Abordagem

A colangite requer diagnóstico e tratamento imediatos. O diagnóstico baseia-se na história e achados laboratoriais típicos e confirmada por imagens, colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) ou drenagem biliar percutânea em pacientes que não podem ser submetidos à CPRE.

As diretrizes de Tóquio fornecem uma visão geral concisa dos fatores que devem ser considerados no diagnóstico e avaliação da gravidade desses pacientes.[1]​ A maioria dos pacientes apresentará febre, icterícia e dor no quadrante superior direito (tríade de Charcot), embora alguns pacientes com infecção significativa possam ter uma aparência surpreendentemente benigna.[3] Pacientes com colangite geralmente têm dor difusa no quadrante superior direito e não o sinal clássico de Murphy.

Deterioração aguda

A colangite pode rapidamente se tornar uma infecção aguda, séptica e com risco de vida se não for identificada e tratada imediatamente. Considere sepse se houver deterioração aguda em um paciente com evidência clínica ou forte suspeita de infecção.[22]

O paciente com sepse pode apresentar sintomas inespecíficos ou não localizados (por exemplo, indisposição aguda com temperatura normal), ou pode apresentar sinais graves com evidências de disfunção de múltiplos órgãos e choque.[22]​​ A sepse representa o final grave da infecção, com risco à vida.

É importante usar uma abordagem sistemática, em conjunto com seu critério clínico, para avaliar o risco de deterioração derivado da sepse.[22]​​ Várias abordagens foram sugeridas, inclusive o uso de: um escore de alerta precoce (por exemplo, Escore de Alerta Precoce Modificado [EAPM]); o escore à beira do leito de determinação da falência orgânica relacionada à sepse sequencial rápido (qSOFA); ou critérios de estratificação de risco (por exemplo, a ferramenta Detect, Act, Reassess, Titrate [DART] recomendada pelo painel de especialistas em sepse do American College of Emergency Physicians).[23][24][25] Todas essas abordagens dependem da avaliação sistemática e do registro de observações vitais. Consulte as diretrizes locais para saber a abordagem recomendada na sua instituição.

O tratamento deve ser iniciado imediatamente se clínico sênior fizer um diagnóstico de suspeita de sepse.​​[26]​ Os protocolos locais devem ser seguidos para a investigação e o tratamento de todos os pacientes com suspeita ou risco de sepse, no prazo de 1 hora.[27][28][29]

Para obter mais detalhes sobre quando suspeitar de sepse no tratamento, consulte Sepse em adultos.

Anamnese e exame físico

Fatores de risco para a colangite aguda podem estar presentes, principalmente:[11]

  • Cálculos biliares conhecidos

  • Doença pancreaticobiliar subjacente

  • CPRE anterior

  • Intervenção cirúrgica ou radiológica na árvore biliar

  • Infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV)

Muitas vezes encontra-se história atual de fezes claras, prurido e icterícia.

  • Febre e dor no quadrante superior direito estão presentes em 65% a 90% dos pacientes, embora a febre possa estar ausente em pacientes idosos (com mais de 60 anos de idade); 65% dos pacientes terão sensibilidade no quadrante superior direito.[1]

  • Fezes pastosas/com cor de argila podem ser observadas devido à deficiência na secreção de bile para o intestino delgado.

  • Sensação de prurido associada a qualquer doença hepática deve ser relatada.

  • Icterícia está presente em 60% a 70% dos pacientes.[1]

  • Hipotensão está presente em 30% dos pacientes.[1]

  • Ocorrem alterações do estado mental em cerca de 15% dos pacientes. A hipotensão e as alterações do estado mental são indicativos de doença grave, e estão associadas a um prognóstico desfavorável.[1][30]

Exames laboratoriais

Pacientes com suspeita ou confirmação de colangite aguda devem realizar os testes a seguir no momento da hospitalização (listados com os achados comuns):

  • Hemograma completo: geralmente, a contagem leucocitária é de >10.0 × 10⁹/L (>10,000/microlitro) (intervalo de referência de 4.8 a 10.8 × 10⁹/L ou 4800-10,800/microlitro).

  • Proteína C-reativa (um marcador de inflamação): pode estar elevada.

  • TFHs: a hiperbilirrubinemia está quase sempre presente e, se não estiver, é menos provável que colangite seja o verdadeiro diagnóstico. Testes hepáticos anormais são achados comuns, sendo típico haver transaminases e fosfatase alcalina séricas elevadas.

  • Ureia e creatinina: os parâmetros de função renal elevados são mais comuns nos estados patológicos graves.

  • Eletrólitos e magnésio: possíveis diminuições de potássio e magnésio séricos.

  • Hemocultura: as taxas de hemocultura positivas entre pacientes com colangite aguda variam de 21% a 71%.[31] As bactérias geralmente são gram-negativas, mas bactérias gram-positivas e anaeróbias também estão implicadas na colangite.[31]

  • Perfil de coagulação: as anormalidades podem incluir diminuição das plaquetas e aumento do tempo de protrombina.

