Abordagem

O diagnóstico é baseado em sinais e sintomas clínicos. Não há testes diagnósticos laboratoriais exclusivos para a doença. Os principais sinais foram reconhecidos e relatados em 1974, e esses critérios foram atualizados pela American Heart Association e aprovados pela American Academy of Pediatrics.[1][28]

As diretrizes do Single Hub and Access point for paediatric Rheumatology in Europe (SHARE) recomendam considerar o diagnóstico de doença de Kawasaki (DK) em qualquer criança com doença exantematosa febril, com inflamação sistêmica, principalmente se a febre persistir por mais de 4 dias.[29]

Estágio agudo

O estágio agudo dura geralmente de 7-11 dias.

Além de febre, os pacientes devem ter mais quatro dos cinco sinais e sintomas a seguir:

  • Rash eritematoso polimorfo

  • Hiperemia conjuntival bilateral não purulenta (ocorre em 90%)

  • Alterações orofaríngeas, incluindo hiperemia difusa, língua em morango e alterações no lábio (por exemplo, edema, fissura, eritema e sangramento)

  • Alterações nos membros periféricos, incluindo eritema, edema, endurecimento e descamação, que podem causar dificuldade para andar

  • Linfadenopatia cervical não purulenta. Isto ocorre em 40% dos casos (embora em outros relatórios sejam de 50% a 75%) e é geralmente um único nódulo cervical, aumentado, não supurativo medindo cerca de ≥1.5 cm.

Esses critérios são apenas diretrizes a fim de evitar erros de diagnóstico ou diagnóstico exagerado. De acordo com essas diretrizes, o diagnóstico poderá ser feito no dia 4 da febre se forem atendidos quatro critérios principais, especialmente quando houver vermelhidão e edema nas mãos e nos pés. Médicos experientes que já trataram muitos pacientes com DK, em raras instâncias, poderão estabelecer o diagnóstico no dia 3 da febre se houver um quadro clínico clássico.[1] A febre deve ser alta, geralmente maior que 39 °C (102 °F), mas muitas vezes é acima de 39.9 °C (104 °F). Os pacientes estão frequentemente irritados além do esperado para a extensão da febre.

O SHARE europeu recomenda que o diagnóstico pode ser feito antes de 5 dias de febre, se os principais critérios forem atendidos ou se houver evidências de dilatação de artéria coronária (Z-score >2, mas <2.5) ou aneurisma (Z-score ≥2.5) ou se houver evidências de inflamação persistente, sem diagnóstico alternativo, e uma suspeita clínica de DK.[30]

De acordo com as diretrizes de 2017 da American Heart Association (AHA), o diagnóstico de DK incompleta pode ser feito em crianças com 5 ou mais dias de febre e dois ou três critérios clínicos, ou em lactentes com ≥7 dias de febre sem um diagnóstico alternativo.[1] As diretrizes do SHARE ressaltam que trata-se de uma abordagem pragmática a essa situação, mas não há uma base de evidências, e estudos para validar os critérios de DK incompleta são uma importante prioridade para pesquisa.[30] Neste cenário, uma ecocardiografia que mostra vasculite coronariana confirmaria o diagnóstico, mas uma ecocardiografia normal não descarta o diagnóstico. Além disso, a DK incompleta ocorre mais comumente em lactentes que apresentam risco de desenvolver anormalidades de artérias coronárias e que podem ter febre prolongada como o único achado clínico. Nos pacientes com suspeita de DK, a presença de irritabilidade ou eritema e/ou induração no local da vacinação para BCG prévia são sinais que aumentam a probabilidade do diagnóstico.[30][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Recomendações do SHARE para o manejo da suspeita de doença de Kawasaki incompletade Graeff N, Groot N, Ozen S, et al. European consensus-based recommendations for the diagnosis and treatment of Kawasaki disease - the SHARE initiative. Rheumatology (Oxford). 2019;58(4):672-682. [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@64e3f49e

Embora não faça parte dos critérios diagnósticos formais, as diretrizes de 2017 da AHA enfatizam o uso do Z-score para medição das artérias coronárias, o que reflete as dimensões padronizadas normalizadas para a área de superfície corporal e permite a classificação e comparações ao longo do tempo e entre populações.[1][31]

A ecocardiografia é considerada positiva para anormalidades coronarianas se quaisquer das seguintes condições ocorrerem:[1]

  • Artéria coronária descendente anterior esquerda ou artéria coronária direita: Z-score ≥2.5

  • Aneurisma de artéria coronária observado

  • Três ou mais características sugestivas, entre elas diminuição da função do ventrículo esquerdo, regurgitação mitral, derrame pericárdico ou Z-scores de 2.0 a 2.5 na artéria coronariana descendente anterior esquerda ou artéria coronariana direita.

Além disso, a presença de três ou mais das seguintes características laboratoriais pode aumentar o índice de suspeita para DK: 1) anemia; 2) contagem plaquetária >450,000 após o dia 7 de febre; 3) albumina <3.0 g/dL; 4) alanina aminotransferase (ALT) elevada; 5) contagem leucocitária >15,000; 6) urina com >10 leucócitos/campo de grande aumento.[1]

Na ausência de um teste diagnóstico, esses critérios acima se tornam cruciais para se diagnosticar um paciente com DK. Alguns testes laboratoriais podem ser de suporte, como reagentes da fase aguda, incluindo a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C-reativa. Eles apresentam taxas significativamente elevadas (em um grau maior do que o esperado para infecções virais comuns).[32]

Achados incomuns no exame físico no estágio agudo

Achados menos comuns podem incluir: rigidez cervical secundária à meningite asséptica, paralisia facial, uveíte anterior (70%), derrame pleural, infiltrado pulmonar, derrame pericárdico com ou sem miocardite e insuficiência cardíaca congestiva.

Os outros achados incluem dor abdominal, vômitos, pseudo-obstrução, diarreia, hepatite, icterícia obstrutiva, distensão ou hidropisia da vesícula biliar, pancreatite, envolvimento das articulações (artralgia ou artrite), meatite, vulvite, uretrite com piúria estéril, proteinúria, nefrite e insuficiência renal aguda. Além disso, podem ser encontrados gangrena em extremidades, pústulas, lesões do tipo eritema multiforme, eritema perineal (50% a 70%), máculas, pápulas, erupção cutânea do tipo sarampo e eritema do tipo escarlatina.

Estágio subagudo

Este estágio dura entre 2-3 semanas, em que os sinais e sintomas manifestos estão em processo de resolução, incluindo, entre outros, irritabilidade persistente e redução do apetite. A hiperemia conjuntival e as rachaduras nos lábios podem persistir nessa fase.

As características típicas durante essa fase da doença incluem descamação periférica, melhora dos biomarcadores de fase aguda, desenvolvimento de trombocitose, desenvolvimento de aneurismas de artérias coronárias e temperatura reduzida.

Estágio crônico/de convalescência

Esta fase dura entre 4-6 semanas; os principais sinais e sintomas remitiram e os marcadores inflamatórios se normalizaram. No entanto, nos pacientes que tiverem desenvolvido sequelas cardíacas, os aneurismas de artérias coronárias podem persistir e se agravar, e podem ser desenvolvidas complicações com risco à vida, incluindo trombose ou infarto do miocárdio. 60% dos aneurismas pequenos remitirão completamente.

Estratificação de risco em longo prazo

Em longo prazo, a estratificação de risco baseia-se principalmente nas dimensões luminais máximas da artéria coronária, normalizadas como Z-scores, e leva em consideração o comprometimento coronariano atual e passado.

  • Sem comprometimento: sempre <2

  • Apenas dilatação: 2.0 a <2.5; ou se inicialmente <2, uma redução no Z-score durante o acompanhamento ≥1

  • Aneurisma pequeno: ≥2.5 a <5.0

  • Aneurisma médio: ≥5 a <10, e dimensão absoluta <8 mm

  • Aneurisma grande ou gigante: ≥10, ou dimensão absoluta ≥8 mm.

As características clínicas adicionais que indicam risco de isquemia miocárdica incluem maior número total, comprimento, número de ramificações e localização distal de aneurismas; anormalidades estruturais e funcionais da parede vascular; poucos vasos colaterais; revascularização prévia, trombose arterial coronariana ou infarto do miocárdio; e disfunção ventricular.[1]

Investigações iniciais

As diretrizes do SHARE europeu recomendam que os seguintes exames laboratoriais devem ser monitorados em todos os pacientes: velocidade de hemossedimentação (VHS), proteína C-reativa, hemograma completo, função hepática, albumina sérica, sódio sérico (para hiponatremia associada à doença grave), função renal e urinálise. A ferritina e o fibrinogênio também devem ser monitorados em caso de suspeita de síndrome de ativação macrofágica. É importante observar que a VHS não é um teste particularmente útil após o tratamento com imunoglobulina intravenosa, pois pode se elevar devido à ligação da imunoglobulina com os eritrócitos.[1][30]

Durante o estágio agudo, vários marcadores de reagentes da fase aguda, como VHS, proteína C-reativa e ferritina sérica ficam elevados de forma significativa. Esses exames tendem a voltar aos níveis normais no final da fase subaguda até à fase de convalescença, com a proteína C-reativa retornando aos valores normais mais rapidamente que a VHS. Se a VHS e a proteína C-reativa estiverem normais ou muito levemente aumentadas (VHS <40 mm/hora e/ou proteína C-reativa <190 nm/L [<20 mg/L ou <2 mg/dL]) no início do estágio agudo, isso é atípico na DK, e um diagnóstico alternativo deve ser considerado, incluindo infecção por estreptococos (especialmente escarlatina) e doenças virais, com uma consulta com um infectologista, caso necessária. Observa-se anemia normocrômica leve a moderada no estágio agudo, junto com nível elevado de leucócitos. Durante o estágio subagudo, a trombocitose é típica, com contagem plaquetária elevada durante a segunda semana, continuando assim na terceira semana, geralmente com contagem plaquetária de até 1000 x 10⁹/L (1 milhão/microlitro), mas contagens tão altas quanto 2000 x 10⁹/L (2 milhões/microlitro) são ocasionalmente observadas.

As diretrizes europeias do SHARE recomendam um ECG e uma ecocardiografia 6-8 semanas após o início da doença, e pelo menos uma vez por semana nos pacientes com anormalidades coronarianas confirmadas ou inflamação continuada.[30] As diretrizes de 2017 da AHA recomendam que os pacientes com anormalidades de artérias coronárias (Z-score >2.5) durante a doença aguda realizem ecocardiografias com mais frequência (pelo menos duas vezes por semana) até as dimensões se reduzirem, progredindo para o monitoramento do risco e da presença de trombos.[1] As diretrizes do SHARE recomendam que os pacientes com ecocardiografia normal inicial, nos quais a doença aguda tiver cedido, devem repetir a ecocardiografia 2 semanas após o início do tratamento.[30]De maneira similar, as diretrizes de 2017 da AHA recomendam uma ecocardiografia em 1-2 semanas e a 4-6 semanas para os pacientes cuja ecocardiografia inicial tiver sido normal.[1]

Essas recomendações foram feitas para se avaliar a possível expansão dos aneurismas devido ao risco associado de trombose e consequente risco de morbidade e mortalidade. Realize uma ecocardiografia nos pacientes com aneurismas grandes ou gigantes em expansão duas vezes por semana enquanto as dimensões aumentarem rapidamente, pelo menos uma vez por semana nos primeiros 45 dias da doença e uma vez ao mês até o terceiro mês após o início da doença.[1]

Não se esqueça de que, na primeira semana da doença, a ecocardiografia costuma ser normal e não descarta o diagnóstico.[1] Se os achados ecocardiográficos forem anormais em qualquer estágio na evolução da doença, encaminhe o paciente a um cardiologista pediátrico para uma investigação cardíaca completa e cuidados de acompanhamento.

Outras investigações

Os exames adicionais são realizados para excluir ou identificar o envolvimento de outros sistemas de órgãos:

  • Testes da função hepática: devem ser feitos rotineiramente em todos os pacientes com suspeita de DK para avaliação para hepatite. A transaminite é um achado comum na DK. O paciente pode ter dor abdominal, icterícia, náuseas e/ou vômitos em associação com febre alta.

  • Urinálise: deve ser feita rotineiramente em todos os pacientes com suspeita de DK; mostrará piúria estéril leve a moderada de origem uretral em 50% dos pacientes. Se a urinálise estiver anormal, deverá ser realizada uma cultura para excluir a infecção do trato urinário.

  • Radiografia torácica: realizada se houver suspeita de pericardite ou pneumonite.

  • Eletrocardiograma: para descartar anormalidades de condução.

  • Ultrassonografia da vesícula biliar: para descartar hidropisia da vesícula biliar (se houver suspeita).

  • Ultrassonografia dos testículos: para descartar epididimite (se houver suspeita).

  • Punção lombar: realizada se os pacientes manifestarem rigidez da nuca e febre alta. Esse exame é necessário para excluir meningite.

Novos exames

Uma angiografia por ressonância magnética e um cateterismo cardíaco com angiografia podem ser recomendados para uma avaliação adicional dos aneurismas coronarianos, e são superiores à ecocardiografia, embora possa ser desafiador realizá-los em crianças pequenas <15 kg; nesse caso, a angiotomografia pode ser preferível. Geralmente, essas modalidades de exame de imagem são recomendadas por cardiologistas, principalmente em casos de achados não claros à ecocardiografia ou na presença de aneurismas gigantes. Esses exames são de responsabilidade do cardiologista e são solicitados quando os achados do ecocardiograma não são claros, ou quando a ecocardiografia mostrar aneurismas gigantes e se fizer necessário um delineamento anatômico mais detalhado. O fragmento N-terminal do peptídeo natriurético tipo B (NT-proPNB) circulante foi proposto como potencial biomarcador diagnóstico para a DK. Uma metanálise que avaliou a utilidade diagnóstica do NT-proPNB mostrou que, embora ele tenha eficácia moderada para diagnosticar a DK, de maneira isolada, ele não foi útil para confirmar ou refutar o diagnóstico.[33]

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