Abordagem

Quando houver suspeita de espasmos infantis, deve-se procurar orientação imediatamente de um neurologista pediátrico terciário, seguido por encaminhamento, se necessário. Os riscos em longo prazo de espasmos infantis, incluindo mau desfecho do neurodesenvolvimento, podem ser reduzidos pelo início precoce do tratamento.

O tratamento efetivo deve produzir a cessação dos espasmos e a resolução da hipsarritmia no eletroencefalograma (EEG).[38]​ Entretanto, a relação temporal entre a cessação da atividade ictal e a melhora do EEG não está delineada. Após a resolução dos espasmos, muitos lactentes continuam a ter o EEG anormal, o que pode refletir a etiologia subjacente ou o desenvolvimento de outros tipos de convulsão.[27] O maior preditor do desfecho é a etiologia subjacente.[39][40]​​​ Pacientes sem causa subjacente aparente têm prognóstico melhor. Existe o perigo de ofuscar o diagnóstico ao interpretar os resultados dos ensaios clínicos em espasmos infantis, dada a grande diversidade etiológica dos pacientes incluídos nesses ensaios.[39]

Terapia de primeira linha

Pesquisas nos EUA e no Reino Unido indicaram que tratamentos hormonais (por exemplo, hormônio adrenocorticotrófico [ACTH] ou prednisolona) e/ou vigabatrina são os agentes de primeira linha mais comumente utilizados.[41] A dose do agente de primeira linha utilizado deve ser ajustada para atingir o efeito máximo o quanto antes.

As modalidades de tratamento hormonal incluem ACTH e prednisolona oral e tem sido a base do tratamento por mais de 60 anos. A prednisolona oral é geralmente utilizada como terapia hormonal de primeira linha em muitos países. O ACTH é recomendado como tratamento de primeira linha em um relatório de consenso dos EUA.[38] A terapia hormonal pode ter efeitos adversos significativos que devem ser monitorados. Os efeitos adversos da corticoterapia em longo prazo podem ser minimizados pela limitação da duração do tratamento. Consulte Monitoramento.

A diretriz de 2022 do National Institute for Health and Care Excellence (NICE) sobre espasmos infantis recomenda a terapia combinada com altas doses de prednisolona oral e vigabatrina como tratamento de primeira linha para espasmos infantis que não são devidos à esclerose tuberosa, a menos que a criança esteja em alta risco de efeitos adversos relacionados aos corticosteroides.[26]​ Se for conhecido no momento do diagnóstico que a criança tem esclerose tuberosa, a vigabatrina isolada é comumente administrada como tratamento inicial na maioria dos países.

Terapia hormonal e vigabatrina (terapia combinada)

A diretriz do NICE recomenda a terapia combinada com altas doses de prednisolona oral e vigabatrina como tratamento de primeira linha para espasmos infantis não decorrentes de esclerose tuberosa, a menos que a criança tenha alto risco de efeitos adversos relacionados aos corticosteroides.[26] Esta decisão é baseada em evidências do estudo International Collaborative Infantile Spasms Study (ICISS), sugerindo que o tratamento de primeira linha combinando corticosteroides com vigabatrina é mais eficaz do que corticosteroides ou vigabatrina isoladamente na interrupção dos espasmos. Este estudo multicêntrico, aberto e randomizado recrutou 377 pacientes com espasmos infantis em 102 centros e os designou aleatoriamente para terapia hormonal com vigabatrina (186) ou terapia hormonal isolada (191). Todos os 377 lactentes foram avaliados quanto ao desfecho primário, que foi a cessação dos espasmos entre 14 e 42 dias a partir do início do ensaio. Nenhum espasmo foi testemunhado em 133 (72%) dos 186 pacientes recebendo terapia combinada, comparados com 108 (57%) dos 191 pacientes recebendo apenas terapia hormonal (diferença de 15%, IC de 95% 5.1 para 24.9, P=0.002), demonstrando que a terapia combinada é significativamente mais eficaz.[42] Os resultados do acompanhamento de 18 meses deste estudo analisaram os desfechos do desenvolvimento (escore de Vineland). A terapia combinada não resultou em melhores desfechos de desenvolvimento ou epilepsia aos 18 meses em comparação com a terapia hormonal isolada.

Hormônio adrenocorticotrópico (ACTH)

Na Europa, Japão e no Reino Unido, os compostos sintéticos de ACTH (por exemplo, tetracosactida/tetracosatrina, cosintropina) são utilizados; nos EUA, os compostos naturais (por exemplo, corticotrofina) são os de preferência. Isso torna difícil a metanálise. De fato, a dose ideal e a duração do tratamento permanecem indefinidas por uma base de evidências, embora seja recomendado, em geral, um ciclo curto de aproximadamente 2 semanas, seguido por redução gradual.

