/L e 11 nanomoles/L (3 nanogramas/mL e 5 nanogramas/mL) pode causar alterações metabólicas (níveis elevados de homocisteína plasmática) e, portanto, leva à suspeita de deficiência de folato.
Quando os níveis de folato sérico estão normais ou limítrofes, na presença de uma forte suspeita clínica, podem-se obter os níveis de folato eritrocitário (limite inferior do normal: <317 nanomoles/L [<140 nanogramas/mL]) e da homocisteína plasmática (>15 micromoles/L; pode indicar deficiência de folato) para auxiliar no diagnóstico.[55][57]
Podem-se obter resultados falso-negativos no exame de folato sérico após ingestão recente de folato. Pode-se observar resultados falso-positivos baixos no exame de folato sérico em pacientes com anorexia, consumo de álcool, gravidez normal ou em pacientes que tomam medicamentos anticonvulsivantes.[57]
Exames auxiliares
Os exames adicionais devem incluir bilirrubina, testes da função hepática, lactato desidrogenase (LDH), haptoglobina e os perfis de ferro sérico.
Exames bioquímicos
Os sinais laboratoriais de eritropoiese e hemólise ineficientes coexistem com macrocitose e anemia; eles incluem LDH elevada, bilirrubina não conjugada elevada e haptoglobina baixa. Os níveis do ferro sérico, da ferritina sérica e do receptor de transferrina estão elevados.[40]
Aspirado e biópsia de medula óssea
O exame da medula óssea apresenta eritropoiese megaloblástica. A principal característica morfológica da anemia megaloblástica são eritroblastos maiores que o esperado com base na aparência citoplasmática com núcleos grandes e não condensados. Os eritroblastos em estágio avançado podem apresentar núcleos lobulados. Observam-se bastonetes e metamielócitos gigantes.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Células medulares megaloblásticasFotomicrografia de Mark J. Koury, MD; usado com permissão [Citation ends].
Não é necessário realizar-se um exame de medula óssea para confirmar o diagnóstico de deficiência de folato, embora ele possa ser utilizado para descartar causas importantes de anemia macrocítica e pancitopenia, como a mielodisplasia ou a anemia aplásica.
Diagnóstico diferencial
Uma deficiência de vitamina B12 subjacente deve ser descartada antes de se implementar a terapia com ácido fólico, pois essa terapia pode mascarar as complicações neurológicas de uma deficiência de vitamina B12 não tratada. No entanto, é importante notar que a deficiência de vitamina B12 e a deficiência de folato podem coexistir em certos pacientes.
A deficiência de vitamina B12 pode causar uma anemia megaloblástica, com sintomas e sinais similares aos da deficiência de folato.[8] No entanto, não há sinais neurológicos na deficiência de folato (com exceção de crianças com erros inatos de absorção e metabolismo do folato, ou naquelas que tiverem tido deficiência de folato pré-natal grave).
Os níveis séricos ou plasmáticos do ácido metilmalônico aumentam na deficiência de vitamina B12, mas são normais na deficiência de folato. Os níveis de homocisteína aumentam tanto na deficiência de vitamina B12 quanto na deficiência de folato.[58][59] Os níveis de ácido metilmalônico e homocisteína podem ser afetados pela função renal.
Avaliação de uma etiologia subjacente
Assim que a deficiência de folato for diagnosticada, é importante reconhecer a causa subjacente desencadeante para evitar a manutenção de estados de deficiência de folato.
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