Abordagem
O diagnóstico de pancreatite aguda é feito em pacientes que apresentam dor epigástrica aguda. Na maioria dos pacientes, o diagnóstico pode ser confirmado pela presença de pelo menos dois dos três critérios a seguir:[8][47]
Dor consistente com a doença (por exemplo, dor epigástrica de início agudo)
Amilase ou lipase sérica elevada (>3 vezes o limite superior do normal)
Exame de imagem (tomografia computadorizada [TC] ou ressonância nuclear magnética/colangiopancreatografia por ressonância magnética [RNM/CPRM]) consistente com pancreatite aguda
Os achados físicos variam de acordo com a gravidade da pancreatite aguda e vão desde um paciente que se sente bem de maneira geral até um paciente gravemente doente, com sinais vitais anormais, como taquicardia e febre.[48]
Deve-se realizar uma avaliação urgente do estado hemodinâmico (em busca de sinais precoces de perda de fluido) e de sinais de disfunção orgânica (em busca da síndrome da resposta inflamatória sistêmica [SRIS] e/ou insuficiência de múltiplos órgãos) para identificar os pacientes que precisam de ressuscitação imediata.[8][47]
Os sinais de hipovolemia incluem hipotensão, oligúria, membranas mucosas secas e turgor cutâneo diminuído. O paciente pode parecer taquicárdico, taquipneico e com sudorese, principalmente em casos mais graves.
A definição de SRIS é atendida pela presença de pelo menos dois dos seguintes critérios:[49]
Frequência de pulso >90 batimentos por minuto
Frequência respiratória >20 por minuto ou pressão parcial de dióxido de carbono (PaCO₂) <32 mmHg
Temperatura >38 ºC ou <36 ºC
Contagem leucocitária >12,000 ou <4000 células/mm³, ou >10% de neutrófilos imaturos (bastonetes)
História
A maioria dos pacientes com pancreatite aguda apresenta dor epigástrica intensa. Geralmente, a dor tem início súbito e evolui ao longo de um período curto (por exemplo, horas).
Em pacientes que fazem uso indevido de bebidas alcoólicas, pode ser relatada uma evolução mais gradual, caso o consumo de bebidas alcoólicas tenha sido usado para aliviar a dor.[1][5][19] Esses pacientes podem apresentar doença em estágio mais avançado (por exemplo, com insuficiência renal e/ou necrose pancreática) vários dias após o início dos sintomas.
Normalmente, a dor abdominal está localizada na região epigástrica ou no quadrante superior esquerdo e irradia para as costas (às vezes, distribuição em faixa, geralmente direto no meio das costas; muitos pacientes descrevem a sensação de estarem sendo esfaqueados). A dor geralmente se agrava com o movimento e é aliviada ao assumir a posição fetal (inclinada, com coluna, quadris e joelhos flexionados).[5][19]
A idade e o sexo são variáveis demográficas importantes, pois as duas causas mais comuns da pancreatite aguda diferem. A pancreatite biliar é mais comumente observada em pacientes com doença calculosa da vesícula biliar - normalmente mulheres acima de 40 anos de idade, com obesidade e história familiar positiva.[50][51] A pancreatite alcoólica é observada com mais frequência em homens, geralmente mais jovens que aqueles com pancreatite biliar. Geralmente, a doença se manifesta após, em média, 4-8 anos de consumo de bebidas alcoólicas. Os pacientes podem se apresentar com agitação e confusão, e em sofrimento intenso. Os indivíduos que fazem uso indevido de bebidas alcoólicas, ou aqueles que têm tumores, podem apresentar uma história de anorexia, náuseas e vômitos, com ingestão oral insuficiente.[52]
Exame físico
O exame abdominal normalmente revela sensibilidade acentuada na região epigástrica e abdome distendido, com redução do ruído hidroaéreo (caso tenha desenvolvido um íleo paralítico), e defesa voluntária à palpação do abdome superior. Geralmente são encontrados sinais de hipovolemia (redução do turgor da pele, membranas mucosas secas, hipotensão e sudorese). Nos casos mais graves, os pacientes podem estar taquicárdicos e taquipneicos. O pulso é agudamente fraco e filiforme, consistente com depleção de volume intravascular. A febre pode indicar uma pancreatite complicada ou pode simplesmente representar a liberação de citocinas como parte do processo inflamatório. A redução dos murmúrios vesiculares pode ser detectada se houver derrame pleural (mais comum no lado esquerdo); isto é observado em até 50% dos pacientes com pancreatite aguda.[6]
Os sinais de pancreatite hemorrágica complicada são muito raros: incluem descoloração equimótica da pele periumbilical (sinal de Cullen), de ambos os flancos (sinal de Grey-Turner) ou da pele ao longo do ligamento inguinal (sinal de Fox).[9][12]
Investigações laboratoriais
A maioria dos pacientes com pancreatite aguda apresentará amilase sérica e/ou lipase acima de 3 vezes o limite superior do normal, normalmente mais de 1000 unidades/L. Os níveis dessas duas enzimas aumentam logo após o início dos sintomas. Os níveis séricos de amilase geralmente atingem o pico em torno de 48 horas, e diminuem para o normal ou próximo do normal nos 3-7 dias seguintes. A lipase sérica pode permanecer elevada por até 14 dias.[28] Embora a lipase sérica pareça ser mais específica que a amilase e permaneça elevada por mais tempo, o valor preditivo de ambos os testes pode ser reduzido em determinadas populações de pacientes (por exemplo, indivíduos com macroamilasemia ou macrolipasemia); portanto, é importante haver um limiar baixo para admissão e avaliação adicional de pacientes cujos sintomas são sugestivos de pancreatite aguda, mesmo que esses testes sejam normais.[8][53]
A lipase sérica (se estiver disponível) deve ser usada preferencialmente em vez da amilase sérica.[8] A amilase pode estar normal em pacientes com pancreatite aguda causada por abuso de álcool em longo prazo; nesses pacientes, a lipase sérica é mais sensível. A lipase sérica também é mais sensível que a amilase em pacientes com soro lipêmico, como aqueles com pancreatite aguda induzida por hipertrigliceridemia. O soro lipêmico pode afetar o ensaio de amilase, causando um resultado falso de amilase normal. Em geral, a lipase e/ou amilase séricas podem ser usadas para estabelecer o diagnóstico de pancreatite aguda quando maior que 3 vezes o normal em um paciente com dor epigástrica aguda grave.[8][54]
Em pacientes com lipase ligeiramente elevada, o diagnóstico de pancreatite aguda deve ser questionado. É possível ter níveis levemente elevados de lipase e amilase séricas com pouca significância clínica, e indivíduos com diabetes podem apresentar níveis de lipase consideravelmente elevados sem pancreatite aguda.[55] Se a dor epigástrica não for característica e a amilase e/ou lipase não estiver acima de 3 vezes o normal, os médicos também devem consultar os resultados dos exames de imagem para ajudar a estabelecer o diagnóstico de pancreatite aguda.
Leucocitose com desvio à esquerda é comum em pacientes com pancreatite aguda. Às vezes, isso decorre de infecções não relacionadas, como infecção do trato urinário. Os pacientes devem ser avaliados para causas alternativas de leucocitose e tratados de maneira adequada. Quando há suspeita de infecção, antibióticos devem ser administrados enquanto a fonte da infecção está sendo investigada. No entanto, uma vez que a cultura de sangue e outras culturas são negativas e nenhuma fonte de infecção é identificada, os antibióticos devem ser descontinuados.[8]
A pancreatite aguda pode estar associada com a hemoconcentração (hematócritos elevados) devido à redução do volume intravascular, conforme o fluido se move para o peritônio. O desenvolvimento da hemoconcentração está associado com aumento do risco de se desenvolver pancreatite necrosante e falência de órgãos.[56] Como resultado do volume intravascular reduzido, há uma diminuição da perfusão renal e, assim, da azotemia pré-renal, manifestada pela elevação da ureia. Esses pacientes precisam de reidratação precoce com monitoramento rigoroso. A elevação da creatinina é um sinal de alerta de que o paciente pode desenvolver doença grave com insuficiência renal, enquanto a ureia >7.1 mmol/L (>20 mg/dL) é um preditor independente de mortalidade.[8][28]
O teste da função hepática é importante na avaliação inicial da pancreatite aguda. A elevação da aspartato aminotransferase/alanina aminotransferase (AST/ALT) é específica para pancreatite biliar.[57] No entanto, a maioria dos pacientes com pancreatite biliar apresentará AST e/ou ALT normais. Em pacientes que apresentam elevação na fosfatase alcalina e na bilirrubina, a possibilidade de um cálculo retido no ducto colédoco deve ser considerada (coledocolitíase). Embora a maioria dos cálculos biliares que causam a pancreatite aguda passem do ducto colédoco para o duodeno, a possibilidade de um cálculo retido existe na minoria dos pacientes.[8] Caso um paciente com bilirrubina elevada desenvolva sinais de sepse, deve-se realizar uma colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) precoce (em até 24 horas).
Geralmente a gravidade da pancreatite aguda não é estabelecida nas primeiras 24-48 horas, e exames laboratoriais em série, em intervalos de 6 a 12 horas, são necessários por 48 horas após a internação antes de se descartar doença grave. Todos os pacientes com evidências de obstrução biliar ou insuficiência de órgãos requerem monitoramento rigoroso. Um exame inicial e seriado da proteína C-reativa tem sido usado na pancreatite aguda como indicador da gravidade e evolução da inflamação para necrose.[58] O nível de proteína C-reativa ≥150 mg/L (≥15 mg/dL) no terceiro dia foi proposto como fator prognóstico para pancreatite aguda grave.[28] No entanto, a maioria dos pacientes com pancreatite aguda não desenvolve necrose pancreática, e a necessidade de exames de proteína C-reativa em série para o diagnóstico de necrose pancreática em indivíduos com pancreatite aguda não foi estabelecida.[59]
Outros resultados laboratoriais anormais podem estar presentes em um momento posterior do ciclo clínico (por exemplo, hipocalcemia como marcador de pancreatite grave).[60] Os triglicerídeos devem ser verificados como parte da investigação dos fatores causadores. Um aumento agudo nos níveis de triglicerídeos circulantes na faixa de algumas centenas de mg/dL costuma ser observado nos pacientes com pancreatite aguda; no entanto, a pancreatite aguda induzida por uma hipertrigliceridemia genuína apresenta um aumento substancial nos triglicerídeos circulantes, comumente acima de 11.3 mmol/L (1000 mg/dL), podendo chegar a 101.7 mmol/L (9000 mg/dL).[27][28]
A pancreatite aguda grave está associada com SRIS e com disfunções orgânicas persistentes, o que requer monitoramento adicional, incluindo avaliações regulares da saturação de oxigênio e da gasometria arterial (incluindo o pH e o deficit de bases). A medição da gasometria arterial deve ser considerada se o paciente apresentar sinais de deterioração para avaliar a oxigenação e o status ácido-básico; uma PaO₂ <60 mmHg é um sinal de disfunção orgânica.[5][8][28]
Exames por imagem
Na maioria dos pacientes, o diagnóstico baseia-se nos sintomas clínicos e nos exames laboratoriais. O exame de imagem abdominal não é necessário para confirmar o diagnóstico, mas quando o diagnóstico de pancreatite aguda é estabelecido, a ultrassonografia transabdominal é necessária para descartar cálculos biliares como etiologia.[8] Encontrar cálculos biliares em um paciente com pancreatite aguda é importante, porque uma colecistectomia prevenirá ataques recorrentes. Caso o exame inicial seja inconclusivo, recomenta-se repetir a ultrassonografia para melhorar a acurácia.[8] O achado de uma árvore biliar dilatada na ultrassonografia transabdominal é um sinal de possível presença de cálculo retido no ducto colédoco. Esses pacientes devem ser monitorados rigorosamente e, se houver desenvolvimento de sepse biliar, recomenda-se realizar uma CPRE precoce.[8]
A TC ou RNM (colangiopancreatografia por ressonância magnética [CPRM]) precoce deve ser reservada para pacientes sem diagnóstico estabelecido de pancreatite aguda.[8] A TC precoce não identificará a maioria das complicações anatômicas da pancreatite aguda, como pseudocistos e necrose. As diretrizes do American College of Gastroenterology recomendam TC ou RNM/CPRM após 48 horas em pacientes que não melhoram ou cujos sintomas se agravam.[8] Outras diretrizes recomendam uma espera de 72-96 horas após o início dos sintomas antes de se realizar uma TC com contraste ou RNM para avaliar a presença de necrose.[28][47]
Em pacientes que precisam de TC ou RNM/CPRM para confirmar um diagnóstico de pancreatite aguda (por exemplo, aqueles com dor atípica ou nível de lipase/amilase levemente elevado), os resultados de imagem exigem interpretação qualificada. Os achados característicos da pancreatite aguda são: acúmulo inflamatório da gordura peripancreática; fluido peripancreático; e/ou perda da borda pancreática. No entanto, um pâncreas edemaciado é um achado inespecífico que não confirma o diagnóstico. A RNM/CPRM tem a vantagem de não necessitar de contraste intravenoso nem radiação, embora o gadolínio intravenoso aprimore as imagens em comparação à RNM sem contraste. Além disso, a CPRM permite melhor visualização dos cálculos no ducto colédoco e no ducto pancreático. Ela pode distinguir mais prontamente sólido de cístico no tratamento de coleções peripancreáticas.[61]
Radiografias simples não são necessárias para o diagnóstico de pancreatite aguda. Uma radiografia torácica pode mostrar derrame pleural e atelectasia basal.[62]
Em pacientes com pancreatite aguda e evidência de obstrução biliar sem sinais de sepse, a CPRM pode ser útil para descartar cálculos obstrutivos do ducto colédoco.[61][63] A ultrassonografia endoscópica (USE) pode ser usada como uma alternativa à CPRM para identificar coledocolitíase se houver grande suspeita na ausência de colangite e/ou icterícia.[8][37] TC, RNM/CPRM ou USE podem ser consideradas em um estágio posterior para pacientes com sintomas persistentes ou doença idiopática para avaliar possíveis tumores, coleções de fluido pancreático, neoplasia cística ou pseudoaneurisma.[64]
Novos exames
A procalcitonina parece ser sensível para detecção de infecção pancreática, com baixos níveis séricos sendo um forte preditor negativo de necrose infectada.[65] Seu uso é respaldado por algumas diretrizes internacionais.[28]
Como colher uma amostra de sangue venoso da fossa antecubital usando uma agulha a vácuo.
Como obter uma amostra de sangue arterial da artéria radial.
Como realizar uma punção da artéria femoral para coletar uma amostra de sangue arterial.
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