Abordagem

A HCL abrange uma grande variedade de quadros clínicos e pode afetar qualquer órgão ou sistema do corpo.[2] O objetivo da avaliação inicial é definir a extensão da doença: ou seja, determinar se a doença é de sistema único ou multissistêmica e identificar quais os órgãos que estão comprometidos.

Manifestações clínicas: considerações gerais

Uma história deve ser colhida cuidadosamente levando em conta que algumas manifestações (por exemplo, erupção cutânea, poliúria, polidipsia) podem ter começado meses ou mesmo anos antes do quadro inicial.[4]

O médico deve perguntar sobre os sintomas de:[2]

  • Dor

  • Edema

  • Erupção cutânea

  • Febre

  • Perda de apetite

  • Deficit no crescimento

  • Baixo ganho de peso

  • Diarreia

  • Otorreia

  • Polidipsia

  • Poliúria

  • Sintomas respiratórios

  • Irritabilidade

  • Alterações neurológicas

  • Alterações comportamentais.

Deve-se investigar se há história de tabagismo, pois ele aumenta o risco de comprometimento pulmonar em adolescentes e adultos.[23] Uma história de trauma da pele ou do osso deve ser observada para ajudar a descartar outras causas dos sintomas manifestos.

A doença de sistema único envolve apenas um sistema de órgãos. Cerca de 70% dos pacientes com <15 anos de idade têm doença de sistema único, mais comumente com comprometimento ósseo.[10]

A doença multissistêmica ocorre em dois ou mais órgãos.[2] A maioria dos adultos tem doença multissistêmica, comumente com envolvimento da pele e dos pulmões.[12] A doença multissistêmica com comprometimento da medula óssea é também muito comum em crianças com <2 anos de idade.[25]

Determinados órgãos são considerados de alto risco em crianças em decorrência das elevadas taxas de mortalidade associadas nos pacientes que não respondem ao tratamento. Os órgãos de alto risco incluem fígado, baço e medula óssea.[2]

No exame físico, os percentis de altura e peso devem ser medidos e registrados. Uma completa avaliação otorrinolaringológica e dentária/bucal deve ser realizada, assim como um exame físico de outras junções mucocutâneas, incluindo as regiões anal e vaginal. Todo o corpo deve ser examinado quanto à presença de erupções cutâneas, lesões ósseas e massas de tecido mole. Um exame neurológico completo também deve ser realizado.

Manifestações clínicas: comprometimento ósseo

O tipo mais comum de doença de sistema único em crianças, mas pode também estar presente na doença multissistêmica. As lesões ósseas estão presentes em 80% dos pacientes, mais comumente no couro cabeludo.[10] Lesões ósseas líticas são observadas em 30% a 50% dos adultos e podem ocorrer como doença de sistema único ou multissistêmica.[12] Dor e/ou inchaço nas áreas afetadas são comuns. O local mais comum de inchaço é sobre os ossos do crânio e, geralmente, é indolor. As lesões podem ser unifocais (em um único osso) ou multifocais (>1 osso). Além disso, cerca de 50% das lesões ósseas são assintomáticas e reveladas somente em uma radiografia.[10][26]

A HCL é a causa mais comum de vértebra plana (ou seja, espondilite com redução do corpo vertebral para um disco fino) em crianças. Isso causa compressão e colapso do corpo vertebral. Complicações neurológicas podem surgir a partir da extensão das células de Langerhans para o espaço extradural. Fraturas patológicas são raras.

Ossos de risco do sistema nervoso central (SNC) são aqueles nos quais, se houver lesões, os pacientes terão um risco 3 vezes maior de evoluir para uma doença do SNC em crianças (a manifestação mais comum é o diabetes insípido). Estes são os ossos faciais ou da fossa craniana anterior/média (ou seja, ossos temporais, esfenoidais, etmoidais, zigomáticos e orbitais).[27]

Manifestações clínicas: comprometimento da pele

Um tipo comum de doença de sistema único em crianças, mas pode também estar presente na doença multissistêmica, especialmente em neonatos.[28] A pele é o segundo órgão mais comumente comprometido no grupo pediátrico, e as lesões cutâneas estão presentes em até 50% dos pacientes, geralmente no couro cabeludo.[29]

A lesão mais comum nos primeiros meses de vida é uma erupção cutânea papuloescamosa que afeta o couro cabeludo, as dobras cutâneas e a linha média do tronco. Isso é facilmente confundido com dermatite seborreica (ou crosta láctea em crianças) ou, possivelmente, com uma infecção por Candida.[30][31] Também pode ocorrer uma erupção cutânea papulonodular violácea única ou múltipla e, às vezes, vesicular, mas ela é rara e pode desaparecer espontaneamente. É conhecida como doença de Hashimoto-Pritzker.[32][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Erupção cutânea de histiocitose das células de Langerhans no abdome de uma criançaReproduzido com permissão da Science Photo Library [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@c3dc6c0