Uma revisão sistemática mostrou que os pacientes inicialmente tratados com ACTH alcançaram uma taxa de resposta inicial significativamente maior (sem espasmo em 14 dias) do que os pacientes tratados com vigabatrina (74% vs. 55.5%).[27] Entretanto, diferenças menos acentuadas foram observadas nas taxas subsequentes de recidiva durante o acompanhamento, e é importante notar que alguns dos ensaios contabilizados descartaram pacientes com esclerose tuberosa. Evidências atuais indicam que a alta dose de ACTH não é superior à baixa dose de ACTH na eliminação inicial dos espasmos.[14][43]​​[44][45]​​

Poucos estudos avaliaram os desfechos do desenvolvimento em longo prazo relacionados à dosagem do ACTH, mas atualmente não há relatos de diferenças significativas no estado do desenvolvimento em 1 ano entre ACTH em altas e baixas doses.[27] Embora nenhum estudo definitivo tenha determinado a superioridade entre as doses, a terapia de baixa dose pode ser preferível, devido à sua eficácia comparativa e risco reduzido de efeitos adversos.

O ACTH deve ser administrado por injeção intramuscular diariamente ou em dias alternados e, consequentemente, devido à facilidade e à aceitação da administração, a prednisolona oral em altas doses geralmente é preferida.

Corticosteroides

O ensaio clínico randomizado e controlado UK Infantile Spasms Study (UKISS) (n = 55) comparou altas doses de prednisolona oral com tetracosactídeo intramuscular (ACTH sintético) mostrando eficácia de curto prazo quase semelhante para ambas as intervenções (ACTH 76% vs. prednisolona 70%).[46] Em um estudo randomizado simples-cego de 2015 comparando altas doses de prednisolona oral com ACTH intramuscular em 97 pacientes, significativamente mais pacientes obtiveram cessação dos espasmos e remissão eletroclínica no dia 14 e melhor controle dos espasmos em 3 meses, se inicialmente tratados com prednisolona oral. O controle dos espasmos aos 6 e 12 meses não foi significativamente diferente. O risco de recidiva após a remissão inicial foi semelhante nos dois grupos.[47][48]​ Outro estudo randomizado, não cego e unicêntrico comparou ACTH intramuscular com prednisolona oral em 34 crianças e não encontrou diferença entre os dois tratamentos.[49]​ Um ensaio clínico randomizado e controlado aberto revelou que a prednisolona oral em altas doses é significativamente mais eficaz em comparação com a prednisolona em baixas doses, e os efeitos adversos são comparáveis nos dois grupos.[50]

Vigabatrina

A vigabatrina é defendida como tratamento de primeira linha em lactentes com espasmos e esclerose tuberosa (ET).[13][27][51]​​​​No Reino Unido, a vigabatrina é considerada isoladamente como tratamento de primeira linha para espasmos infantis em crianças com alto risco de efeitos adversos relacionados aos corticosteroides e naquelas com espasmos devido à esclerose tuberosa. No entanto, se a vigabatrina for ineficaz após 1 semana, recomenda-se a adição de altas doses de prednisolona oral.[26]​ A vigabatrina demonstrou ser mais eficaz do que a hidrocortisona em pacientes com ET.[27]​ As crianças com ET tiveram taxas de resposta inicial mais altas à vigabatrina (95% vs. 54%) do que aquelas sem ET.[52]​ Em comparação ao placebo, a vigabatrina promove a cessação dos espasmos em 35% versus 10% dos pacientes.[53]

Há evidências de alta qualidade de que lactentes com espasmos infantis de todas as etiologias que foram inicialmente tratados com vigabatrina em altas doses demonstraram taxas de resposta inicial mais altas dentro de 14 dias em comparação com lactentes inicialmente tratados com vigabatrina em baixas doses (68.2% vs. 51.8%).[54] Eles também tiveram taxas de recidiva mais baixas (11.8%) e tempos mais longos para recidiva (162 dias) em comparação com aqueles inicialmente tratados com vigabatrina em baixa dose (25% e 45 dias).​ A incidência de eventos adversos relacionados à vigabatrina foi baixa, mas os autores ressaltam que esse estudo foi conduzido antes do reconhecimento da perda de campo visual associada à vigabatrina.[54]

