Abordagem

Pacientes com hemorragia digestiva alta não varicosa devem ser submetidos a estabilização, ressuscitação, avaliação de risco e cuidados pré-endoscópicos antes da avaliação endoscópica.[37][38]

Considerações sobre a urgência

Pacientes que apresentam sangramento ativo com múltiplas comorbidades clínicas devem ser atendidos rapidamente. A avaliação diagnóstica inicial envolve uma avaliação da estabilidade hemodinâmica e ressuscitação, caso necessárias; a abordagem ABC (vias aéreas [do inglês Airway], respiração [Breathing] e circulação [Circulation]) deve ser implementada com ressuscitação e estabilização apropriadas, incluindo cristaloides para manter uma pressão arterial adequada. Pacientes em choque devem ser tratados em um ambiente de cuidados intensivos sempre que possível.

Pacientes com sangramento contínuo (hematêmese, hematoquezia ou melena) ou com suspeita de apresentar isquemia cardíaca devem ser considerados para transfusão de concentrado de eritrócitos. As diretrizes diferem nos limites exatos. O American College of Gastroenterologists recomenda transfusão em casos de hemoglobina (Hb) <70 g/L (<7 g/dL) ou <80 g/L (<8 g/dL) na apresentação em pacientes com doença cardiovascular (DCV), hemodiluição relacionada à ressuscitação fluídica ou múltiplas comorbidades.[39]​ O International Consensus Group estava preocupado com a DCV não diagnosticada e sugere um limite ligeiramente superior de transfusão de Hb de 80 g/L (8 g/dL).[40]​ Uma meta de Hb ≥100 g/L (≥10 g/dL) deve ser almejada em pacientes com DCV, enquanto um nível mais baixo de Hb 70-90 g/L (7-9 g/dL) é considerado apropriado para pacientes sem DCV.[1]​ Da mesma forma, embora não especifique intervalos, o American College of Chest Physicians recomenda uma estratégia de transfusão restritiva em vez de uma estratégia de transfusão permissiva em pacientes gravemente enfermos, incluindo principalmente aqueles com hemorragia digestiva aguda, mas em pacientes gravemente enfermos com síndrome coronariana aguda, eles sugerem não usar uma estratégia de transfusão restritiva.[41]

A intubação endotraqueal eletiva e a colocação de sonda nasogástrica ou orogástrica podem ser realizadas durante a avaliação, se indicado pela condição clínica do paciente.[42] Três diretrizes sobre hemorragia digestiva alta não fazem nenhuma recomendação quanto à colocação de sondas nasogástricas ou orogástricas.[39][40]​​​​[43]​​​​​[Figure caption and citation for the preceding image starts]: a laceração com sangramento ativo aparece como um defeito longitudinal vermelho com mucosa circundante normalDo acervo de Juan Carlos Munoz, MD, University of Florida [Citation ends].com.bmj.content.model.Caption@3c6e9dee

​Para obter mais informações sobre o tratamento de pacientes com hemorragia maciça, consulte Choque.

Para pacientes que apresentam dor torácica, consulte Avaliação da dor torácica.

Consulte também os tópicos individuais para quaisquer comorbidades que o paciente tenha, pois elas podem influenciar as decisões de tratamento.

História

Uma história médica completa deve ser colhida para estabelecer quaisquer fatores e afecções causais associadas à laceração de Mallory-Weiss. No entanto, em >40% dos pacientes com laceração de Mallory-Weiss, não é encontrado nenhum fator desencadeante.[14]

A anamnese deve incluir:

  • História pregressa de hematêmese ou de laceração de Mallory-Weiss confirmada

  • Medicamentos e ingestão de álcool: uso de aspirina, outros anti-inflamatórios não esteroidais, anticoagulantes, agentes antiplaquetários e quantidade de ingestão diária de álcool

  • Problemas clínicos concomitantes: uma história de doença hepática, úlcera péptica, refluxo/pirose esofágica ou história de hérnia hiatal, disfagia, odinofagia, perda de peso ou aneurisma da aorta abdominal

  • Quaisquer intervenções cirúrgicas anteriores, como enxerto vascular da aorta abdominal, cirurgia de bypass gástrico, fundoplicatura cirúrgica ou endoscópica anterior, etc.