Entre os adultos, o envolvimento cutâneo isolado é menos comum e observado principalmente como parte de uma doença multissistêmica (30% a 50%).[12] O comprometimento perianal ou genital é mais comum em adultos, e pode ser muito incapacitante e resistente ao tratamento.[33]

Manifestações clínicas: comprometimento do pulmão

Um tipo incomum de doença de sistema único em crianças, mas frequentemente presente na doença multissistêmica, especialmente em lactentes. Ocorre em 15% das crianças; no entanto, é mais comum em adultos (40% a 50%), principalmente em fumantes compulsivos.[34]

Os pacientes comumente se apresentam com tosse ou dispneia.[35] Uma minoria dos pacientes relata mal-estar, fadiga, febre ou perda de peso. A dor torácica pode indicar um pneumotórax espontâneo.[35]

Manifestações clínicas: comprometimento do sistema nervoso central (SNC)

Um tipo comum de doença de sistema único, mas o comprometimento do SNC pode também estar presente na doença multissistêmica.

O diabetes insípido é a manifestação mais comum decorrente do comprometimento da hipófise posterior. É mais comum em pacientes com doença multissistêmica e naqueles com lesões ósseas craniofaciais, especialmente da órbita e da base do crânio.[27] O risco é elevado em pacientes em que a doença esteja ativa por um longo período ou quando a doença é reativada. Esses pacientes geralmente apresentam poliúria e polidipsia. Os pacientes também podem apresentar cefaleia, deficit no crescimento ou puberdade tardia.[2]

Entre crianças, os pacientes com lesões no processo mastoide, osso temporal e ossos da órbita e diabetes insípido apresenta aumento do risco de evoluir para uma síndrome neurodegenerativa do SNC. Isso ocorre em até 4% dos pacientes e se manifesta como ataxia, dismetria e disartria.[3][36] O paciente também pode se apresentar com convulsões, deficits neurológicos focais, comprometimento cognitivo, alterações de comportamento ou sintomas cerebelares progressivos, como nistagmo, disartria e hipotonia.[3][37]

Manifestações clínicas: comprometimento dos linfonodos

É geralmente parte da doença multissistêmica, mas também pode ocorrer isoladamente ou por vezes associada a uma lesão óssea única.[38][39] Pode afetar um ou vários linfonodos. A linfadenopatia é observada no exame físico. A síndrome da veia cava superior pode resultar do alargamento do timo ou de linfonodos mediastinais.[40] Recomenda-se uma análise cuidadosa do fenótipo e da histopatologia para diferenciar entre as células reativas de Langerhans na HCL e a histiocitose maligna primária do linfonodo.

Manifestações clínicas: comprometimento do fígado/baço

É mais comum na doença multissistêmica. Ela afeta de 10% a 20% dos pacientes com HCL.[41] A doença hepática crônica nesses pacientes é normalmente uma colangite esclerosante, que pode evoluir para colangite biliar e, por vezes, para insuficiência hepática fulminante.[41] A hepatoesplenomegalia é observada no exame físico, e os pacientes podem ter icterícia ou ascite.[42]

O fígado e o baço são considerados órgãos de alto risco.[2]

Manifestações clínicas: comprometimento da medula óssea

É mais comum na doença multissistêmica. A maioria dos pacientes são crianças jovens que apresentam citopenias (ou seja, neutropenia, anemia ou trombocitopenia) e doença difusa na pele, no fígado, no baço e nos linfonodos.[43]

A medula óssea é considerada um órgão de alto risco.[2] O comprometimento é um componente importante das formas mais graves da doença e está presente em 70% dos pacientes pediátricos que morrem de HCL.[44] Em adultos, a presença de anormalidades no hemograma do sangue periférico pode sugerir infiltração da medula óssea por HCL ou outra neoplasia mieloide.

Manifestações clínicas: outros sistemas de órgãos

Comprometimento ocular

  • Mais comum na doença multissistêmica.

  • Observado em 14% das crianças e, geralmente, se apresenta com distúrbios visuais, como diplopia.[45] O comprometimento ocular intrínseco é excepcional.

  • Os pacientes também podem se apresentar com proptose, edema periorbital e eritema, diplopia ou oftalmoplegia.[46]

  • A doença orbital deve ser diferenciada da infecção aguda, pseudotumor inflamatório, rabdomiossarcoma e neuroblastoma metastático.

Comprometimento da orelha

  • Mais comum na doença multissistêmica.