  • Análise de gasometria arterial e lactato (adicional se houver preocupação com sepse sistêmica): a acidose metabólica é comum nos estados patológicos graves; o aumento do lactato está associado a sepse.


Venopunção e flebotomia – Vídeo de demonstração
Venopunção e flebotomia – Vídeo de demonstração

Como colher uma amostra de sangue venoso da fossa antecubital usando uma agulha a vácuo.


Ultrassonografia transabdominal e endoscopia

Todos os pacientes que apresentam dor no quadrante superior direito e suspeita de colangite devem ser submetidos a uma ultrassonografia transabdominal na primeira instância.[33][34]​​

  • O principal valor de uma ultrassonografia transabdominal está em detectar a colecistite, que pode mimetizar a colangite, além de oferecer uma avaliação limitada da árvore biliar.

  • A ultrassonografia transabdominal é uma modalidade de diagnóstico por imagem inicial rápida, fácil e barata. A sua acurácia para a detecção da dilatação do ducto colédoco é de >90%, embora o seu diâmetro se torne um parâmetro menos útil nos pacientes que tiverem sido submetidos a uma colecistectomia (já que pode ocorrer dilatação fisiológica do ducto colédoco nesse cenário).

  • A ultrassonografia transabdominal tem uma baixa sensibilidade para detectar cálculos no ducto colédoco central a distal.[1]

Pacientes com história de doença biliar, prótese biliar permanente ou outros fatores predisponentes devem ser considerados para CPRE precoce para diagnóstico e terapia rápidos.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica revela um grande cálculo do ducto colédoco (seta) na parte média desteDo acervo de Douglas G. Adler; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@275782b5[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Foto endoscópica do mesmo paciente após remoção de grande cálculo do ducto colédoco; drenagem abundante de pus através da ampolaDo acervo de Douglas G. Adler; usado com permissão [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@d98640c

Se a CPRE não estiver disponível ou sua realização for impossível (por exemplo, pós-bypass gástrico em Y de Roux, presença de estenose esofágica, pilórica ou duodenal), colangiografia trans-hepática percutânea pode oferecer uma avaliação direta da árvore biliar.[35]

Estudos de imagem subsequentes

Caso haja grande suspeita clínica de colangite, mas a ultrassonografia transabdominal seja negativa, uma tomografia computadorizada (TC) abdominal com contraste intravenoso pode ser considerada.[34]

  • A TC abdominal oferece melhores detalhes anatômicos da árvore biliar que a ultrassonografia transabdominal. Ela é particularmente útil para visualizar a parte distal do ducto colédoco.

  • Se houver suspeita de neoplasia como causa da colangite, a TC abdominal é uma melhor escolha de imagem inicial que a ultrassonografia transabdominal.

  • As TCs são contraindicadas em pacientes com alergia ao corante do contraste intravenoso, e podem ser prejudiciais para pessoas com disfunção renal.

A colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) é uma excelente modalidade de ressonância nuclear magnética (RNM) não invasiva com boa sensibilidade e especificidade para diagnóstico de obstrução biliar. Ela deve ser solicitada caso a ultrassonografia e a TC sejam negativas e a alta suspeita de colangite se mantenha.[33][34]

  • A CPRM pode fornecer colangiogramas e pancreatogramas, e pode identificar cálculos biliares, estenoses e/ou neoplasias malignas pancreáticas e biliares com uma alta sensibilidade e especificidade. Às vezes ela também pode diagnosticar colangite com base na aparência das paredes do ducto biliar.

  • A CPRM pode ser particularmente informativa caso haja fatores de confundimento (por exemplo, doença hepática subjacente) que possam causar febre, dor no quadrante superior direito e icterícia.

  • A RNM é contraindicada em alguns pacientes com bioimplantes metálicos

  • Embora a CPRM seja valiosa em termos diagnósticos, todos os pacientes com colangite precisarão, no final, de uma descompressão biliar, mais comumente através de uma CPRE. Logo, a CPRM não deve ser vista como um estudo de requisito nos pacientes com suspeita de colangite, mas muitas vezes ela é uma ferramenta útil na determinação da etiologia e no planejamento da terapia definitiva.

A ultrassonografia endoscópica (USE) é tão precisa quanto a CPRM para a detecção da coledocolitíase.[36] Ela deve ser realizada em caso de suspeita de estenose ou cálculo no ducto colédoco que ainda não foi observado na ultrassonografia ou na CPRM.[33]

  • Se a USE for positiva para cálculos no ducto colédoco, a CPRE muitas vezes pode ser realizada ao mesmo tempo. A USE também pode facilitar o acesso direto ao ducto biliar e a descompressão via colocação de stent transluminal.

Abordagens cirúrgicas

A cirurgia deve ser utilizada para fins diagnósticos apenas quando outras modalidades não conseguirem identificar o(s) cálculo(s) biliar(es) e/ou o(s) local(is) de obstrução ou quando essas modalidades não estiverem disponíveis, não forem viáveis ou forem contraindicadas. Na prática, a cirurgia é raramente necessária para o diagnóstico ou tratamento da colangite, pois as abordagens menos invasivas quase sempre são adequadas.

O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal