Abordagem

Costuma haver mais de uma causa para as perturbações do sono de uma criança. Sem uma análise cuidadosa da história para identificá-las, pode ser difícil encontrar uma solução para as perturbações do sono da criança. Embora as crianças com paralisia cerebral e atraso no desenvolvimento possam ter distúrbios do sono, o diagnóstico preciso requer a opinião de um especialista e não será coberto neste tópico. O manejo destes pacientes não será abordado neste tópico.

Apneia obstrutiva do sono (AOS)

A adenotonsilectomia é considerada o tratamento de primeira linha em crianças com AOS e hipertrofia adenotonsilar.[30][34][60]​​[88]​​​[89][90]​​ Ela é geralmente curativa em 79% a 92% das crianças, embora alguns estudos tenham demonstrado números menores de remissão completa da obstrução, especialmente em crianças obesas.[91][92][93]​​ Um grande ensaio multicêntrico demonstrou melhora no comportamento e na qualidade de vida de crianças com AOS submetidas a adenotonsilectomia em comparação com os controles.[94] Um pequeno ensaio clínico randomizado e controlado, realizado com crianças saudáveis, entre os 2 e os 4 anos de idade, com AOS leve a moderada, mostrou melhora significativa na qualidade de vida após a adenotonsilectomia para aquelas com doença moderada, mas nenhuma diferença importante entre as tratadas e as não tratadas com doença leve. Isso sugere que a vigilância ativa é uma estratégia recomendada nas crianças com doença leve, mas estudos adicionais são necessários.[95]

A adenotonsilectomia para AOS melhorou a maioria das medições de qualidade de vida e de gravidade dos sintomas em crianças de aproximadamente 5 a 10 anos, porém resultou em ganho de peso clinicamente significativo mesmo em crianças com sobrepeso inicial.[94][96][97][98] Em casos de persistência de uma doença residual leve após a adenotonsilectomia, demonstrou-se que o uso de montelucaste e/ou budesonida intranasal melhora ou remite a obstrução.[34][99]​​​

A Food and Drug Administration dos EUA reforçou a advertência sobre o montelucaste com relação a alterações graves relacionadas ao comportamento e ao humor.[100]

Em crianças com menos de 24 meses, às vezes há relutância em proceder à adenotonsilectomia em razão de preocupações com sangramento ou outras complicações pós-operatórias.[101] Nesses pacientes, inicia-se a pressão positiva contínua nas vias aéreas (CPAP), assim como em casos com AOS persistente após a adenotonsilectomia ou em que a cirurgia não é viável.[34][102][103]​​​​​ O uso bem-sucedido da CPAP exige paciência, uma abordagem multidisciplinar e acompanhamento rigoroso para atingir boa observância e adesão. Intervenções comportamentais para melhorar a adesão à CPAP, base da medicina pediátrica do sono há muito tempo, são reconhecidas como úteis na medicina do sono para adultos.[104] [ Cochrane Clinical Answers logo ] [ Cochrane Clinical Answers logo ]

Em crianças que não são tratadas com cirurgia, a budesonida intranasal e o montelucaste podem ser utilizados como tratamentos adicionais para a AOS leve e a AOS agravada por alergia. No entanto, uma revisão sistemática de 2020 sobre medicamentos anti-inflamatórios para a AOS em crianças não tratadas cirurgicamente constatou evidências insuficientes em prol do uso de corticosteroides intranasais e apenas efeitos benéficos de curto prazo provenientes do tratamento com montelucaste.[105]

Se houver anormalidades estruturais craniofaciais subjacentes, indica-se, às vezes, cirurgia craniofacial, maxilar e/ou mandibular.[34]​ A cirurgia pode ser indicada também quando um paciente não tolera a CPAP.[106][107] As intervenções ortodônticas, como a expansão maxilar, são eficazes para o tratamento da AOS.[108]

Também é importante abordar e tratar outras causas subjacentes que podem estar contribuindo para a AOS. Isso inclui tratar a rinite alérgica crônica, refluxo gastroesofágico ou obesidade; evitar a exposição à fumaça do tabaco no ambiente ou a medicamentos exacerbantes; e evitar certas posições de sono caso a AOS só esteja presente enquanto elas se mantêm.

Distúrbio de insônia crônica

As intervenções comportamentais devem ser a base do tratamento para o distúrbio da insônia crônica em crianças.[9][109][110][111]

Para facilitar o sucesso dessas intervenções comportamentais, os pais devem ser educados sobre hábitos gerais de sono positivos. Eles incluem a implementação de uma rotina consistente para a hora de dormir, garantindo um horário regular de sono para o sono noturno e cochilos diurnos, certificando-se de que a criança esteja na cama por um período de tempo apropriado para a idade. Já se demonstrou que todos esses métodos são efetivos.[63] Se a criança tiver vários cuidadores, também é extremamente importante que eles cheguem a um acordo sobre a abordagem a ser tomada; mensagens conflitantes geralmente fazem com que a criança não entenda o que se espera dela, o que causa insucesso na modificação comportamental.[5][9]​​

A American Thoracic Society descreve uma série de tratamentos que podem ser usados para dificuldades no início do sono: extinção (por exemplo, colocar a criança acordada na cama, fechar a porta e deixá-la chorar até dormir); extinção modificada (por exemplo, colocar a criança acordada na cama, sair do quarto e retornar para vê-la em intervalos controlados, assim dando à criança a mensagem que precisa ir dormir ao mesmo tempo em que a tranquiliza de que não foi abandonada); extinção com presença dos pais (por exemplo, a criança é colocada acordada na cama e um dos pais senta em uma cadeira no quarto com as costas voltadas para a criança, sem se aproximar da criança para acalmá-la até ela dormir); rotinas pré-sono graduais com rituais positivos (por exemplo, a criança é colocada na cama em horário posterior ao normal enquanto cumpre rituais positivos para a hora de ir para a cama); despertares programados (por exemplo, a criança é acordada a intervalos fixos para intervir nos seus padrões próprios de despertar).[9]​ Embora todos sejam geralmente considerados efetivos, não há evidências suficientes para recomendar uma intervenção em detrimento de outra. A aceitação dos pais da extinção modificada ou da extinção com método de presença parental tende a ser maior do que o método de extinção não modificada.[63]​ Todas as intervenções estão associadas a uma redução nos acessos de raiva.[112]

O tratamento dos comportamentos de falta de limites também exige educação sobre a natureza do problema, e, dependendo da idade da criança, envolvimento ativo da criança na modificação do comportamento de sono. Com as crianças mais novas que se recusam a ficar na cama, o uso de um portão na porta do quarto da criança ou dos pais pode ser altamente efetivo para estabelecer limites sem causar sofrimento adicional (por exemplo, ansiedade causada por fechar a porta do quarto).[113]​ Com as crianças mais velhas, é efetivo delinear o desfecho desejado e criar um sistema graduado de recompensa para dar reforço positivo por cumprir as regras.[65]​ Se houver um componente significativo de ansiedade de separação que resultou em um dos pais ter que dormir no mesmo quarto que a criança (ou a criança na cama ou quarto dos pais), pode ser efetivo implementar um protocolo de extinção modificado, similar ao que pode ser aplicado para dificuldades relacionadas ao início do sono. Por exemplo, o pai ou a mãe podem inicialmente dormir em um colchão no chão do quarto da criança por uma noite inteira, seguido por sair do quarto após a criança adormecer, seguido por sair do quarto por pequenos intervalos enquanto a criança está adormecendo. Esses intervalos aumentam gradualmente, até que a criança não precise mais da presença dos pais.

A melatonina não é um tratamento para o distúrbio de insônia crônica, exceto em circunstâncias muito específicas. Embora ela esteja disponível em muitos países sem receita médica, a efetividade e os efeitos em longo prazo do seu uso nas crianças são amplamente desconhecidos.[114]​ A melatonina foi utilizada para induzir o sono em crianças com TDAH e transtorno do espectro autista com bons resultados, embora a posologia ideal permaneça indeterminada, e sua determinação é complicada pelo fato de que a melatonina não é uma substância regulada, podendo variar amplamente de um fornecedor para outro.[112][115]​​[116][117][118][119]​​​​​ A iniciação e a dosagem devem ser feitas em consulta com um especialista.[120]​ As intervenções comportamentais devem ser utilizadas primeiro nas crianças que, exceto pelos distúrbios do sono, forem saudáveis.[111] A melatonina pode fornecer um pequeno benefício adicional.[112]

Síndrome do atraso na fase do sono (SAFS)

O tratamento da SFAS envolve a adesão a uma rotina regular, tanto nos dias de semana quanto nos fins de semana, ao longo do ano letivo e em feriados, com ênfase especial nos horários de despertar. Deve-se estimular a exposição a luzes fortes pela manhã, bem como reforçar a noção de que a hora de acordar representa a hora em que o paciente sai da cama, e não a hora em que ele passa 2 horas despertando e voltando a dormir enquanto permanece na cama. A educação sobre uma higiene do sono adequada, os estímulos para o sono e os efeitos da cafeína e de certos medicamentos é importante. A redução da exposição a luzes fortes por ao menos 2 horas antes de dormir é importante.

A higiene do sono envolve a eliminação do consumo de cafeína nas 8 horas anteriores ao sono; minimizar a exposição à luz brilhante nas 2 horas anteriores à hora de dormir; remoção de mídia eletrônica do quarto, incluindo televisores, videogames, computadores e telefones celulares, e evitar adormecer usando fones de ouvido; remoção de animais de estimação do quarto; manter o quarto escuro, silencioso e em temperatura ambiente.

Nos casos em que a troca de fase circadiana é extrema, pode ser efetivo utilizar cronoterapia para atrasar o sono em incrementos de 3 horas a cada 24 horas até que o ritmo circadiano seja trazido à hora desejada. A cronoterapia envolve adiar a hora de ir dormir em incrementos de 3 horas, a fim de se ressincronizar o relógio circadiano com o relógio externo. Ela é frequentemente usada com as pessoas com síndrome do atraso da fase do sono significativa, nas quais é mais fácil ressincronizar ficando acordado até cada vez mais tarde, em vez de se tentar dormir cada vez mais cedo. Também é importante ter em mente que, se há uma troca grande da fase circadiana, a exposição a luzes fortes pela manhã pode servir apenas para atrasar ainda mais o momento de início do sono circadiano.

Utilizar a melatonina como adjuvante já se mostrou eficaz para avançar a fase circadiana.[121][122] A melatonina já foi utilizada para induzir o sono em crianças com TDAH e com transtornos do espectro autista, com bons resultados.[112][118][119]​​​[123]​​​​ A posologia ideal ainda não está clara, e sua determinação é complicada pelo fato de que a melatonina não é uma substância regulada e pode variar amplamente de um fornecedor para outro.[116][117] Os problemas comportamentais, de rotina e de higiene do sono devem ser abordados primeiro. Deve-se deixar claro que esses elementos são o que realmente farão a diferença, e que o problema não será resolvido apenas tomando uma pílula. Não há critérios formais para o início da melatonina. A iniciação e a dosagem devem ser supervisionadas por um especialista.[120]

Narcolepsia

A criança deve tirar cochilos frequentes e agendados. Vários medicamentos são aprovados para tratar a narcolepsia em crianças, incluindo estimulantes (por exemplo, metilfenidato, dexanfetamina, modafinila, armodafinila), bem como outros medicamentos, incluindo o oxibato de sódio (e outros sais de oxibato), o pitolisant e o solriamfetol.[124][125][126][127]​​​ A fluoxetina, a venlafaxina e a clomipramina têm sido usadas com algum sucesso.[128]​ Esses agentes devem ser prescritos apenas sob orientação de uso especializado. Consulte Narcolepsia.

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