Abordagem
Não há características típicas na história de um paciente que confirmem ou refutem o diagnóstico de dorsalgia discogênica.[62] Embora sugestivos, os achados da história e do exame clínico não são conclusivos. É necessária a correlação com as investigações radiológicas para confirmar o diagnóstico de doença discal degenerativa (DDD).
História
Uma história detalhada é necessária para revelar possíveis causas secundárias de lombalgia. Sinais de alerta, como dor noturna, perda de peso inexplicada, febre ou sintomas dos sistemas gastrointestinal, urinário e cardiorrespiratório, sempre devem fazer parte da avaliação clínica, pois sua presença pode sugerir um diagnóstico alternativo para a dorsalgia. Apresentação com febre/calafrios, história de abuso de drogas injetáveis ou exposição à tuberculose podem indicar a possibilidade de discite. Uma história conhecida de neoplasia sistêmica também é um sinal de alerta. Os pacientes com sinais de alerta devem ser submetidos a exames de imagem antes de qualquer tratamento conservador.
Características sugestivas de dor lombar discogênica incluem uma história de episódio prévio de dor aguda ou trauma e dor lombar persistente. A dor frequentemente é referida para os músculos paraespinhais, as nádegas e a parte posterior das coxas. Ocasionalmente, pode haver dor associada em uma distribuição em dermátomo, ou na virilha ou no flanco. A dor geralmente piora com carga axial (posição ortostática ou sentada) e melhora ao deitar.
A dor radicular nas pernas pode ser decorrente de compressão da raiz nervosa em virtude de facetas articulares hipertrofiadas, prolapso de disco, ou estenose foraminal decorrente de perda da altura do disco ou de instabilidade nesse segmento móvel. A dor radicular nas pernas pode variar de intensidade desde dor leve e constante até dor excruciante. Ela geralmente é sentida na distribuição do dermátomo da raiz nervosa afetada.
Características neurológicas, como anestesia em sela (perineal), disfunção esfincteriana, retenção urinária e fraqueza nas pernas, sugerem síndrome da cauda equina.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) da coluna: degeneração das facetas articulares e um grande cisto na faceta articular de L5S1 esquerda comprimindo a raiz nervosa S1 esquerdaDo acervo do Dr. N. Quiraishi [Citation ends].[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) da coluna: degeneração do disco L4-5 com protuberância discal e disco L5S1 com uma zona de alta intensidadeDo acervo do Dr. N. Quiraishi [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) da coluna ponderada em T2: imagem sagital (à esquerda) mostrando discos degenerados; imagem axial (à direita) mostrando estenose do forame em L5S1 do lado esquerdoDo acervo do Dr. N. Quiraishi [Citation ends].
Exame físico
O exame físico de um paciente com DDD geralmente não apresenta nada digno de nota. Exacerbação da dor depois de pressão sobre o processo espinhoso do segmento afetado é considerado um sinal de dor discogênica por alguns clínicos.[63] A restrição à flexão da coluna vertebral está relacionada a espasmo dos músculos paravertebrais e resulta na reprodução de sintomas com a subsequente atenuação da dor com a extensão. Isso parece estar correlacionado à DDD, na ausência de outra patologia da coluna vertebral. A elevação das pernas em linha reta e outros testes para radiculopatia raramente são positivos; entretanto, se a dor for reproduzida pela elevação passiva da perna estendida (sinal de Lasègue positivo), ela é sugestiva de patologia compressiva ou inflamatória da raiz nervosa.[64]
Um exame neurológico deve avaliar a força e a sensibilidade do membro. O deficit neurológico está associado a uma disfunção da raiz nervosa e/ou da cauda equina. Isso pode ser causado por alterações degenerativas avançadas, embora seja incomum. O diagnóstico presumido de síndrome da cauda equina necessita de urgente encaminhamento ao hospital.
Um exame clínico completo deve incluir a avaliação do abdome e da parte inferior do tórax para excluir patologia intra-abdominal (tumores, pancreatite, aneurisma aórtico) que pode se manifestar com dorsalgia.
Radiografias simples
Radiografias simples anteroposteriores e laterais ortostáticas constituem uma investigação rápida e simples que pode fornecer informações valiosas; no entanto, elas não são recomendadas rotineiramente para dorsalgia inespecífica.[65][66] Radiografias simples são recomendadas em casos de trauma significativo recente, osteoporose ou idade acima de 70 anos.[66] Para todas as outras ocorrências de dor lombar, como neoplasia na coluna vertebral, infecção, fratura, síndrome da cauda equina, espondilite anquilosante ou outro distúrbio inflamatório, a modalidade preferida é a ressonância nuclear magnética (RNM) lombar.[66]
Radiografias simples mostram patologia muito mais tardiamente que a RNM e não são necessárias para diagnóstico de DDD. Alterações degenerativas (osteófitos, estenose do espaço discal, estenose foraminal, esclerose da placa terminal, calcificação de ligamentos) podem ser observadas se as radiografias simples forem realizadas por outros motivos.
Imagens laterais de flexão/extensão da coluna vertebral podem ser obtidas para ajudar no diagnóstico em caso de suspeita de espondilolistese (deslizamento de uma vértebra sobre outra), observada em radiografias simples.
RNM da coluna lombar
A RNM é o estudo de imagem de escolha para a DDD em virtude de seu detalhe único na representação da condição do disco.[64] Um disco com aparência normal à RNM provavelmente não será a origem da dor, sugerindo que deverão ser realizadas investigações adicionais para se identificar a verdadeira causa da dorsalgia. Características importantes que devem ser examinadas: sinais de degeneração, avaliação da altura do disco, presença ou ausência de rupturas anulares e alterações de placas terminais.[67][68]
Achados de RNM devem ser sempre interpretados com cautela, pois a presença de achados degenerativos não é um indicador absoluto de uma causa dos sintomas do paciente.[69][70][71][72][73] Muitas das anormalidades detectadas nas imagens da coluna lombar são comuns em indivíduos assintomáticos e parecem estar apenas vagamente associadas a sintomas de dorsalgia.
Alterações de Modic
A capacidade diminuída do disco em manter hidratação sob carga causa concentrações de estresse elevadas e desequilibradas ao longo da placa terminal e do anel durante carga axial.[74] Essas alterações podem afetar secundariamente o ambiente local da medula do corpo vertebral, acarretando alterações de sinal da placa terminal e da medula óssea na RNM, também conhecidas como alterações de Modic.[68][75]
A correlação dessas alterações observadas em diferentes sequências de RNM com os achados histopatológicos é conhecida como classificação de Modic. Os tipos 2 e 3 indicam alterações crônicas.
Tipo 1 - diminuição da intensidade de sinal em imagens ponderadas em T1 e um aumento da intensidade de sinal em imagens ponderadas em T2 na RNM indicam alterações inflamatórias agudas ou subagudas.
Tipo 2 - aumento da intensidade de sinal em imagens ponderadas em T1 e sinal isointenso ou ligeiramente aumentado em imagens ponderadas em T2 indicam trauma repetitivo crônico.
Tipo 3 - diminuição da atividade de sinal nas imagens ponderadas em T1 e T2 corresponde a degeneração avançada com osteosclerose reativa.
A importância clínica desses achados é que eles são característicos da presença de doença discal degenerativa e podem ser distinguidos de achados secundários a malignidade ou osteomielite. Alterações de Modic também mostraram uma correlação positiva com idade e degeneração discal.[75][76][77] No entanto, a prevalência e, acima de tudo, a associação com dor lombar, variam amplamente entre os estudos.[78][79][80]
É observada uma associação entre as alterações de Modic (mais comumente tipo 2) e dor lombar crônica em 81% dos pacientes.[81]
Lesões na zona de alta intensidade (HIZ)
Representam outro achado na RNM que tem sido correlacionado à DDD sintomática.[82] Elas são descritas na RNM como alterações de sinal hiperintensas em imagens ponderadas em T2, localizadas no interior do anel posterior do disco e visíveis nas imagens axiais e sagitais. Essas alterações bem definidas, que podem apresentar captação de contraste, estavam presentes em 28% dos pacientes com dor lombar, indicando uma ruptura interna dolorosa do disco.[82] Esses achados estão de acordo com outros estudos que demonstraram uma correlação ainda maior (80%) entre dor lombar e lesões na HIZ.[83]
No entanto, a importância da HIZ foi questionada em relação à sua baixa sensibilidade para reprodução de dor e, portanto, sua utilidade.[5][84]
A controvérsia sugere que lesões na HIZ estão variavelmente presentes nos discos degenerativos dolorosos. As lesões refletem entidades tão diversas quanto rupturas anulares, hérnias do núcleo pulposo ou mesmo alteração mixoide degenerativa focal no interior do anel externo.[82][85][86] Essa heterogeneidade explica porque foi mostrado que lesões na HIZ são inconsistentes como marcadores sensíveis para dor discogênica.[87][88][Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) da coluna ponderada em T2: imagem sagital (à esquerda) mostrando 2 níveis de desidratação discal em L4-5 e L5S1 com uma moderada redução na altura do disco; imagens axiais (à direita) mostrando canal constitucionalmente estreito em L4-5 com moderado prolapso do disco e um grande prolapso do disco no nível L5S1 com compressão da raiz S1 à esquerdaDo acervo do Dr. N. Quiraishi [Citation ends].
[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Ressonância nuclear magnética (RNM) da coluna: degeneração do disco L4-5 com protuberância discal e disco L5S1 com uma zona de alta intensidadeDo acervo do Dr. N. Quiraishi [Citation ends].
Tomografia computadorizada (TC, tomografia computadorizada por emissão de fóton único [SPECT], mielografia por TC) da coluna vertebral
A tomografia computadorizada é uma modalidade útil para a obtenção de uma melhor avaliação da anatomia óssea, principalmente na presença de uma cirurgia prévia.[64] A presença de metal causa artefatos nas imagens de RNM, dificultando a avaliação da patologia subjacente. A avaliação de uma fusão e do local da peça metálica é mais bem realizada por TC.
As capacidades da TC podem ser ampliadas por meio de uma cintilografia óssea associada (tomografia computadorizada por emissão de fóton único [SPECT]). A SPECT localiza patologias que causam um aumento local de fluxo sanguíneo (inflamação de faceta articular, discite, lesões neoplásicas). Isso é útil quando outras modalidades de imagem são negativas, mas ainda há suspeita de patologia (não necessariamente discogênica). Ela não constitui uma ferramenta diagnóstica primária de rotina.
A mielografia por TC fornece a avaliação visual do canal vertebral e dos forames neurais.[64] Ela combina a avaliação por TC após a instilação de um contraste radiopaco hidrossolúvel no líquido cefalorraquidiano. Isso permite uma melhor avaliação dos segmentos estenóticos do canal vertebral e dos forames das raízes nervosas. Embora os exames de TC tradicionais sejam realizados na posição supina, as mielografias podem ser realizadas com o paciente em posição ereta. A mielografia é uma investigação invasiva e envolve a injeção de um material de contraste no interior do espaço epidural. Ela não é comumente realizada, embora seja um adjuvante útil aos exames de TC no contexto de revisão, na presença de implantes previamente colocados e em situações em que a RNM é contraindicada (por exemplo, marca-passos cardíacos, estimuladores cerebrais e da coluna dorsal).
Discografia ou RNM por captação de gadolínio (contraste)
A discografia provocativa é a única técnica de imagem que envolve a estimulação direta do disco. Radiografias simples são obtidas como etapa inicial. O teste consiste em 2 componentes:
reprodução da dor (dor concordante) pelo aumento da pressão intradiscal através da injeção de material de contraste no disco afetado
discograma indolor nos discos adjacentes normais (níveis de controle).
O procedimento é considerado positivo quando ocorre a reprodução subjetiva da dor do paciente no nível injetado (patológico) e resposta à dor mínima ou ausente quando os 2 níveis adjacentes ou de controle são injetados.[89][90] Radiografias mostrando extravasamento de contraste através do anel fibroso sugerem doença avançada e acrescentam credibilidade à discografia. A principal limitação do procedimento é sua dependência de respostas subjetivas à dor por parte do paciente.
Embora não seja um exame de rotina na maioria das unidades, a discografia pode ser combinada com TC para que o discograma por TC avalie o padrão de degeneração anular. Esse procedimento também fornece um sistema de graduação das rupturas anulares.
Grau I: padrão de bola de algodão normal; nenhuma extensão além da metade central do disco
Grau II: padrão lobular normal; nenhuma extensão além da metade central do disco
Grau III: extensão com fissura para o anel interno; sem protuberância discal
Grau IV: degeneração + extensão para o anel externo; pode incluir protuberância discal
Grau V: degeneração além da extensão anular; protuberância definida + possível fragmento de disco.
Os candidatos adequados para discografia são os pacientes com dor lombar crônica (>3 meses), aqueles que não apresentaram melhora com tratamento conservador ou por outros procedimentos minimamente invasivos (injeções na faceta articular, bloqueio da raiz nervosa, injeções sacroilíacas) e pacientes candidatos a um possível tratamento intervencionista com a finalidade de reduzir a dor discogênica.
As contraindicações para o procedimento incluem: infecção (no local da injeção ou sistêmica), gravidez, alergia ao contraste e coagulopatia hemorrágica ou uso de anticoagulantes.
Embora a discografia provocativa ajude o diagnóstico de doença sintomática do disco vertebral, o próprio procedimento pode danificar o disco e causar doença discal degenerativa adicional.[91][92]
Como alternativa, o uso de RNM com captação de gadolínio (contraste) pode ser considerado. O contraste é administrado por via intravenosa (IV) e realça as estruturas edematosas de cicatrização em imagens ponderadas em T1, diferenciando com mais precisão a presença de tecido de cicatrização que se forma no interior de uma ruptura anular de espessura total em processo de cicatrização.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Discografia: um paciente se apresenta com dorsalgia e dor na perna direita que não responderam a uma tentativa com tratamento conservador. A ressonância nuclear magnética (RNM; imagem sagital ponderada em T2, à esquerda) mostra degeneração em múltiplos discos com perda da hidratação normal, sinal reduzido e perda da transição núcleo-anel, com uma altura discal normal. Uma discografia em 3 níveis em L3-4, L4-5 e L5S1 (no centro, radiografia anteroposterior; à direita, radiografia lateral) revela injeção de baixa pressão com rupturas anulares degenerativas em todos os 3 níveis, com dor concordante 5/5 em L5S1; 3/5 em L4-5; e 0/5 em L3-4Do acervo do Dr. N. Quiraishi [Citation ends].
Novas investigações
Teste genético
Os genes associados à degeneração discal incluem os genes que codificam os colágenos I (COL9A2), o colágeno IX (COL9A3), o colágeno XI (COL11A2), a interleucina 1 (IL-1), a interleucina 6 (IL-6), o aggrecan (AGC1), o receptor de vitamina D (VDR), metaloproteinases (MMP-3) e proteína da camada intermediária da cartilagem (CILP).
Os exames estão atualmente sendo desenvolvidos e não estão disponíveis para uso clínico de rotina.
Exames de imagem funcionais da coluna vertebral
Incluem espectroscopia por ressonância magnética; RNM com mapeamento do tempo de relaxamento em T2; mapeamento de T1 rho; RNM dinâmica; estudo de difusão.
Os exames estão atualmente sendo desenvolvidos e não estão disponíveis para uso clínico de rotina.
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