​Os efeitos colaterais comumente observados da vigabatrina incluem letargia, irritabilidade, dificuldades de sono e de alimentação, constipação e hipotonia.[55][56][57][58]​​​ Relatos de defeitos de campo visual assintomáticos e sintomáticos com perda de visão periférica em adultos e crianças tratados com vigabatrina sugerem um possível vínculo causal. Isso ocorre em menos da metade dos adultos e em um terço das crianças expostos à vigabatrina.[59] A fisiopatologia não é clara. Fatores potencialmente associados ao aumento do risco de perda de campo visual associado à vigabatrina incluem sexo masculino, idade avançada, dose média diária, dose cumulativa e duração do tratamento. Também pode existir uma predisposição genética.[59] A perda de campo visual associada à vigabatrina pode ocorrer dentro de 6 semanas a partir do início do tratamento. Depois que a perda ocorre, ela geralmente é considerada irreversível e, caso o tratamento continue, é progressiva, embora existam outros relatos de que ela possa melhorar ou permanecer estável quando o tratamento é interrompido.[59] A prevalência de dano à retina induzido por vigabatrina em pacientes tratados por menos de 6 meses foi constatada como baixa, em 5.3%.[60] Outro estudo relatou um risco ainda menor (3.2%) de desenvolver perda clinicamente significativa do campo visual associada à vigabatrina após menos de 6-9 meses de terapia com vigabatrina.[61]

Embora sejam indicadas avaliações de campo visual regulares a cada 6 meses nos pacientes que façam uso de vigabatrina, não há meios confiáveis de avaliar isso em crianças.[27][59]​​​ Estudos prospectivos adicionais são necessários para determinar o ciclo natural e identificar os fatores de risco potenciais para a perda de campo visual associada à vigabatrina. Embora seja necessário considerar o risco de perda de campo visual associada à vigabatrina, a síndrome de West é geralmente uma encefalopatia epiléptica devastadora, e os possíveis efeitos adversos devem ser ponderados tendo em vista os impactos potencialmente benéficos da cessação precoce dos espasmos sobre os desfechos do desenvolvimento posteriores.

Há novos relatos de alterações de sinal na ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica em crianças recebendo vigabatrina para espasmos infantis. Essas alterações, anormalidades cerebrais associadas à vigabatrina na RNM (VABAM), que são dose-dependentes, afetam predominantemente os gânglios da base, tálamo, denteado e tronco encefálico.[62][63]​​​​ Os fatores de risco para o desenvolvimento de VABAM podem incluir idade inferior a 11 meses e dose mais alta de vigabatrina.[64]​ Elas têm significância clínica desconhecida e geralmente se resolvem quando a terapia é descontinuada.[41]

Uma revisão retrospectiva de crianças envolvidas no ICISS mostrou que 6.5% das crianças com espasmos infantis desenvolveram um distúrbio do movimento (DM) após o início de anticonvulsivantes, incluindo a vigabatrina. Em 1.6% da coorte total estudada de espasmos infantis, esse DM se resolveu espontaneamente sem modificação da terapia com vigabatrina. Em um total de 1.6% da coorte total, o início do DM teve uma relação temporal próxima com o início da vigabatrina e se resolveu com sua supressão, sugerindo que, para esses pacientes, as alterações na RNM e o início do DM podem ser, de fato, um efeito colateral reversível da vigabatrina. Entretanto, em 3.2% dos casos, o DM persistiu apesar da descontinuação da vigabatrina. Foi postulado que nesses pacientes a vigabatrina revela e reduz o limiar para um distúrbio do movimento subjacente; sua persistência apesar da supressão da terapia torna improvável o papel causal direto.[62]

Terapia de segunda linha

Após a cessação dos espasmos iniciais, aproximadamente 64% dos pacientes inicialmente tratados com vigabatrina e 60% dos pacientes randomizados que receberam tratamentos hormonais subsequentemente apresentaram recidiva.[27][46][65][66]​​ As taxas de recidiva podem ser menores para os pacientes que inicialmente receberam vigabatrina em altas doses (11.8%) e tiveram tempo de recidiva mais longo (162 dias), que para aqueles que receberam inicialmente vigabatrina em baixas doses (25% e 45 dias).[54] Não são observadas diferenças significativas entre altas e baixas doses de ACTH, embora os pacientes possam sofrer recidiva durante a fase redução/desmame da terapia hormonal.

Não há dados de estudos controlados para dar suporte para as decisões de terapia baseadas em evidências quando o tratamento de primeira linha falha em interromper os espasmos. As decisões podem ser baseadas no parecer e experiência de especialistas, que devem ser orientadas e supervisionadas por um neurologista pediátrico terciário com experiência no atendimento dessas crianças.[26]​ Deve-se considerar a otimização das posologias terapêuticas dos medicamentos escolhidos e um teste terapêutico com agentes de primeira linha alternativos. Um teste terapêutico com terapia hormonal deve ser considerado naqueles pacientes que não respondem à vigabatrina, e a vigabatrina deve ser considerada para aqueles que não respondem à terapia hormonal. As características e necessidades específicas de cada criança e cuidadores devem ser consideradas.

As opções após terapia hormonal ou vigabatrina incluem uma ampla variedade de anticonvulsivantes ou a consideração de uma dieta cetogênica.[26][67] As opções de anticonvulsivantes incluem levetiracetam, nitrazepam (outros benzodiazepínicos podem ser considerados), ácido valproico (é necessária cautela em pessoas com suspeita de doença mitocondrial) ou topiramato.

Um ensaio clínico randomizado e controlado com 50 pacientes comparou o topiramato com o nitrazepam como medicamentos de primeira linha no tratamento de espasmos infantis.[68] A interrupção dos espasmos ocorreu em 12 lactentes (48%) no grupo do topiramato e em 4 lactentes (16%) no grupo do nitrazepam.

Dieta cetogênica

A diretriz do NICE sugere considerar uma dieta cetogênica (DC) como uma monoterapia de segunda linha ou como um tratamento complementar.[26]

A DC é uma dieta rica em gordura, com baixo teor de carboidratos e proteína normal. Os tipos mais comuns de DC são a DC clássica (relação de 4:1 ou 3:1 de gordura para não-gordura), a dieta de triglicerídeos de cadeia média (TCM), a dieta de Atkins modificada e a dieta de tratamento de baixo índice glicêmico.[69] A literatura carece de estudos qualitativos sobre os efeitos da DC nos espasmos infantis.

Uma revisão sistemática combinou dados de 13 estudos observacionais (341 pacientes) investigando a eficácia da DC (na maioria das vezes na proporção de 3-4:1) principalmente em pacientes refratários com espasmos infantis após um período de acompanhamento de 1 a 6 meses. A taxa mediana para pacientes com espasmos infantis que alcançaram redução de convulsões em curto prazo de mais de 50% foi de 64%, a taxa livre de espasmo foi de 35% e a taxa livre de convulsão em longo prazo foi de 9.5%.[69]

Em um pequeno ensaio clínico randomizado e controlado com 32 lactentes alocados para DC ou alta dose de ACTH, a remissão eletroclínica no dia 28 e a ausência de espasmo no último acompanhamento foram semelhantes entre os dois grupos de tratamento.[70]

Em um estudo multicêntrico prospectivo controlado de 227 pacientes com espasmos infantis resistentes à terapia hormonal, a eficácia da terapia com DC foi superior ao ajuste de anticonvulsivantes orais em crianças com espasmos infantis resistentes a ACTH ou corticosteroides.[71]

Piridoxina ou piridoxal fosfato

O tratamento com piridoxina deve ser considerado em pacientes refratários a outras modalidades de tratamento e nos quais a epilepsia dependente de piridoxina (EDP) não foi descartada.[72] É favorecido como uma modalidade de tratamento de primeira linha no Japão. Evidências de estudos prospectivos não controlados indicam que a taxa de resposta é similar à taxa de remissão espontânea predita.[41]​​ Em um ensaio clínico randomizado e controlado piloto, 62 pacientes com espasmos infantis receberam prednisolona oral isoladamente ou piridoxina com prednisolona oral. A proporção de crianças com cessação do espasmo no dia 14 foi semelhante nos dois grupos.[73]

​A deficiência de piridox(am)ina 5'-fosfato oxidase (PNPO) raramente tem sido relatada como a causa do espasmo infantil. A epilepsia dependente de piridoxal 5-fosfato é causada por alterações ou mutações no gene PNPO. Esta é uma condição potencialmente tratável e o piridoxal fosfato (a forma ativa da piridoxina) deve ser considerado no tratamento do espasmo infantil que não responde aos tratamentos de primeira linha.[74]

Cirurgia

Uma avaliação de cirurgia para epilepsia deve ser considerada para os pacientes com espasmos assimétricos, atípicos ou com outra sugestão de focalidade na semiologia das convulsões, sustentada pela identificação da lesão em exames de neuroimagem e pela localização no EEG. Os critérios para a seleção de pacientes para avaliação cirúrgica devem incluir os seguintes itens:

  • Espasmos infantis refratários ao tratamento clínico

  • Ausência de evidências de lesão cerebral difusa em estudos de imagem e anormalidades focais no EEG

  • Anormalidade focal em exames de neuroimagem (por exemplo, RNM ou tomografia por emissão de pósitrons [PET])

  • Ausência de evidências de doença metabólica ou degenerativa.

Recomenda-se realizar a avaliação cirúrgica em um centro especializado, após avaliação completa por uma equipe multidisciplinar. A família deve ser adequadamente orientada com relação aos potenciais desfechos positivos e negativos e sobre qualquer deficit neurológico pós-operatório que possa acontecer.[38][75]

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