  • A presença de otite externa pode ser decorrente da extensão da erupção cutânea para o meato acústico externo e da infecção secundária por Pseudomonas aeruginosa.[47] Dor de orelha é um sintoma típico.

  • O comprometimento da orelha média pode ser secundário a lesões nos ossos petroso temporal ou mastoide, causando otorreia intermitente.[48] Também pode ocorrer uma perfuração da membrana timpânica.

  • O comprometimento da orelha interna pode se apresentar com surdez ou com distúrbios comportamentais em crianças mais novas.[49]

Comprometimento oral

  • Mais comum na doença multissistêmica.

  • As lesões orais são incomuns, mas podem preceder o aparecimento da doença em outras partes do corpo. Podem ser observadas hipertrofia gengival e úlceras no palato, na língua ou nos lábios.[50]

Outra

  • O comprometimento gastrointestinal é mais comum na doença multissistêmica, e a diarreia hemorrágica é o sintoma manifesto mais comum.[51]

  • Os pacientes podem se apresentar com aumento maciço da tireoide; no entanto, isso é raro.[52]

Investigações

Investigações iniciais: crianças

  • Um hemograma completo deve ser solicitado a fim de verificar a presença de citopenias, o que pode indicar o comprometimento da medula óssea.[2]

  • Testes de função hepática (TFHs), albumina sérica, creatinina sérica, ureia, eletrólitos, velocidade de hemossedimentação e estudos de coagulação devem ser solicitados em todos os pacientes para rastrear o envolvimento de órgãos, avaliar o grau de inflamação sistêmica e estabelecer medidas basais.[2]

Investigações subsequentes: crianças

  • A gravidade específica da urina matinal e a osmolalidade (após jejum noturno), eletrólitos sanguíneos e teste de privação de água são indicados em crianças se houver história de polidipsia ou poliúria, para detectar diabetes insípido central.[2] Testes adicionais da função hipofisária (por exemplo, hormônio folículo-estimulante [FSH], hormônio luteinizante [LH], testosterona ou estradiol, adrenocorticotrofina e cortisol matinal, hormônio estimulante da tireoide [TSH] e tiroxina livre, prolactina e fator de crescimento semelhante à insulina-1) podem ser indicados se houver suspeita de outra anormalidade endócrina.[2]

  • Os testes de função pulmonar devem ser realizados em pacientes com envolvimento pulmonar. A lavagem broncoalveolar e a biópsia pulmonar são reservadas para casos em que o diagnóstico é incerto.[2] Uma ecocardiografia é indicada em pacientes com HCL pulmonar para descartar hipertensão pulmonar.

  • A audiometria é indicada em pacientes com suspeita de comprometimento da orelha.

  • Exames de imagem e/ou uma biópsia do fígado podem ser indicados se os TFHs forem anormais (transaminases ou bilirrubina >5 vezes o limite superior do normal); consulte um hepatologista para obter orientação.[2]

  • Uma endoscopia e/ou uma biópsia gastrointestinal podem ser consideradas para crianças com diarreia crônica inexplicável, evidências de má absorção ou deficit no crescimento.[2]

  • A avaliação neuropsicométrica é indicada para crianças com anormalidades neurológicas.[2]

Investigações iniciais: adultos

  • Hemogramas completos com diferencial devem ser solicitados inicialmente em todos os pacientes para verificar a presença de citopenias, o que pode indicar envolvimento da medula óssea com HCL ou neoplasia mieloide concomitante.[53]

  • Testes da função hepática, creatinina sérica, ureia, eletrólitos, cálcio e marcadores inflamatórios devem ser solicitados em todos os pacientes para rastrear o envolvimento de órgãos e estabelecer medidas basais.[53][54]

  • A análise da mutação BRAF V600E deve ser realizada na biópsia tecidual, quando disponível. Para casos negativos para proteína quinase ativada por mitógenos/quinase regulada por sinal extracelular (MAPK-ERK), estudos de sequenciamento de nova geração para mutações da via MAPK-ERK devem ser conduzidos em amostras de biópsia tecidual.[4][53]

  • Avaliações endócrinas são recomendadas em todos os pacientes adultos com HCL recém-diagnosticada para detectar o envolvimento hipofisário, especialmente na presença de poliúria e polidipsia. Estes incluem: urina matinal e osmolalidade sérica para detectar diabetes insípido; FSH e LH; testosterona ou estradiol; adrenocorticotrofina e cortisol matinal; TSH e tiroxina livre; prolactina; e fator de crescimento semelhante à insulina-1.[53]

