Abordagem
O objetivo da terapia é tratar complicações (por exemplo, sangramento ativo), eliminar a causa subjacente sempre que possível, aliviar os sintomas e cicatrizar úlceras.
Úlcera com sangramento ativo
A hemorragia digestiva ativa requer avaliação urgente.[57] A maioria dos sangramentos pode ser tratada por endoscopia.
A endoscopia auxilia na confirmação do diagnóstico, na identificação da causa do sangramento e no controle do sangramento em si. Várias ferramentas endoscópicas podem ser usadas para estancar o sangramento, inclusive clipes mecânicos, cauterização térmica e spray hemostático.[58] A injeção de adrenalina não é mais usada como tratamento único, mas é usada em combinação com outras modalidades endoscópicas.
Após a hemostasia endoscópica, recomenda-se a terapia com inibidores da bomba de prótons (IBP) em altas doses, administradas continuamente ou intermitentemente por 3 dias.[57][59][60] Após 72 horas, recomenda-se o tratamento oral duas vezes ao dia com um IBP, nas primeiras 2 semanas.[57][59] Essas recomendações são baseadas em evidências de alta qualidade que documentam uma grande redução de risco relativo em sangramento adicional e mortalidade com IBP pós-endoscopia em comparação com placebo/ausência tratamento.[59][61][62][63] A terapia oral contínua com IBP além desses prazos depende da natureza da úlcera hemorrágica.[60]
O papel da terapia pré-endoscópica com IBP em pacientes que apresentam sangramento de úlcera continua sendo objeto de debate.[64] O consenso internacional recomenda que a terapia pré-endoscópica com IBP pode ser considerada com base no fato de que pode reduzir a gravidade da lesão ou a necessidade de tratamento hemostático endoscópico, embora não deva atrasar a endoscopia.[64][65]
Pacientes com sangramento recorrente após terapia endoscópica para úlcera hemorrágica devem ser submetidos a endoscopia e terapia endoscópica repetidas em vez de cirurgia ou embolização arterial transcateter. A repetição da endoscopia e da terapia endoscópica previne com sucesso sangramento adicional em aproximadamente três quartos desses pacientes, com menos complicações do que a terapia cirúrgica.[59]
De acordo com as diretrizes do American College of Gastroenterology (ACG), os pacientes com úlceras hemorrágicas que tiverem tido falha na terapia endoscópica devem ser tratados com embolização arterial transcateter (EAT).[59] A falha da terapia endoscópica pode ser definida de várias maneiras, incluindo sangramento persistente após terapia endoscópica inicial ou subsequente e sangramento recorrente após terapia endoscópica repetida.[59] Embora a cirurgia seja mais eficaz na redução de sangramento adicional, a EAT está associada a um número significativamente menor de complicações e não está associado ao aumento da mortalidade. Na prática clínica, a cirurgia pode ser a melhor escolha para o paciente individual ao levar em consideração as comorbidades e o estado clínico atual, bem como experiência local e disponibilidade de procedimentos (por exemplo, experiência de radiologistas intervencionistas locais em EAT para hemorragia digestiva alta e experiência de cirurgiões em cirurgia de úlcera).[59]
O uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), incluindo aspirina, deve ser descontinuado antes do tratamento. Se, no entanto, um paciente estiver tomando aspirina para prevenção cardiovascular secundária, a aspirina deve ser mantida na fase aguda.[57][66] Se houver hemorragia importante, deve-se procurar a orientação de um especialista em hematologia.
Se a terapia cardioprotetora com aspirina for interrompida, ela deve ser reiniciada o mais rápido possível (idealmente, dentro de 24 horas) após a hemostasia endoscópica bem-sucedida.[57][66]
Um estudo observacional em pacientes com infarto agudo do miocárdio que desenvolveram sangramento por úlcera péptica demonstrou mortalidade reduzida naqueles que continuaram com aspirina.[67] Em outro estudo, em pacientes com aumento do risco de doença cardiovascular, o reinício da administração de aspirina em baixas doses (controle pós-endoscópico do sangramento da úlcera) reduziu a mortalidade global, mas foi associado a aumento de sangramento recorrente.[68]
A transfusão de sangue pode ser considerada para a ressuscitação em decorrência de perda aguda de volume, e uma estratégia de transfusão mais restritiva (transfusão apenas para hemoglobina <70 g/L [7 g/dL]) demonstrou melhorar significativamente os desfechos do paciente.[69]
Após o tratamento, a presença do Helicobacter pylori deve ser avaliada e o paciente, tratado de acordo com as diretrizes para pacientes sem sangramento ativo. A falha em abordar e tratar a infecção por H pylori está associada a sangramento recorrente.[70]
Sem sangramento ativo
A primeira etapa é eliminar a causa subjacente, seguida pelo tratamento para a cicatrização da úlcera. Os principais fatores etiológicos responsáveis por ulcerações pépticas são o uso de AINEs e infecção por H pylori. É necessário verificar se o H pylori está presente, uma vez que o tratamento se baseia em sua presença ou ausência.
H pylori negativo:
O uso de AINEs (incluindo aspirina) deve ser descontinuado, já que essa é a causa mais provável de úlcera péptica nesses pacientes. Se isso não for possível, ou se o paciente estiver em uso de aspirina em baixas doses para profilaxia de doença cardiovascular, deve-se empregar um tratamento profilático para inibição da secreção ácida em longo prazo.[71] Para reduzir o risco de toxicidade gastroduodenal, incluindo ulceração, um inibidor da ciclo-oxigenase (COX-2) deve ser considerado em vez do AINE. Um grande ensaio clínico randomizado constatou que o celecoxibe, em doses moderadas, não foi inferior ao ibuprofeno e naproxeno quanto à segurança cardiovascular em pacientes com artrite.[72]
O tratamento para cicatrização da úlcera deve então ser instituído. Em geral, os IBPs são os medicamentos de primeira escolha para cicatrização da úlcera devido à simplicidade de seu cronograma de dosagem e sua eficácia. Tanto os IBPs quanto os antagonistas H2 inibem a secreção de ácido, mas os IBPs fazem isso em uma extensão maior e cicatrizam úlceras pépticas mais rápido.[73] No entanto, antagonistas H2 poderão ser usados se o paciente não responder aos IBPs.
Antiácidos são relativamente pouco eficazes e demoram a promover a cicatrização; sendo assim, também não são recomendados.
O misoprostol é uma opção para a prevenção de úlceras gástricas induzidas por AINEs em pacientes que necessitam de terapia contínua com esse tipo de medicamento.[74]
H pylori positivo:
Se o paciente fizer uso de AINEs (incluindo aspirina), ele deverá ser descontinuado, se possível. As diretrizes recomendam que os pacientes positivos para H pylori que tomam aspirina em baixas doses em longo prazo, ou um AINE de longo prazo para artrite, recebam a oferta de terapia de erradicação.[39][50][51]
A terapia de erradicação provoca a cicatrização da úlcera e uma redução dramática na recorrência de úlceras.[75] [
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] A maioria dos esquemas tem entre 70% e 90% de eficácia na prática, limitados principalmente pela resistência aos antibióticos e pela adesão do paciente ao esquema terapêutico. A terapia não deve ser prescrita sem que haja uma infecção documentada.
O ACG recomenda esquemas terapêuticos de primeira linha empíricos para os pacientes com infecção por H pylori virgens de tratamento. A terapia quádrupla otimizada com bismuto, consistindo de uma dose padrão de IBP associado a bismuto, tetraciclina e metronidazol por 14 dias, é o esquema terapêutico de primeira linha de escolha quando a suscetibilidade aos antibióticos é desconhecida. Este esquema pode ser usado em pacientes com ou sem alergia à penicilina.[51]
Os outros esquemas que podem ser considerados de primeira linha para os pacientes sem alergia à penicilina incluem: terapia tripla com rifabutina (omeprazol associado a amoxicilina e rifabutina) por 14 dias; ou terapia dupla com bloqueador ácido competitivo de potássio (vonoprazana associada a amoxicilina) por 14 dias. A terapia tripla com bloqueadores ácidos competitivos de potássio (vonoprazana associada a claritromicina e amoxicilina) é outra opção, mas deve ser evitada nos pacientes com exposição prévia a antibióticos macrolídeos.[49][51]
As diretrizes europeias também recomendam a terapia quádrupla com bismuto como tratamento inicial tanto nas regiões com taxas de resistência à claritromicina acima quanto abaixo de 15%. Caso esse tratamento fracasse, a terapia tripla ou quádrupla com levofloxacino é recomendada, seguida por uma terapia tripla ou quádrupla com claritromicina e, se essa terapia fracassar, recomenda-se a terapia tripla com rifabutina. Nas regiões em que a taxa de resistência à claritromicina é <15%, a terapia inicial pode ser alternativamente iniciada com terapia tripla com claritromicina e, se fracassar, deve-se seguir a sequência de terapia quádrupla com bismuto, terapia tripla ou quádrupla com levofloxacino e terapia tripla com rifabutina. São recomendados catorze dias de tratamento.[52]
Todos os esquemas contêm antibióticos e, consequentemente, podem causar diarreia, promover infecções oportunistas e interferir na absorção de muitos outros medicamentos, incluindo contraceptivos orais.
Não há evidências suficientes para sugerir que o uso de terapia probiótica melhora a eficácia ou a tolerabilidade da terapia de erradicação de H pylori.[51]
Verifique a erradicação do H pylori pelo menos 1 mês após o término da terapia com um teste respiratório da ureia, teste de antígeno fecal ou teste baseado em biópsia adequadamente realizada.[51][52] A continuação da terapia de supressão ácida após o tratamento da infecção não é necessária na maioria dos casos.
Se o primeiro tratamento falhar, pelo menos um esquema alternativo deve ser experimentado. Os esquemas de segunda linha devem evitar os antibióticos que foram administrados no esquema de primeira linha.[49][50] Se o organismo não puder ser erradicado, apesar de várias tentativas, uma terapia de supressão ácida de longo prazo poderá ser necessária para controlar os sintomas.
Nos pacientes com infecção por H pylori persistente apesar de terem recebido um ciclo de erradicação prévio, qualquer tratamento subsequente é considerado de segunda linha (ou de terceira linha, caso tenham recebido dois ciclos previamente).[51] A escolha do esquema dependerá dos tratamentos anteriores. O ACG fornece orientação sobre os esquemas sugeridos e também é aconselhável consultar as orientações locais.[51]
Para melhor otimizar o tratamento da infecção por H pylori, a terapia de erradicação deve basear-se nos padrões de resistência antimicrobiana local e individual, se possível.[76][77] O sequenciamento de nova geração em biópsias gástricas para determinar a suscetibilidade antimicrobiana demonstrou aumentar a probabilidade de tratamentos bem-sucedidos, em comparação com a terapia empírica convencional.[78] No entanto, a cultura de H pylori e o teste molecular não estão amplamente disponíveis em todos os países.[79]
Úlceras recorrentes ou refratárias
Uma terapia com manutenção da supressão ácida em longo prazo pode ser usada em pacientes selecionados de alto risco (por exemplo, recorrências frequentes, úlceras grandes ou refratárias) com ou sem infecção por H pylori.[80] O esquema preferido e a duração do tratamento são incertos, embora a maioria dos médicos use um IBP.
Um análogo da prostaglandina, como o misoprostol, deve ser usado em pacientes com úlceras associadas a AINEs refratárias à terapia de supressão ácida.[74] Antes de iniciar este ciclo, deve-se verificar a adesão ao tratamento e o uso não autorizado ou contínuo de aspirina ou AINEs.
Segurança da terapia crônica com inibidores da bomba de prótons
Os IBPs são um tratamento eficaz para o tratamento da doença de úlcera péptica.[45] Preocupações existem, no entanto, em relação ao seu uso de longa duração.
Análises retrospectivas sugerem uma associação entre o uso de IBPs e osteoporose, pneumonia, demência, AVC e mortalidade por todas as causas.[81][82][83][84][85][86][87] Mas esses estudos são incapazes de estabelecer uma relação causal.[88]
Uma análise prospectiva de mais de 200,000 participantes de três estudos de grande porte, com o acompanhamento combinado de 2.1 milhões de pessoas-ano, constatou que o uso regular de IBPs foi associado ao alto risco de desenvolver diabetes do tipo 2 (RR 1.24, IC de 95% 1.17 a 1.31). O risco de diabetes aumentou com a duração do uso de IBP.[89]
Possivelmente no maior estudo prospectivo randomizado de IBPs para qualquer indicação (n = 17,958 pacientes com doença cardiovascular), nenhuma diferença significativa nos efeitos adversos foi relatada entre pantoprazol e placebo em 3 anos (53,000 pacientes-ano de acompanhamento), além de um possível aumento na infecção entérica.[90]
Um estudo prospectivo, duplo-cego, multicêntrico menor, incluindo 115 mulheres menopausadas saudáveis, revelou que 26 semanas de tratamento com um IBP não tem efeitos clinicamente significativos na homeostase óssea.[91]
Uma revisão sistemática e uma metanálise que incluíram mais de 600,000 pacientes não encontraram relação entre o uso de IBPs e o aumento do risco de demência.[92] Essa também foi a conclusão de outra metanálise de pouco mais de 200,000 pacientes, em que não foram encontradas evidências claras que sugiram uma associação entre o uso de IBP e o risco de demência.[93]
Um estudo de coorte realizado com mais de 700,000 pacientes no Reino Unido mostrou uma associação entre o uso de IBP e a mortalidade por todas as causas.[94] No entanto, efeitos confusos consideráveis significam que não é possível chegar a conclusões relativas à causalidade.[94]
IBPs estão associados a alterações no microbioma. A importância clínica dessas alterações não está clara.[95]
Os IBPs devem ser prescritos apenas para as indicações apropriadas e devem ser limitados à duração terapêutica da terapia garantida. Com base nos dados atuais, os benefícios gerais do tratamento com IBPs superam os riscos potenciais na maioria dos pacientes.
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