Quadro clínico

A apresentação clássica da laceração de Mallory-Weiss consiste em um pequeno e autolimitado episódio de hematêmese (que varia de manchas ou estrias de sangue misturadas com conteúdo gástrico e/ou muco, e êmese escurecida ou em "borra de café", até sanguinolenta vermelho-vivo), ocorrendo tipicamente após um episódio de esforço para vomitar, vômitos, tosse, esforço ou traumatismo contuso, ou quaisquer outros fatores que aumentem a pressão no nível da junção gastroesofágica.[1]

Entretanto, a história clássica nem sempre é obtida. Outro estudo relatou a presença de sangue na primeira êmese em apenas 50% dos pacientes.[14] Foi descrita hemorragia maciça que requer avaliação urgente, transfusão de sangue e até mesmo causa morte, mas é menos comum entre pacientes com laceração de Mallory-Weiss do que outras causas de hemorragia digestiva alta.[1]​​[3][4]​​​

Os sintomas manifestos menos comuns incluem vertigem, tontura, síncope, disfagia, odinofagia, melena, hematoquezia, dor retroesternal com irradiação para região interescapular e dor abdominal médio-epigástrica. Um alto índice de suspeita é imperativo.

Exame físico

Em geral, um exame físico completo deve ser realizado, incluindo inspeção das narinas e da orofaringe, além de avaliação retal. Não há sinais físicos específicos em pacientes com laceração de Mallory-Weiss. Os achados físicos são vinculados ao distúrbio subjacente que causa os vômitos, esforço para vomitar, tosse e/ou esforços.

Alterações na pressão arterial (PA) ortostática devem ser verificadas nesse momento, caso isso não tenha sido feito na apresentação. Outros achados físicos, quando presentes, estão relacionados à frequência e ao grau do sangramento. Tais sinais e sintomas incluem taquicardia, alterações na PA ortostática, hipotensão, tontura, vertigem e, menos comumente, choque.

Investigação laboratorial inicial

Hemograma completo, Hb, hematócrito, plaquetas, ureia, creatinina e eletrólitos são importantes para avaliar a gravidade do sangramento, fazer uma avaliação de risco e monitorar os pacientes. Os testes da função hepática devem fazer parte do exame de sangue inicial em pacientes com hemorragia digestiva alta, pois podem descartar doença hepática, que pode predispor o paciente a varizes esofágicas, varizes gástricas ou gastropatia hipertensiva portal como possíveis fontes de sangramento.

O tipo sanguíneo e anticorpos devem ser obtidos para uma possível transfusão de sangue. TP e TTP ativada são necessários em todos os pacientes que tomam anticoagulantes ou aqueles com suspeita de coagulopatia (por exemplo, patologia hepática, lúpus).

Avaliação de risco

Vários escores de risco foram desenvolvidos e validados, mas cada um deles demonstrou ter o desempenho mais preciso para prever desfechos específicos: por exemplo, mortalidade, risco de ressangramento, necessidade de transfusão ou necessidade de terapia cirúrgica ou endoscópica. Em resumo, as principais diretrizes internacionais, americanas e europeias sobre hemorragia digestiva alta sugerem apenas o escore de sangramento de Glasgow-Blatchford (GBS) para identificar, com alta certeza, pacientes de risco muito baixo que podem ser tratados com segurança por endoscopia digestiva alta (EDA) ambulatorial.[39][40]​​​​​[43]​​​​​​ O GBS (escore pré-endoscópico) é calculado utilizando os seguintes parâmetros: ureia, Hb, pressão arterial sistólica, pulso, melena, história ou evidências de doença hepática e doença arterial coronariana.[38][44][45]​​​ Pacientes com um escore de 0 a 1 são classificados como de risco muito baixo, o que indica uma taxa de falsos-negativos ≤1% para necessidade de intervenções hospitalares ou morte.[39][40]​​​​[43]​​​​ Pacientes com um escore ≥2 devem ser internados imediatamente e receber uma EDA em até 24 horas.[1][39] [ Escore de Blatchford para sangramento gastrointestinal Opens in new window ] ​​​​​​​

Outras investigações iniciais a serem consideradas

A EDA é a investigação diagnóstica e terapêutica de primeira linha quando os pacientes são considerados candidatos aceitáveis para o procedimento.[46] As contraindicações absolutas para uma EDA incluem hipotensão grave/choque, perfuração aguda, infarto agudo do miocárdio e peritonite. As contraindicações relativas para uma EDA incluem paciente não cooperativo, coma (exceto os pacientes já intubados), arritmias cardíacas ou isquemia miocárdica (evento recente).

