História e exame físico

Principais fatores diagnósticos

comuns

presença de fatores de risco

Os principais fatores de risco incluem: mulheres de meia-idade, homens jovens até a meia-idade, cálculos biliares, bebidas alcoólicas, hipertrigliceridemia, uso de medicamentos conhecidamente responsáveis, procedimento de colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) e trauma.

dor abdominal

Dor epigástrica no quadrante médio ou no quadrante superior esquerdo que irradia para as costas é o sintoma de apresentação mais comum (às vezes, distribuição em faixa, geralmente direto no meio das costas; muitos pacientes descrevem como sendo esfaqueados com uma faca). A dor geralmente se agrava com o movimento e é aliviada ao assumir a posição fetal (inclinada, com coluna, quadris e joelhos flexionados).[5][19]

O exame abdominal pode revelar um abdome sensível e distendido com defesa voluntária à palpação do abdome superior.

náuseas e vômitos

Náuseas constituem um dos sintomas mais comuns apresentados e se observa em 70% a 80% dos casos.[12] Os vômitos podem ocasionar desidratação, anormalidades eletrolíticas e alcalose metabólica hipocalêmica.[12]

anorexia

O apetite reduzido secundário a náuseas, dor e mal-estar geral é comumente observado durante um ataque agudo de pancreatite aguda.[12]

sinais de hipovolemia

Podem incluir turgor da pele, membranas mucosas secas, hipotensão e sudorese. Nos casos mais graves o paciente pode estar taquicárdico e/ou taquipneico.

Outros fatores diagnósticos

Incomuns

sinais de disfunção orgânica

Sinais de perda precoce de fluidos, choque hipovolêmico e sintomas sugestivos de disfunção orgânica indicam a necessidade de medidas de ressuscitação imediata.[8][47] Em particular, podem estar presentes sinais de disfunção cardiovascular, respiratória ou renal. A presença de síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SRIS) está associada a um prognóstico mais desfavorável e é definida por pelo menos dois dos seguintes critérios: pulso >90 batimentos por minuto; frequência respiratória >20 por minuto ou pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO₂) <32 mmHg; temperatura >38 °C ou <36 °C; contagem leucocitária >12,000 ou <4000 células/mm³, ou >10% de neutrófilos imaturos (bastonetes).[49]

Outros sintomas de possível disfunção orgânica incluem agitação e confusão.

sinal de Grey-Turner

Descoloração azul bilateral do flanco indicando pancreatite hemorrágica.[5]

sinal de Cullen

Descoloração azul periumbilical indicando pancreatite hemorrágica.[5]

sinal de Fox

Equimose ao longo da área do ligamento inguinal.[5]

distensão abdominal

Normalmente relacionada com a ascite decorrente do extravasamento de fluido intravascular, mas também pode estar relacionada com o íleo paralítico associado.[1] Nos pacientes com doença grave, a hidratação excessivamente agressiva pode causar uma síndrome compartimental caracterizada por ascite tensa e distensão abdominal grave.

Fatores de risco

Fortes

mulheres de meia-idade

As mulheres entre 50 e 70 anos de idade são mais propensas a apresentarem doença calculosa da vesícula biliar e podem apresentar pancreatite com idade mais avançada que os homens com pancreatite alcoólica (40-55 anos de idade).

homens jovens e de meia-idade

A maioria está associada com a alta ingestão de bebidas alcoólicas.

cálculos biliares

A pancreatite biliar responde por 45% a 50% da pancreatite aguda nos EUA.[26] É observada com mais frequência em mulheres mais velhas com história de litíase biliar. A impactação de um cálculo com o ducto colédoco causa o refluxo das secreções hepatobiliares e a ativação enzimática intrapancreática. Os cálculos podem causar inflamação e edema dos ductos, causando algum grau de restrição do fluxo e o refluxo das enzimas ativadas no pâncreas.[26]

bebidas alcoólicas

O álcool é a causa mais comum de pancreatite aguda em muitas regiões. Embora os pacientes com pancreatite induzida por bebidas alcoólicas apresentem a forma aguda, a patologia subjacente é causada pela exposição crônica ao álcool. Uma destruição dose-dependente do parênquima pancreático foi descrita. Esta forma da pancreatite é mais comum nos homens que nas mulheres e, geralmente, é observada após períodos de consumo esporádico intenso de álcool (binge drinking), em comparação com um histórico de abuso de álcool crônico. A quantidade média de ingestão de bebidas alcoólicas nos pacientes com pancreatite aguda é 150-175 g por dia.[12][26] Não existe um limiar para o desenvolvimento da pancreatite aguda. Indivíduos sem história pregressa longa de ingestão excessiva de bebidas alcoólicas têm pouca probabilidade de apresentar pancreatite aguda induzida por bebidas alcoólicas.

hipertrigliceridemia

O mecanismo da hipertrigliceridemia causadora de pancreatite aguda não foi esclarecido. Foi sugerido que a lipase pancreática pode produzir ácidos graxos tóxicos que são secretados na microcirculação pancreática, causando lesão endotelial e lesão isquêmica da célula acinar.[19] Muitos pacientes com pancreatite aguda demonstram um aumento agudo nos níveis de triglicerídeos circulantes na faixa de 5 ou 6 mmol/L (algumas centenas de mg/dL). No entanto, pacientes com pancreatite aguda induzida por hipertrigliceridemia genuína apresentam um aumento substancial nos triglicerídeos circulantes, comumente acima de 11.3 mmol/L (1000 mg/dL), podendo chegar a 101.7 mmol/L (9000 mg/dL).[27][28] A pancreatite aguda causada por hipertrigliceridemia pode ser mais grave que a doença por outras causas.[29]

uso de medicamentos causadores

Há evidências de boa qualidade de ensaios clínicos randomizados no sentido de que a 6-mercaptopurina e a azatioprina podem causar pancreatite aguda.[24]​ No entanto, é improvável que a maioria dos demais medicamentos implicados na pancreatite aguda tenham uma função causadora; grande parte das evidências se baseia apenas em relatos de casos especulativos (por exemplo, furosemida, estrogênios, diuréticos tiazídicos, sulfonamidas, tetraciclinas, sulindaco, mercaptopurina, valproato e asparaginase). Antes de considerar um medicamento como a causa, os médicos devem descartar as outras causas comuns ou pensar na possibilidade de pancreatite idiopática.[23]

colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE)

Os pacientes submetidos a CPRE apresentam risco de pancreatite aguda de até aproximadamente 15%, dependendo do perfil subjacente do paciente e do uso prévio de profilaxia.[33] O risco pode ser reduzido pelo uso de supositórios retais peri-CPRE, hidratação intravenosa peri-CPRE com Ringer lactato (solução de Hartmann) e com o uso de endoprótese no ducto pancreático para pacientes de alto risco selecionados.[33][34][35]

trauma

A pancreatite traumática pode ser causada por procedimentos terapêuticos ou diagnósticos ou durante um trauma externo. O traumatismo contuso é a causa mais comum de lesão pancreática e pode ser associado com inflamação do parênquima e hiperamilasemia. Dado que o pâncreas é um órgão retroperitoneal, o trauma não é um fator etiológico comum, mas sua incidência pode ser sub-relatada, porque os pacientes podem não apresentar uma clara manifestação clínica.[19]

Fracos

hipercalcemia

Os mecanismos causais ainda não estão completamente compreendidos. Estudos em animais mostraram que o cálcio possui um efeito tóxico direto sobre a célula acinar pancreática. Os outros mecanismos fisiopatológicos propostos incluem o acúmulo de grânulos zimogênicos no citoplasma, vacuolização citoplasmática, despolarização acinar focal, necrose acinar, aumento da secreção de amilase​ e formação de cálculos calcificados dentro do ducto.[19][30][31]

parotidite

Acredita-se que causa pancreatite pela infecção das células acinares.[20][32]

vírus Coxsackie

Acredita-se que causa pancreatite pela infecção das células acinares.[20][32]

Pneumonia por micoplasma

Acredita-se que causa pancreatite pela infecção das células acinares.[20][32]

pancreas divisum

O pancreas divisum é a anomalia anatômica mais comum do trato gastrointestinal. Durante a organogênese, o pâncreas deriva do intestino anterior após a fusão do botão dorsal maior e do botão ventral menor. O acessório menor, ducto de Santorini, drena as estruturas pancreáticas que derivam do botão dorsal (metade superior da cabeça, pescoço, corpo e cauda), ao passo que o ducto maior de Wirsung drena o botão ventral (parte inferior da cabeça e processo uncinado). Foi proposto que a insuficiência na rotação do botão ventral previne a fusão de ambos os ductos, causando a drenagem insuficiente do derivado do botão dorsal, o que pode levar à pancreatite aguda.[26] A esfincterotomia endoscópica da papila menor e a colocação de endoprótese no ducto dorsal podem reduzir a recorrência da pancreatite, mas seu papel no controle da dor não foi demonstrado.[36][37]

Embora não pareça haver aumento do risco de pancreatite aguda em grandes estudos observacionais realizados com pacientes com pancreas divisum, outros fatores podem explicar por que alguns pacientes com pancreas divisum são suscetíveis. Anomalias genéticas no gene CFTR nesses pacientes podem causar a sedimentação das secreções pancreáticas, similar ao que ocorre em pacientes com fibrose cística, o que contribui para o aumento do risco de pancreatite aguda em alguns indivíduos.[21]

câncer de pâncreas

A malignidade primária mais comum do pâncreas é o adenocarcinoma. O câncer foi implicado como fator de risco potencial para o desenvolvimento da pancreatite se causar a obstrução ductal. Foi relatado que 1% a 2% da pancreatite aguda pode ser atribuída aos tumores periampulares.[19]

disfunção no esfíncter de Oddi

Há diferentes tipos de disfunção do esfíncter de Oddi (DEO) A disfunção do esfíncter de Oddi (DEO) pode ser primária (idiopática) ou secundária (trauma durante a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica [CPRE]) e pode levar à obstrução da bile e fluxo retrógrado no parênquima pancreático, causando inflamação.[38] A disfunção do esfíncter de Oddi (DEO) pode causar dor recorrente, pancreatite, árvore biliopancreática anormal no exame de imagem e/ou teste da função hepática anormal (aspartato aminotransferase, alanina aminotransferase, fosfatase alcalina e bilirrubina). Embora a CPRE com esfincterotomia possam aliviar a obstrução mecânica responsável pela dor e pela pancreatite, também pode desencadear a pancreatite aguda, e seu uso em indivíduos com pancreatite idiopática (e/ou dor crônica) deve ser limitado àqueles com maior probabilidade de disfunção do esfíncter de Oddi (DEO) (por exemplo, exame de imagem anormal e teste da função hepática anormal).[39]

história familiar de pancreatite

Pacientes com a forma familiar de pancreatite apresentam uma variedade de doenças do pâncreas, inclusive pancreatite crônica e aguda e câncer de pâncreas. Alguns pacientes apresentam dor abdominal crônica na infância. Os defeitos genéticos variam. O mais comum parece ser transmitido como um dominante não ligado ao cromossomo X com penetrância variável e progresso para pancreatite crônica. Outras condições podem estar associadas, como o diabetes mellitus ou aminoacidúria.[5] A pancreatite hereditária responde por 1% de todos os casos, e diversas mutações foram descritas como possíveis indutores da doença. As correlações mais fortes são com o gene do tripsinogênio catiônico (PRSS1) no cromossomo 7q35 e mutações nos genes SPINK1 e CRTF.[40][41][42] As mutações na PRSS1 e na CTRC (quimotripsina C) estão fortemente associadas a pancreatite de início precoce.[43] Em geral, a avaliação genética de pacientes com pancreatite aguda é inadequada e oferece pouco benefício clínico aos médicos que tratam a doença. Todos os pacientes com história familiar forte de doença do pâncreas devem ser avaliados em um centro de excelência em relação a potenciais traços genéticos.

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