Abordagem
O surgimento de novos sintomas em grandes altitudes deve ser considerado decorrente de uma doença relacionada a grandes altitudes, até que se prove o contrário. História precisa e exame físico apropriado costumam ser suficientes para diagnosticar doença da altitude aguda (DAA), edema pulmonar por grande altitude (EPGA) e edema cerebral por grande altitude (ECGA) em campo. Deve-se supor que alguém com DAA que apresenta achados neurológicos anormais tem ECGA.
História
EMA
A DAA costuma se manifestar em até 24 horas após subir para uma nova altitude. Os sintomas geralmente remitem ao descer ou permanecer 7 dias na altitude em que a condição primeiro se manifestou.[5] Os sintomas de DAA incluem cefaleia, anorexia, náuseas, vômitos, tonturas e fadiga.[1][2][6] A cefaleia observada na DAA tende a ser difusa e constante, normalmente se agravando com esforços, levantamento de pesos ou tosse. Em crianças pequenas, a DAA também é caracterizada por comportamento difícil, que normalmente se manifesta como choro, inquietação ou tensão muscular.[46]
O EPGA e a ECGA costumam demorar mais para se desenvolver que a DAA. Em muitos casos, o EPGA e o ECGA são precedidos pela DAA.[47][48]
EPGA
No EPGA, os sintomas mais comuns são dispneia, tosse e fadiga.[6][48] A princípio, a tosse costuma ser seca antes de ficar produtiva à medida que o paciente piora.[48] O escarro geralmente é espumoso e branco ou rosado, transformando-se em sangue puro somente nos casos mais graves. A maioria dos pacientes prefere se deitar com a cabeça elevada, pois a tosse normalmente é pior ao se deitar sem nenhuma elevação. Pode ocorrer dor torácica, e ela costuma ser de natureza precordial e raramente pleurítica. Os casos leves de EPGA podem ter um efeito significativo na intensidade dos exercícios, e até mesmo a tarefa mais simples se torna exaustiva para o paciente.
ECGA
Na maioria dos casos de ECGA, há uma história de DAA que não responde a repouso, líquidos e tratamento apropriado. Em alguns casos, a DAA é simplesmente ignorada. Diferentemente da DAA e do EPGA, o ECGA apresenta achados neurológicos.[1] Instabilidade e fraqueza costumam se desenvolver inicialmente, e os distúrbios visuais ficam cada vez mais comuns à medida que a condição evolui. Atividades físicas simples, como se vestir, tomar banho e comer, demoram mais tempo e acabam sendo negligenciadas. O paciente prefere dormir. Alterações sutis de comportamento e personalidade às vezes são observadas pelos colegas de equipe nos estágios iniciais da doença.[48] Os pacientes normalmente negam a presença de sintomas e têm poucas recordações de sua experiência após a recuperação. Ocasionalmente, os sintomas de DAA podem estar ausentes no início no ECGA e levam a um diagnóstico incorreto como desidratação, exaustão ou até mesmo ressaca.[48]
EPGA e ECGA normalmente coincidem. Os médicos devem ter um limite baixo para tratar as duas condições; quando não tratados, EPGA e ECGA são rapidamente fatais.
Exame
EMA
Como os sinais clínicos costumam estar ausentes na DAA, a condição geralmente é diagnosticada com base em uma história apropriada.
No entanto, as seguintes alterações têm sido observadas na DAA.
Edema periférico: costuma ocorrer na área periorbital depois de dormir e ao redor dos tornozelos e punhos após esforço físico.[8]
Estertores: estertores ocasionais isolados às vezes são audíveis à ausculta torácica.[26]
Pirexia: uma pirexia leve pode estar presente na DAA. Um aumento médio de 0.5 °C (0.9 °F) tem sido demonstrado na DAA leve (escore Lake Louise = 3) e de 1.2 °C (2.2 °F) nos casos mais graves (escore Lake Louise >3).[49]
Baixa saturação de oxigênio no sangue arterial (SaO2) e frequência cardíaca elevada: embora um único registro de SaO2 ou frequência cardíaca em repouso possa ter pouca utilidade, uma série de medições mostrando uma grande diferença entre o paciente e aqueles que compartilham o mesmo perfil de subida pode ajudar a identificar as pessoas que não estão se adaptando bem e, portanto, estão propensas à DAA.[50][51][52]
EPGA
Frequência respiratória (FR): embora ocasionalmente o EPGA possa se manifestar sem evidência de dispneia, uma frequência respiratória elevada em repouso normalmente é uma indicação inicial muito útil da condição. Nos casos graves, a FR pode ultrapassar 40 respirações por minuto em repouso, chegando a impossibilitar até mesmo o esforço físico mais leve.[53]
Frequência cardíaca (FC): a FC de repouso está aumentada naqueles com EPGA. Nos casos graves, a FC em repouso pode ultrapassar 140 batimentos por minuto; no entanto, na maioria dos casos, a FC é muito menor, variando entre 90 e 120 batimentos por minuto.[53]
Cianose: na maioria dos casos, existem evidências claras de cianose. Isso costuma afetar as extremidades, como dedos das mãos e dos pés, e características faciais.[54]
Pirexia: a pirexia de baixo grau (38 °C, 100.4 °F) é uma característica comum do EPGA. Geralmente ela é mais alta que a observada na DAA.[49]
Estertores à ausculta: tipicamente audível em ambos os campos pulmonares. Eles costumam estar concentrados nas regiões central e inferior.
