Etiologia
Na lesão da medula espinhal (LME) traumática, a lesão inicial geralmente é devido à compressão (de uma lesão com efeito de massa, como um hematoma) ou trauma físico na forma de distração, cisalhamento ou laceração. Nas crianças, a medula espinhal é particularmente vulnerável porque não tolera distensões. A lesão pode ocorrer ou até ser exacerbada na ausência de anormalidades radiológicas (um fenômeno conhecido como LME sem anormalidade radiológica [SCIWORA]).[4]
A LME não traumática pode ser devido a causas compressivas (degenerativas, tumores) ou não compressivas (infecciosas, distúrbios inflamatórios sistêmicos, distúrbios desmielinizantes adquiridos, genéticos, neurodegenerativos, metabólicos). Em pacientes idosos, a recuperação da LME é reduzida devido ao comprometimento do fornecimento vascular por alterações degenerativas na coluna cervical e alterações ateroscleróticas nas artérias que abastecem a medula. Pacientes idosos também apresentam maior incidência de metástase de tumores da coluna espinhal e de alguns tumores primários, como mielomas.
Um canal vertebral estreito (uma anormalidade do desenvolvimento) aumenta o risco e a gravidade da lesão após trauma ou lesão por compressão.[5]
Dependendo da direção e magnitude das forças que causam a LME, alguns neurônios e tratos podem ser preferencialmente envolvidos. A quantidade e a localização do tecido neural intacto determinam a função residual. A compressão mecânica da medula, que ocorre durante um tempo, permite ajustes compensatórios graduais que preservam a função; lesões compressivas são mais toleradas que a distorção mecânica súbita da medula, como distensão, laceração ou cisalhamento. As lesões vasculares (que podem ser primárias ou secundárias a uma lesão mecânica) são pouco toleradas e apresentam um prognóstico desfavorável para recuperação.
Após a lesão inicial, os danos secundários à medula espinhal resultam de isquemia e/ou inflamação.
Fisiopatologia
A incapacidade produzida pela lesão na medula espinhal (LME) depende do nível da lesão e dos tratos envolvidos. Os tratos essenciais para movimento e sensação são:[6][7]
Tratos retículo-espinhal, vestíbulo-espinhal e rubro-espinhal para integração do controle do movimento voluntário e do equilíbrio
Tratos corticoespinhais para coordenação motora voluntária e movimentos coordenados
Tratos da coluna dorsal e espinotalâmico para propriocepção, toque fino e função nociceptiva.
O comprometimento dos tratos motores provoca uma lesão nos neurônios motores superiores. As lesões cervicais produzem tetraplegia/tetraparesia, enquanto as lesões torácicas e inferiores produzem paraplegia/paraparesia. Lesões na coluna lombar provocam uma lesão nas raízes nervosas ou na cauda equina. Tipicamente, os membros envolvidos apresentam espasticidade, hipertonia, hiper-reflexia, uma sensação de peso, rigidez e um reflexo cutâneo-plantar em extensão. Quando a lesão envolve as raízes nervosas, os membros afetados ficam flácidos e hipotônicos (lesão do tipo neurônio motor inferior). As alterações sensoriais incluem parestesia, hiperestesia e alterações proprioceptivas proporcionais ao nível da lesão.
Após a ofensa mecânica inicial, lesões secundárias, como isquemia, podem ocorrer devido a danos ou oclusão das principais artérias ou vasos perfusionais, ou microcirculação comprometida. A congestão venosa secundária à lesão arterial ou a hipotensão sistêmica produzida pela disfunção autonômica também podem causar isquemia. A substância cinzenta é especialmente vulnerável à lesão isquêmica porque é metabolicamente ativa e altamente vascular.[8][9] A lesão isquêmica, quando ocorre, é pouco tolerada pela medula espinhal e é associada a um prognóstico desfavorável para a recuperação.
A lesão inicial também pode ser exacerbada por inflamação secundária. Uma resposta inflamatória é desencadeada pelo dano ao tecido e pela liberação de citocinas. O rompimento da barreira hematoencefálica pode desencadear uma resposta inflamatória sistêmica.
Os ajustes compensatórios no período após a lesão inicial permitem que a função seja mantida no tecido neural não lesionado disponível. Esses mecanismos tendem a ser mais efetivos em lesões de progressão lenta produzidas por compressão e menos efetivos na lesão isquêmica. Assim, a incapacidade final produzida depende do nível da lesão, da quantidade de tecido neural preservado, da extensão da lesão secundária a partir da isquemia ou inflamação e da efetividade das respostas compensatórias que preservam a função.
A LME crônica pode causar uma série de complicações, incluindo (mas não limitadas a) as seguintes:
Distúrbio na função vesical: a micção é um processo complexo sob controles reflexo e voluntário. Envolve o sistema autônomo (parassimpático e simpático) e os centros corticais que controlam os esfíncteres do músculo detrusor, interno e externo para manter a continência. O distúrbio mais comumente resulta em atividade inadequada da bexiga e do esfíncter, causando disfunção neurogênica hiper-reflexa do trato urinário inferior no caso de uma lesão do neurônio motor superior; ou uma bexiga flácida e atônica no caso de uma lesão do neurônio motor inferior.
Distúrbio na função intestinal: a defecação e a continência fecal também requerem uma coordenação complexa do sistema nervoso autônomo, peristaltismo, reflexos espinhais e estímulo volitivo. Assim, a LME pode causar intestino neurogênico, caracterizado por evacuação intestinal insensata e mal controlada.
Disfunção respiratória: os pacientes com lesões na coluna cervical desenvolvem paralisia dos músculos ventilatórios, o que causa a redução na respiração e na capacidade de tosse. A interrupção do estímulo autonômico pode causar broncoconstrição e excesso de secreções. A mobilidade reduzida pode produzir um desequilíbrio da ventilação/perfusão que pode exacerbar a hipóxia quando há doença associada.
Disfunção sexual: a interrupção das vias autonômicas pode reduzir a capacidade de ereção e ejaculação em homens e secreções vaginais em mulheres. A alteração sensorial, que impede o prazer da relação sexual, pode afetar ambos os sexos.[10] Em vários estudos, cerca de 60% das respondentes apresentaram amenorreia pós-lesão, com o tempo médio até a retomada menstrual sendo de 5 meses. Embora a fertilidade geralmente não seja afetada em mulheres após o retorno da menstruação, foi relatada uma queda nas taxas de gravidez, especialmente em pacientes com tetraplegia, sugerindo fatores contribuintes adicionais.[11][12][13]
Contraturas articulares: uma perda de inervação da medula espinhal causa perda de massa muscular e substituição fibrosa. Isso, combinado com a espasticidade, pode causar contraturas de flexão, pois essas estruturas encurtam nas articulações, como cotovelo, quadril, joelho ou tornozelo.
Dor neuropática: ocorre devido à sensibilidade elevada dos receptores ou inibição das vias descendentes.
Disreflexia autonômica: pode ocorrer em pacientes com lesão afetando T6 ou nível superior devido à ruptura da cadeia simpática e do equilíbrio com o sistema nervoso parassimpático. É provocada por uma resposta autônoma excessiva aos estímulos abaixo do nível da lesão, como impactação fecal ou cateter bloqueado. Isso produz hiperatividade simpática abaixo e hiperatividade parassimpática acima do nível da lesão. Isso pode se apresentar como um aumento súbito e descontrolado da pressão arterial e uma série de outros sintomas, incluindo cefaleia pulsátil, sudorese ou calafrios, ansiedade, constrição torácica, visão turva, congestão nasal, erupção cutânea com manchas ou rubor acima do nível da lesão e frio com arrepios (pele anserina) abaixo do nível da lesão.[Figure caption and citation for the preceding image starts]: Neuroanatomia e funções dos tratos espinhais. TCS, tratos corticoespinhaisDo acervo pessoal do Dr. Jwalant S. Mehta [Citation ends].
Classificação
Padrões Internacionais da American Spinal Injury Association (ASIA) para Classificação Neurológica da Lesão na Medula Espinhal
A escala de comprometimento da ASIA classifica a lesão como A, B, C, D ou E, de acordo com o grau da função neurológica residual: SCIRE: international standards for neurological classification of spinal cord injury Opens in new window
A: sem função motora ou sensitiva
B: função sensitiva preservada incluindo S4-S5 (preservação sacral), mas sem função motora
C: função sensitiva preservada incluindo S4-S5 (preservação sacral); contração muscular ou amplitude de movimentos (ADM) total com a eliminação da gravidade
D: função sensitiva preservada incluindo S4-S5 (preservação sacral); ADM total sem gravidade ou resistência acrescentada
E: função sensitiva preservada incluindo S4-S5 (preservação sacral); ADM total com intensidade normal; espasticidade ou sinais de tratos longos.
As lesões também podem ser classificadas como completas ou incompletas:
Completa: qualquer lesão do tipo A
Incompleta: qualquer lesão dos tipos B, C, D ou E.
Síndromes da medula espinhal
O padrão de fraqueza e perda de sensibilidade devido à ruptura dos tratos espinhais também pode ser descrito por várias síndromes clássicas. O exame clínico pode revelar uma síndrome característica da medula espinhal que pode ser reconhecida. As síndromes da medula espinhal incluem:
Síndrome de Brown-Sequard: provoca dor na raiz no nível da lesão com perda das modalidades de dor e temperatura abaixo da lesão do lado ipsilateral e sobre o membro inferior e o tronco do lado contralateral. O nível sensorial é 2 níveis abaixo no lado contralateral. Uma fraqueza espástica é observada no lado ipsilateral com reflexos rápidos. A coluna posterior pode estar comprometida do lado ipsilateral, produzindo perda de propriocepção, e pode ser observada urgência.
Transecção completa da medula: um nível sensorial bilateral no nível da lesão que afeta todas as modalidades que estão ausentes ou gravemente afetadas. A margem superior pode apresentar uma zona de hiperestesia. São observadas paraplegia flácida ou tetraplegia. A urgência e a incontinência ocorrem devido a uma disfunção neurogênica reflexa do trato urinário inferior.
Compressão da coluna posterior: embora não mais incluída como uma síndrome formal, produz perda de propriocepção, com paraparesia espástica associada e reflexos rápidos. Pode haver dor radicular ao longo do nervo intercostal. O nível sensorial de dor no tronco é 2 níveis abaixo do nível da lesão. A lesão em T12 ou acima produz perda de reflexos abdominais. São observadas urgência e incontinência. Lesões acima de T5 podem produzir disfunção autonômica, como hipotensão ortostática, sudorese e bradicardia com resposta estimulatória de distensão do reto ou da bexiga.
Síndrome medular central: provocada por uma lesão que afeta os tratos internos na medula cervical. No início da patologia, os sintomas são predominantemente sensoriais, com uma zona de perda de dor e temperatura de 2 a 3 níveis caudais à lesão. Se a lesão se expandir, ocorrerá comprometimento motor, o que produzirá paraparesia espástica bilateral dos membros inferiores e paraparesia assimétrica do membro superior; o comprometimento neurológico é mais grave nos membros superiores.
Síndrome medular anterior: é decorrente da lesão vascular que envolve a artéria vertebral anterior. Pode ser decorrente de uma lesão de flexão que envolve os dois terços anteriores da medula espinhal, a qual lesiona a artéria vertebral anterior, mas preserva as artérias vertebrais posteriores pareadas. Dor, temperatura e função motora abaixo do nível da lesão são comprometidas, mas a propriocepção fica intacta.
O uso deste conteúdo está sujeito ao nosso aviso legal