Exames por imagem

Exames de imagem iniciais: crianças

  • O exame radiográfico esquelético é recomendado para detectar lesões ósseas.[2] A aparência clássica na radiografia é uma lesão lítica em relevo, mais comumente no crânio, com margens bem delimitadas e pouca ou nenhuma reação periosteal.[55] Comumente, há uma massa associada que pode se estender intracranialmente e causar compressão do cérebro. Por outro lado, as lesões que envolvem a órbita, o mastoide ou outras áreas da base do crânio são muitas vezes extensivas e irregulares, com um componente de tecido mole que deve ser diferenciado de um tumor maligno.[55] As lesões nos ossos longos podem se apresentar com características agressivas e bordas mal definidas, com ou sem uma grande massa de tecido mole, que também deve ser diferenciada de malignidade.[55][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Radiografia do crânio mostrando lesão óssea lítica na área parietal posterior direita do crânioDo acervo pessoal de Oussama Abla, MD [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@70a7e0d0

  • Uma radiografia torácica deve ser realizada para detectar envolvimento pulmonar.[2] Na radiografia torácica, cistos podem ser visíveis dentro dos infiltrados, que são predominantes nos campos pulmonares médio e superior e preservam os ângulos costofrênicos.[56] O pneumotórax, ou uma lesão lítica em uma costela, também podem ser visíveis.

  • A ultrassonografia abdominal deve ser realizada para avaliar o tamanho e a estrutura do fígado e do baço e avaliar os linfonodos intra-abdominais.[2]

Exames de imagem subsequentes: crianças

  • Uma tomografia computadorizada (TC) de alta resolução dos pulmões é indicada para pacientes com sintomas pulmonares ou com radiografia torácica anormal. Em crianças com HCL multissistêmica conhecida, a TC de baixa dose é suficiente para avaliar o envolvimento pulmonar e minimizar a exposição à radiação.[2]

  • Uma ressonância nuclear magnética (RNM) do crânio deve ser solicitada para crianças com suspeita de lesões ósseas craniofaciais (inclusive mandíbula e maxilar). A ressonância magnética pode caracterizar as lesões ósseas e detectar o envolvimento do cérebro e da hipófise.[57] A RNM da cabeça também deve ser realizada para pacientes com anormalidades visuais, neurológicas ou endócrinas suspeitas.[2]

  • A TC de um osso craniofacial afetado e da base do crânio deverá ser realizada se a RNM não estiver disponível.[2] A TC é útil para delinear lesões incertas na radiografia do crânio, particularmente se houver suspeita de envolvimento orbital, auricular ou do processo mastoide. As imagens de contraste demarcarão o envolvimento dos tecidos moles e a reação periosteal.

  • A RNM da coluna vertebral deve ser realizada em todos os pacientes pediátricos com suspeita de lesões vertebrais para excluir compressão da medula espinhal e detectar quaisquer massas de tecido mole.[2]

Exames de imagem iniciais: adultos

  • A tomografia por emissão de pósitrons com fluordesoxiglucose (FDG-PET) de corpo inteiro (vértice aos dedos dos pés) é recomendada para estadiar a doença e determinar um local de biópsia adequado. A captação da FDG-PET aumenta nas regiões afetadas pela HCL.[53]

  • A RNM da cabeça com contraste de gadolínio é realizada para detectar o envolvimento do SNC entre pacientes com sintomas neurológicos ou sintomas sugestivos de disfunção hipofisária.[53]

  • A TC de alta resolução do tórax é indicada para suspeita de HCL pulmonar.[53]

Exames de imagem subsequentes: adultos

  • Exames de imagem específicos de determinados órgãos (TC ou RNM) podem ser necessários em associação com o exame de imagem FDG-PET para avaliar melhor as mudanças estruturais associadas à doença.[53][58]

Biópsia tecidual

Um diagnóstico definitivo é feito pela biópsia tecidual de uma lesão óssea lítica, uma lesão cutânea ou de linfonodos. As células lesionais devem demonstrar positividade para CD1a e CD207 (langerina) usando técnicas imuno-histoquímicas.[1]

O tecido lesional deve ser testado para a mutação BRAF V600E por imuno-histoquímica ou ensaios moleculares. Os resultados imuno-histoquímicos negativos ou suspeitos devem ser confirmados por meio de ensaios moleculares. O sequenciamento de nova geração para mutações da via MAPK-ERK deve ser conduzido em pacientes em que se espera iniciar a terapia sistêmica.[53] Nos casos em que a amostra de tecido é inadequada, a análise do sangue periférico por sequenciamento de próxima geração de DNA livre de células é uma alternativa razoável.

Pacientes com citopenias/citose hematológicas devem ser submetidos a aspirado e biópsia de medula óssea, para descartar outras neoplasias mieloides.[2][53] A presença de agrupamentos de células grandes positivas para CD1a na medula é diagnóstica de HCL.

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