A EDA deve ser realizada em pacientes internados com suspeita de hemorragia digestiva alta não varicosa até 24 horas após apresentação da hemorragia digestiva alta.[39][40]​​​[43]​​ A proteção das vias aéreas com intubação deve ser considerada dependendo da condição clínica do paciente.

A EDA pode identificar uma laceração, geralmente na junção gastroesofágica ou abaixo dela, na curvatura menor (entre 2 e 6 horas). A laceração geralmente é um defeito linear único, cujo comprimento pode variar de alguns milímetros a vários centímetros, com mucosa circundante normal. Em casos raros, pode haver mais de uma laceração. Lesões coexistentes são comuns e podem contribuir para o processo de sangramento (por exemplo, úlcera péptica, esofagite erosiva).

Para obter mais informações sobre quais investigações podem ser úteis no tratamento de pacientes com hemorragia maciça, consulte Choque.

Para pacientes que apresentam dor torácica, consulte Avaliação da dor torácica.

Consulte também os tópicos individuais para quaisquer comorbidades que o paciente tenha, pois elas podem influenciar investigações relevantes.

Exames por imagem

O diagnóstico precoce pode possibilitar a identificação de lesões de alto risco, como lesões com sangramento ativo. O tratamento dessas lesões pode permitir um monitoramento mais intenso e reduzir a probabilidade de um desfecho adverso.


Laceração de Mallory-Weiss com sangramento
Laceração de Mallory-Weiss com sangramento

Do acervo pessoal de Douglas Adler; usado com permissão


A laceração de Mallory-Weiss não é visível na radiografia convencional na ausência de uma perfuração de espessura total; entretanto, a radiografia torácica pode ser útil como avaliação inicial em pacientes instáveis para descartar patologia torácica adicional ou naqueles em que houver suspeita de uma complicação, como perfuração.[35] Se houver suspeita de perfuração, e não de laceração, devido a enfisema subcutâneo ou crepitação, um estudo contrastado ou uma tomografia computadorizada (TC) de tórax são indicados para confirmar e localizar o nível de perfuração.[47]

A angiografia visceral ou a angiotomografia do abdome e da pelve, sem e com contraste intravenoso, são indicadas em pacientes com lesão com sangramento ativo e a endoscopia não está disponível ou não conseguiu controlar o sangramento.[46][48]​​​ Quando a endoscopia confirma hemorragia digestiva alta não varicosa, mas não consegue identificar claramente o local do sangramento, a angiotomografia do abdome e da pelve, sem e com contraste intravenoso, é indicada.[46]

A origem do sangramento pode ser demonstrada em uma canulação seletiva da artéria gástrica esquerda. Um acúmulo linear de contraste será observado em pacientes com laceração ou ruptura na junção gastroesofágica ou próximo da junção.

Cuidados pré-endoscópicos

As diretrizes fizeram recomendações conflitantes em relação aos inibidores da bomba de prótons (IBPs) pré-endoscopia.[39][40][49]​​​​ [ Cochrane Clinical Answers logo ] ​​ Dada a falta de certeza em torno dos dados, sugere-se que os protocolos locais sejam seguidos. Alguns especialistas ainda sugerem IBPs pré-endoscopia para diminuir qualquer lesão de alto risco, principalmente quando a endoscopia não pode ser realizada ou se houver contraindicações para avaliação endoscópica precoce (dentro de 24 horas).[50] Na experiência deste autor, os benefícios de administrar IBPs antes da endoscopia superam os danos potenciais e os IBPs são amplamente administrados para hemorragia digestiva alta não varicosa.​

Acredita-se que a administração de eritromicina intravenosa 30 minutos antes da endoscopia estimula os receptores de motilina, com um aumento subsequente na contração do estômago que pode ajudar a mobilizar coágulos gástricos. Isso pode permitir uma melhor avaliação endoscópica e reduzir a necessidade de repetição da endoscopia.[1][39][51][52][53][54]​​​​

Antieméticos são úteis para o controle de náuseas e vômitos, que podem ser uma causa ou um fator agravante em pacientes com laceração de Mallory-Weiss, e são administrados antes da endoscopia, se necessário.

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