Segunda bulha pulmonar acentuada: à ausculta do coração, uma segunda bulha pulmonar acentuada pode ser ouvida, indicando a presença de hipertensão pulmonar.[55]
Baixa saturação de oxigênio no sangue arterial (SaO2): no EPGA, as medições da SaO2 são baixas. A 4559 m, foi demonstrado que pacientes com EPGA têm uma SaO2 média de 48% em comparação com 78% em indivíduos saudáveis.[56] É fundamental que as medições de SaO2 de indivíduos saudáveis e bem adaptados sejam usadas como referência na interpretação desses resultados. As medições de SaO2 normalmente são menores que o esperado, mesmo nas pessoas mais saudáveis, em grandes altitudes.
ECGA
Avaliação do estado mental: nos primeiros estágios do ECGA, os sinais costumam ser sutis e, portanto, são ignorados com facilidade. A princípio os pacientes com ECGA podem parecer cansados, irritados, confusos, esquecidos ou propensos a episódios de comportamento irracional. A realização de tarefas simples pode ser problemática: amarrar o cadarço, usar talheres ou escrever um diário pode ser um processo demorado. Ao serem questionados, é possível que os pacientes não consigam se lembrar da hora, do dia, da data ou do local. Testes convencionais que avaliam matemática básica (subtrair 7 de 100) e memória (precisar decorar um nome, idade e endereço e lembrar desses dados em uma fase posterior do exame) normalmente são úteis na identificação dos estágios iniciais do ECGA.
Avaliação neurológica[4]
A ataxia é comum. Pode ser identificada observando-se a pessoa caminhar uma curta distância em tandem e realizar uma volta de 180 graus. Nos casos graves, a ataxia pode impedir que os indivíduos se levantem ou inclusive se sentem na posição vertical.
Também podem ocorrer anormalidades do tônus e força. Pode haver rigidez de nuca. Raramente, paralisias dos nervos cranianos estão presentes e tendem a envolver os nervos que controlam o movimento ocular (III, IV e VI).
Os reflexos geralmente são rápidos e clônus às vezes está presente. Reflexos plantares em extensão são comuns.
Às vezes, são observadas evidências de retenção ou incontinência urinária.
Alucinações visuais e auditivas, convulsões, zumbido, vertigem, tremores, distúrbio da fala e surdez têm sido relatados; no entanto, essas características são raras.[4]
Fundoscopia: hemorragias da retina e papiledema são comuns.[55]
Avaliação da gravidade da doença
A DAA pode ser avaliada usando-se o Lake Louise Score ou o escore Acute Mountain Sickness-Cerebral (AMS-C) do Questionário de Sintomas Ambientais (ESQ). Os dois escores também podem ser usados para avaliar o ECGA; a presença de ataxia e alterações no estado mental indicam a presença de ECGA. O ESQ demora muito mais tempo para ser preenchido, e é difícil calcular o escore AMS-C em campo. Ele consiste de 67 perguntas, das quais 11 são usadas para calcular o escore AMS-C. Um escore AMS-C de 0.7 ou mais é aceito como valor de corte para doença da altitude aguda (DAA).
O Lake Louise Score costuma ser preferido não só porque é mais fácil de usar, mas também porque é capaz de reconhecer doença mais leve em um estágio inicial. De acordo com o Lake Louise Score, um escore de 3 ou mais na presença de cefaleia define o diagnóstico de DAA.[2]
Os detalhes do escore são os seguintes:
Cefaleia: 0 = ausente, 1 = leve, 2 = moderada, 3 = grave e incapacitante
Sintomas gastrointestinais: 0 = bom apetite, 1 = inapetência ou náuseas, 2 = náuseas ou vômitos moderados, 3 = náuseas e vômitos graves e incapacitantes
Fadiga e/ou fraqueza: 0 = nenhuma, 1 = leve, 2 = moderada, 3 = grave
Tontura: 0 = nenhuma, 1 = leve, 2 = moderada, 3 = grave
Em crianças com <4 anos de idade, o Children’s Lake Louise Score (CLLS) é usado.[46] De acordo com o CLLS, a DAA estará presente se tiver ocorrido um ganho recente de altitude e o CLLS for ≥7. Os detalhes do escore são os seguintes:
Quantidade de irritação inexplicada: 0 (sem irritação) a 6 (irritação constante quando acordado)
Intensidade da irritação: 0 (sem irritação) a 6 (irritação grave quando acordado)
Apetite: 0 = normal, 1 = ligeiramente menor que o normal, 2 = muito menor que o normal, 3 = vômitos ou não consegue comer
Ânimo: 0 = normal, 1 = ligeiramente menos animado, 2 = muito menos animado que o normal, 3 = desanimado
Capacidade de dormir: 0 = normal, 1 = ligeiramente menor ou maior que o normal, 2 = muito menor ou maior que o normal, 3 = não consegue dormir.
O EPGA é classificado da seguinte maneira.[53][57]
Grau 1 (leve): sintomas mínimos, com limitação de esforços pesados somente. Pequena taquicardia em repouso e frequência respiratória elevada. Nenhuma limitação das atividades normais.
Grau 2 (moderado): o paciente deambula, mas as atividades normais estão reduzidas. Taquicardia e taquipneia estão presentes. Fraqueza, dispneia e tosse são evidentes para outras pessoas. Estertores podem estar presentes.
Grau 3 (grave): os sintomas estão presentes ao repouso. É possível que o paciente não consiga andar e prefira ficar em repouso. Tarefas simples podem ser impossíveis. Os sentidos podem estar comprometidos. Confusão e desorientação podem estar presentes. Taquicardia e taquipneia estão presentes. Estertores são ouvidos com facilidade.
Grau 4 (grave): o paciente está obnubilado ou comatoso e não consegue responder logicamente a perguntas ou comandos. O paciente não consegue se sentar nem se levantar. Apresenta respiração ruidosa com sons de líquido nas vias aéreas. Há taquicardia e taquipneia significativas.
Investigações
Uma história precisa e exame físico apropriados costumam ser suficientes, ou serem somente o que está disponível, para se diagnosticar a DAA, o EPGA e o ECGA em campo.
EPGA
Os pacientes com EPGA podem ser hospitalizados, mas isso só é provável se o paciente estiver de férias em um resort turístico desenvolvido (como resorts de esqui), se voar diretamente para uma cidade de alta altitude (como La Paz), ou se for rapidamente resgatado por um helicóptero. A maioria dos pacientes terá melhorado com a descida antes de qualquer hospitalização. Se forem hospitalizados, os seguintes exames podem ser considerados:
Gasometria arterial
Geralmente, PaO2 reduzida e PaCO2 reduzida ou normal
Pode mostrar alcalose respiratória.
Radiografia
O início de alterações radiográficas no EPGA pode ser extremamente variável.[55] No entanto, a maioria dos casos acaba desenvolvendo áreas assimétricas de infiltrados do tipo "bolas de algodão" nas áreas central e inferior dos campos pulmonares.[56]
As alterações costumam começar na área central direita e acabam se disseminando para o lado esquerdo. Os ápices e ângulos costofrênicos geralmente são preservados. Embora vasculatura pulmonar proeminente possa estar presente, esse achado é comum em qualquer pessoa que sobe para grandes altitudes.[58] Sinais de edema pulmonar cardiogênico geralmente estão ausentes. A resolução completa dos infiltrados pulmonares ocorre rapidamente após a recuperação.[59][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Radiografia torácica de edema pulmonar por grande altitudePublicado com a permissão de Wilderness Medical Society [Citation ends].
eletrocardiograma (ECG)
Geralmente mostra taquicardia sinusal e alterações compatíveis com hipertensão pulmonar aguda. Isso inclui: desvio do eixo e bloqueio de ramo direito; ondas P em intensidade máxima nas derivações II, III e aVF; e aumento na profundidade das ondas S precordiais.[55]
Ultrassonografia do tórax e ecocardiograma
No EPGA, a presença de edema pode resultar na formação de "artefatos em cauda de cometa" que são visíveis à ultrassonografia. Quando avaliada ao longo de 28 campos pulmonares separados, eles podem fornecer uma avaliação objetiva do edema pulmonar, podendo ser usados para monitorar a evolução da doença.[57][60] A presença de um forame oval patente (presente em 25% da população geral) pode estar associada a um aumento na suscetibilidade para EPGA.[61]
Investigações laboratoriais
A maioria das investigações laboratoriais é normal no EPGA.
Em alguns casos, ocorre um pequeno aumento na contagem de leucócitos, devido a uma leucocitose neutrofílica leve.[55]
ECGA
Os pacientes com ECGA podem ser hospitalizados, mas, novamente, isso pode não acontecer devido às complexidades para se realizar uma evacuação rápida. Se hospitalizados com sintomas residuais após a descida, eles devem ser submetidos aos seguintes exames:
TC cranioencefálica
Se a pressão intracraniana continuar aumentando, a TC poderá revelar compressão dos ventrículos e alterações nos giros e sulcos presentes na superfície dos hemisférios cerebrais.
ressonância nuclear magnética (RNM) cranioencefálica
Realizada adicionalmente à TC cranioencefálica
Mostra formação de edema na substância branca. Geralmente, o edema está concentrado no esplênio do corpo caloso. A substância cinzenta não é muito afetada por ECGA. As alterações observadas à TC e RNM podem levar semanas ou até meses para remitir após a recuperação clínica.[14][23]
Punção lombar
Realizada após os exames de imagem
Um aumento na pressão intracraniana costuma ser observado no ECGA; nos casos avançados de ECGA, esse aumento pode ultrapassar os valores normais em até 300 mm H2O[62]
A análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) pode revelar a presença de eritrócitos nos casos graves, mas, na grande maioria dos pacientes com ECGA, o LCR será normal.[4]
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal